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"O cinema brasileiro é careta", diz Claudio Assis sobre seu novo filme, "Febre do Rato"

O diretor Cláudio Assis beija a atriz Maria Gladys, durante a apresentação de "Febre do Rato" no Festival de Cinema de Paulínia (13/7/11) - Aline Arruda/Agência Foto
O diretor Cláudio Assis beija a atriz Maria Gladys, durante a apresentação de "Febre do Rato" no Festival de Cinema de Paulínia (13/7/11) Imagem: Aline Arruda/Agência Foto

ALYSSON OLIVEIRA

Em Paulínia

14/07/2011 18h57

“Agora é só poesia”, diz o slogan no cartaz de “Febre do Rato”, novo longa de Claudio Assis (“Amarelo manga”, “Baixio das Bestas”) que teve sua primeira exibição no 4º Festival de Cinema de Paulínia, como disse sua produtora na apresentação do filme, na noite de quarta (13), na qual o diretor deu selinhos em toda sua equipe e nos apresentadores do festival, Rubens Ewald Filho e Marina Person.  

Cláudio Assis beija equipe de seu filme "Febre do Rato" e apresentadores do Festival de Paulínia

 
Filmado num preto e branco estonteante – assinado pelo parceiro de Assis, Walter Carvalho –, o longa é um delírio poético e real pelas ruas de Recife e Olinda – mas que se comunica com o mundo todo. “Como disse Tolstói, ‘Pinte sua aldeia e você está pintando o mundo’”, citou o diretor em entrevista ao UOL Cinema na tarde desta quinta-feira (14).
 
“As pessoas dizem que eu sou cineasta pernambucano. Eu não sou, eu sou um cineasta, e ponto. Não importa de onde eu venho, do que eu gosto, ou o que eu faço. O importante são os meus filmes, o que eu digo, o que eu mostro. E eu quero fazer o público pensar”. Em “Febre do Rato”, o diretor explica que fala “das mesmas coisas [de seus outros filmes], mas com mais poesia, mais carinho”. “O poeta pode tudo”.
 
O personagem central, aliás, é um poeta, Zizo, que embora tenha o mesmo nome de uma figura famosa da poesia de Recife, não foi inspirado em ninguém específico, mas “uma homenagem à poesia marginal dos anos de 1960 e 1970”, segundo o roteirista Hilton Lacerda, que escreveu os poemas do filme em vários momentos de sua vida.  Para viver o autor desses poemas na tela, Assis chamou Irandhir Santos, com quem já trabalhara em “Baixio das Bestas”. “O roteiro é só um guia. Eu queria que ele se apropriasse daquelas palavras, e, só assim, conseguiria fazer o personagem com honestidade.”
 
O “agora é só poesia” do cartaz ganha duplo sentido – tanto as poesias do personagem poeta como um novo momento no cinema de Assis. “O cinema brasileiro está muito careta, tem vergonha de mostrar o corpo, de mostrar o amor. Tudo é filmado com pudor, mostra um peito aqui, outra coisinha ali. Eu mostro a vida. Coloco em cena gente nova, velha, bonita, feia. Eu não faço isso para chocar, a vida é assim: nova, velha, gorda, magra”. No longa, as atrizes Conceição Camaroti e Maria Gladys são amantes do poeta, e passam boas horas com ele num poço de água.
 
“A mediocridade está tomando conta, e a sociedade fica cada vez mais idiota. Existe um anacronismo social muito grande no país. As pessoas mostram coisas assustadoras na televisão, e quando a gente mostra no cinema todo mundo fica chocado”, pondera Assis.  Como prova disso, o diretor conta uma polemica que aconteceu em Recife enquanto o filmavam no ano passado.
 
Durante as comemorações de 7 de Setembro, a polícia militar interveio nas filmagens de uma cena ao ar livre no centro de Recife em que Irandhir e Nanda Costa estavam nus. “Estava tudo certo, havíamos pagado tudo o que era preciso, e não ganhamos nenhum centavo da Prefeitura, nem de nada. Vieram quase dez carros de polícia para prender os dois atores”, conta Assis indignado.  As ruas onde eram feitas as cenas estavam fechadas, e todos naquele perímetro estavam envolvidos com as filmagens – atores, figurantes e técnicos.
 

Em seu quarto trabalho com Walter Carvalho – parceria que inclui além de seus dois longas, o curta “Texas Hotel” – Assis confessa que os dois já estão numa sintonia inigualável. “É o nosso amadurecimento de filme a filme. E eu compartilho muito com todas as pessoas no set. Cinema é um projeto de todas as pessoas”.  Esse método de trabalho de Assis parece funcionar muito bem, porque diversos técnicos e atores repetem a parceria – como é o caso de Matheus Nachtergaele, que faz um dos personagens centrais de “Febre do rato”, e Dira Paes, que tem uma “ponta afetiva no filme”.
 
A escolha da fotografia em preto e branco, explica Assis, é simples: “a mais importante fotografia de todos os tempos foi feita em preto e branco. Walter e eu discutimos muito como seria a melhor forma de mostrar essa história que queríamos contar.”
 
Agora Assis trabalha em dois projetos que devem ser rodados nos próximos anos, mas aquele do que mais gosta de falar é um filme infantil, que está criando junto com seu filho, Francisco, de 6 anos. “Eu sou pai, e esse é um lado que muita gente não conhece sobre mim. Falam apenas que faço filmes violentos, quero mostrar que tenho essa outra faceta”. O longa deve ser escrito por Paulo Lins – autor do romance “Cidade de Deus” – e, segundo o diretor, “tem a ver com Saci Pererê e Curipira”. Já o outro projeto é uma adaptação de um livro inédito de Xico Sá, que em “Febre do Rato” é creditado, ao lado do roteirista Hilton Lacerda, como coautor da ideia original.
 
“Febre do Rato” não tem data para chegar aos cinemas, mas já tem distribuição garantida, pela Imovision, que se envolveu com o projeto antes mesmo das filmagens começarem. “Para mim, é um luxo ter um distribuidor”. Mas, ele mesmo confessa, independente da recepção deste longa, fazer um novo é sempre começar do zero. “É sempre uma batalha, sempre procurar investidores, gente que aposte na gente”.