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Com gravações no Morro Dona Marta, "Totalmente Inocentes" satiriza filmes de favela

FÁBIA OLIVEIRA

Do UOL, no Rio

25/08/2011 07h00

"Totalmente Inocentes", primeiro longa dirigido por Rodrigo Bittencourt, encerrou suas gravações na madrugada da última quarta-feira (24), no Morro Dona Marta, na zona sul do Rio de Janeiro.

Mariana Rios, que interpreta a estagiária de jornalismo Gildinha, mora na comunidade. A atriz afirma ter amado a experiência de filmar em uma comunidade carente. "As pessoas são muito respeitosas. Nós invadimos o espaço e os moradores foram muito gentis, desligando o som de suas casas enquanto a gente estava rodando as sequências", observa.

O filme é uma sátira ao estilo "favela moovie", que mostra cenas de violência explícita na área carente da sociedade. Os protagonistas são os atores Lucas de Jesus, Gleison Silva e Carlos Evandro, que vivem Da Fé, Bracinho e Torrado, respectivamente. O sonho do trio é ganhar o morro para ser respeitado, mas nenhum dos três leva jeito para a coisa. "Eles não conseguem sequer roubar uma galinha. O filme vai na contramão da violência", antecipa o diretor.

MAKING OF DO FILME ''TOTALMENTE INOCENTES''

O longa foi rodado grande parte em Paulínia, no interior de São Paulo. "Conseguimos umas ruas que reproduzem bem as comunidades cariocas", diz Rodrigo, que cresceu em Bangu, no subúrbio carioca.

Para a gravação, um camarim foi improvisado em um galpão na unidade de serviço de recuperação dos Alcoólicos Anônimos. Em uma tenda preta, os atores trocam de roupa. Não há uma sala de maquiagem. A janta é servida em um bufê, no melhor estilo bandejão.

E os atores presentes na última noite de filmagem não tinham nem um pingo de estrelismo. Mariana Rios, Fábio Porchat, Kiko Mascarenhas, Leandro Firmino e os protagonistas jantavam juntos, riam e brincavam o tempo inteiro. Os moradores do Morro Dona Marta quase não pediam para tirar fotos com os atores. "O povo do Rio já está costumado a encontrar os famosos. Não há um assédio desmedido", analisa o diretor.

Na história, o morro é dominado pelo traficante travesti Diaba, interpretado por Kiko Mascarenhas - que na TV pode ser visto no seriado "Tapas & Beijos" fazendo ninguém menos do que Santo Antônio. "Isso é muito engraçado, né? Um santo na televisão e uma diaba no cinema. Coisas da vida de ator", brinca Kiko.

A caracterização dele leva cerca de 1h40 para ficar pronta. "Diaba é muito vaidosa. Tem uma peruca especial, feita com uma tela, que não aparece na raiz do cabelo. E ainda tem toda a maquiagem e o espartilho que eu uso por baixo da roupa, que é sempre espalhafatosa. Dessa vez, levamos apenas 40 minutos para aprontá-la porque gravamos a sequência em que ela é presa. A cara já está toda borrocada",explica.

Mas não é só Diaba que tem um figurino especial. Gildinha se transforma em Lady Gaga. E isso acontece duas vezes, como afirma a atriz Mariana Rios. "O Da Fé sonha que está se casando com Gildinha. E ela aparece vestida de Lady Gaga. Amei fazer porque sou apaixonada por ela. Por mim, sairia vestida nas ruas como ela", diz.

  • Divulgação

    Elenco do filme "Totalmente Inocentes" posa em um parque em São Paulo (julho/2011)

Depois de aprontar Diaba, o maquiador Martins Trujillo cuida do visual de Fábio Porchat, o traficante Do Morro. Mas aí é mais fácil: basta fazer uma cicatriz na testa do ator. "Do Morro é capanga de Diaba. Só que ele quer tomar o morro dela e arma uma emboscada, em que ela cai e vai presa. Com isso, ele assume o comando do local", explica Fábio.

Quando recebeu o convite para fazer o traficante, o comediante levou um susto. "Brinquei que, por causa da minha brancura, teria que ser o assassino da Noruega. Mas como o filme é uma sátira, a brincadeira valeu. Nos 'favelas movies', os líderes do tráfico são sempre negros. Aliás, Do Morro tem problema com isso. Ele reclama por ser branco", adianta o ator, que no set ganhou o apelido de "Leite Ninho".

Fábio Lago, que em "Tropa de Elite" fez o traficante Baiano, aparece fardado em "Totalmente Inocentes". Ele é o policial Nervoso, que tem esse apelido, mas na verdade é tranquilo e atrapalhado.

