Coleção oferece sete grandes filmes de Kubrick em alta qualidade
Num momento em que a excelência do cinema de Stanley Kubrick é cada vez mais questionada por novos críticos e cinéfilos, a Warner lança uma coleção contendo sete filmes do diretor, espalhados por oito discos de Blu-Ray. É uma ótima oportunidade para rever ou conhecer sua trajetória após "Spartacus" (1960), o épico de produção conturbada, mas que o tornou reconhecido em Hollywood, possibilitando que seus filmes seguintes ficassem entre os mais esperados pelo público.
Podemos perceber, com tal coleção, a evolução de seu estilo num período de 37 anos. De 1962 a 1999, de "Lolita" a "De Olhos Bem Fechados", são filmes realizados dentro da MGM (até 1968) ou Warner (de 1971 em diante), faltando apenas "Doutor Fantástico" (1964), produzido pela Columbia (agora Sony).
Autorretrato do diretor Stanley Kubrick (1928-1999)
É uma carreira bissexta, mas iluminada. Vemos um crescimento de seu perfeccionismo, o que lhe custou uma série de dissabores na indústria cinematográfica, e a dificuldade de trabalhar nos EUA, cujos grandes estúdios cada vez mais ficaram entregues a plateias adolescentes. Kubrick nunca filmou para adolescentes. Seus filmes são adultos, para pessoas que não têm preguiça de pensar. Daí vem a força de sua produção, dentro ou fora dos EUA.
Numa época em que 90% dos cineastas revelam desprezo pelos aspectos formais de uma obra de arte, subestimando elementos como composição de espaço, enquadramentos e posições de câmera, em que a maior parte do cinema contemporâneo é limitada pelo "o que der deu" da estética atual, vale a pena voltar a seus filmes metódicos, extremamente rigorosos, mas nunca assépticos.
A coleção da Warner começa com o polêmico "Lolita" (1962), filme baseado em clássico de Vladimir Nabokov. Peter Sellers e James Mason brilham, sem ofuscar o carisma da ninfeta Sue Lyon. Kubrick, já naquela época, revelava em sua versão um olhar agudo e transgressor. A refilmagem, feita por Adrian Lynne em 1994, é um acinte, mesmo sendo das obras mais interessantes (ou menos problemáticas) do diretor de "Flashdance". Perderam-se as nuances e as interessantes entrelinhas do filme original, que é muito mais erótico sem precisar de apelações.
Com "2001 - Uma Odisseia no Espaço" (1968), Kubrick consolidou a conquista do mundo cinematográfico iniciada no início daquela década. Trata-se de uma obra que ultrapassa as barreiras do gênero: é filosófica e questionadora como raras na história do cinema. O DVD não faz justiça à grandeza deste filme feito para ser visto numa tela de proporções igualmente gigantescas. Mas podemos dizer que o Blu-Ray quebra o galho, por sua melhor definição e trabalho de som.
A maior ficção-científica realizada por um estúdio americano tem o ritmo de um filme de arte. É contemplativa, lenta, imponente. É obra de um cineasta maduro, que não recua diante das implicações eruditas possibilitadas pelo conto original de Arthur C. Clarke (que colaborou com o roteiro). Ainda hoje é o filme pelo qual Kubrick é mais lembrado.
Cena do filme ''Laranja Mecânica'' (1971)
Durante a década de 1970, morando e filmando na Inglaterra, Kubrick ousou ainda mais, mexendo em temas polêmicos como a violência gratuita ou inovando nas técnicas de filmagem. Começa com "Laranja Mecânica" (1971), versão filmada da distopia literária de Anthony Burgess. O perfeccionismo do diretor já chegava a tal ponto que o próprio livro foi utilizado como roteiro para as filmagens. O resultado foi uma das obras mais instigantes e perturbadoras da época, com uma atuação marcante de Malcolm McDowell.
Na Inglaterra, Kubrick teve certa liberdade para realizar o grandioso "Barry Lyndon" (1975), filme de três horas de duração que promove uma volta ao século 18 com pompa e elegância. O trabalho com a iluminação é revolucionário. Foi feito somente com luz de velas pelo diretor de fotografia John Alcott, com quem Kubrick havia trabalhado em "Laranja Mecânica". A intenção era imitar a iluminação de uma época anterior à invenção da luz elétrica. Tal experimento foi premiado com o Oscar de melhor fotografia em 1976.
"O Iluminado" (1980), o longa seguinte, é a adaptação de uma das obras literárias mais problemáticas (segundo os próprios fãs) de Stephen King. Mas Kubrick ultrapassou com louvor os obstáculos da adaptação para o cinema e realizou um verdadeiro filmaço.
Jack Nicholson está em estado de graça como o escritor que literalmente enlouquece em um hotel que foi abandonado por todos, menos pelos fantasmas. O clima de terror, que atinge níveis exasperantes na segunda metade, é fruto de um mestre do ritmo e da atmosfera, comprovando uma habilidade já evidente desde o início da carreira, e finalmente aperfeiçoada em "2001 - Uma Odisseia no Espaço".
Kubrick durante a gravação de "2001: Uma Odisseia no Espaço"
Se os intervalos entre os filmes cresceram consideravelmente nos anos 1970, na década seguinte chegaram a causar o desespero de seus admiradores mais ardorosos. "Nascido para Matar" chega sete anos depois de "O Iluminado". Hiato mais duradouro e sofrido viria depois, já que "De Olhos Bem Abertos" apareceu somente doze anos depois de "Nascido para Matar". É o alto custo pelo perfeccionismo e pela personalidade difícil, que não se curvava diante das exigências dos estúdios ou do mercado.
"Nascido Para Matar", com seus lados A e B, fez parte de uma série de reflexões que Hollywood fez sobre a Guerra do Vietnã ("Platoon", "Hamburger Hill", "Pecados de Guerra", "Bom Dia Vietnã"...), o acontecimento mais traumático do século 20 norte-americano. É o filme mais frágil de Kubrick desde "Spartacus", mas algumas de suas imagens têm força inegável, sobretudo na segunda parte (o lado B), quando o pelotão de soldados deve lidar com um franco atirador escondido nas ruínas.
"De Olhos Bem Fechados", baseado em um livro escandaloso e escrito no começo do século 20 por Arthur Schnitzler, é uma parábola sobre a sexualidade e sobre as tensões de uma relação na sociedade moderna. Mostra o casal (no filme e na vida real) Tom Cruise e Nicole Kidman numa trama de traições, vinganças e pequenas brigas que tomam proporções incontroláveis. É um fechamento mais do que digno para a carreira de Kubrick, um dos poucos cineastas que não se contaminou por modismos ou frivolidades.
BOX STANLEY KUBRICKFilmes: Idiomas: Inglês, Português e Espanhol Legandas: Inglês e Português |
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