O ator faz dupla com Leandro Firmino, o Zé Pequeno de "Cidade de Deus", que também muda de lado e agora aparece como o cabo Tranquilo. Só que, de tranquilo ele só tem o nome. "O filme é uma sátira e a gente forma uma dupla engraçada", analisa Fábio. Tanto que, na cena da prisão de Diaba, Nervoso acaba preso na caçamba do camburão junto com o travesti.

Na prisão, Diaba divide a cela com seu inseparável maquiador, Átila, papel de Ícaro Silva. "Átila está sempre com lápis de olhos e é o mais fashion do bando. Exatamente por isso, se encarrega de maquiar o chefe. Tem uma cena engraçada em que ele retoca a maquiagem da Diaba no meio do tiroteio. Mas Átila não é gay. É um metrossexual", justifica Ícaro.

Após a prisão de Diaba, Do Morro assume a comunidade. Wanderlei (Fábio Assunção), que trabalha como repórter na revista "Taras e Tiros", precisa fazer uma matéria com Do Morro. Mas, como ele é um jornalista medroso que só pensa em tirar férias, pega o trio protagonista e estampa na capa da publicação como os novos traficantes da área. Isso irrita Do Morro e deixa Da Fé, Bracinho e Torrado cheios de si. "Eu gostei de ter feito esse filme. Foi um prazer trabalhar com o Rodrigo Bittencourt. Ele é um diretor objetivo, bastante tranquilo e entusiasmado no set de filmagem", opina Assunção.

Depois que o trio ganha os louros da fama, vão ficar sob a mira da mão pesada de Do Morro. "Ele começa a história como Joãozinho. Depois, ganha o apelido de 'Do Morro' e as maldades que ele vai fazendo crescem à medida em que transcorre o filme. Em uma sequência, ele pega a cabeça da Gildinha e dá uma lambida no rosto dela. Fica claro que ele vai estuprar a menina, mas o Torrada chega na hora. Aí, os dois viram reféns dele", antecipa Fábio Porchat.

O figurino também vai mudando com o passar do longa. "Ele começa com um cordãozinho de ouro e só. Mais pro final, já está usando calça brilhosa e uns cordões enormes de ouro, com o símbolo do dinheiro pendurado. É uma sátira sobre o modo de vestir dos traficantes", analisa.

O convite para participar do filme surgiu espontaneamente. A cena era simples. Bastava tentar pegar uma declaração da Diaba, que estava sendo presa. Como acontece na vida real, fomos empurrados pela polícia. Verdade seja dita, na ficção os empurrões são bem mais leves. Levamos mais de uma hora para fazer a cena. Valeu pela diversão. Até retoquei o batom antes de gravar, embora acredite que só o meu bloco vá aparecer. Uma coisa é certa: pelo menos mamãe vai ao cinema para me assistir. Rodrigo Santoro que se cuide! Hollywood, aí vou eu!

Fábia Oliveira, repórter e "atriz" por um dia

As gravações no Morro Dona Marta renderam um dinheiro extra para alguns moradores da comunidade. O pintor Irapuã Santos, de 23 anos, foi chamado para carregar os equipamentos da produção. Pela noite de trabalho, ganharia R$ 50. "Sou casado e tenho um filho de 1 ano e 11 meses. Esse dinheiro vai ajudar nas despesas lá de casa", garante.

No meio da gravação, surge um convite inusitado: a prisão de um traficante importante como Diaba precisa reunir a imprensa. E, como repórteres e fotógrafos de alguns veículos estavam no local, todos aceitaram fazer uma ponta no filme, sendo empurrados pelos policiais da ficção tentando uma declaração do travesti. O esforço valeu a pena. No final, o diretor Rodrigo Bittencourt elogiou a atuação do grupo: "Repórteres! Vocês estão sensacionais!".

Na última noite de filmagem, Fábio Assunção quase apareceu. Quase. Uma cena em que o jornalista Wanderlei aparece de costas dentro de um Fusca precisava ser refeita e a direção optou por chamar o sósia do ator, Cristiano Proença.

Vendo ele descer uma ladeira de paralelepípedos do Morro Dona Marta, parece que se trata de uma ilusão de ótica. Só quando se chega mais perto algumas diferenças ficam notórias, como a estatura do dublê. Fábio é um pouco mais alto do que Cristiano. "Como era uma cena só e pequena, achamos que não era necessário trazer o Fábio de São Paulo para rodar aqui", explica o diretor.