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Com tempero brasileiro, filme de Almodóvar abre Festival do Rio

Cena do filme "A Pele que Habito" - Divulgação
Cena do filme "A Pele que Habito" Imagem: Divulgação

CARLOS HELÍ DE ALMEIDA

Colaboração para o UOL, do Rio de Janeiro

06/10/2011 07h00

A edição 2011 do Festival do Rio, que tem início na noite desta quinta-feira (6) com a sessão de gala, para convidados, de “A Pele que Habito”, de Pedro Almodóvar, tem gostinho brasileiro. Interpretado por Antonio Banderas, o protagonista do novo filme do diretor espanhol é filho de um brasileiro; seu meio-irmão cresceu nas favelas da Bahia e, no meio da trama, surge a canção “Pelo Amor de Amar”, gravada por Ellen de Lima nos anos 60.

“Sou apaixonado pela música brasileira”, disse Almodóvar durante o Festival de Cannes, onde seu filme competiu pela Palma de Ouro.  O mais recente trabalho do autor de “Tudo sobre Minha Mãe” será representado por uma de suas atrizes-musas, a veterana Marisa Paredes que, assim como ele, já passou temporadas na casa baiana do cantor Caetano Veloso, que se tornou amigo da dupla desde as primeiras visitas do realizador ao Brasil, nos anos 90.

“A Pele que Habito” é apenas um aperitivo luxuoso de uma maratona alimentada por cerca de 350 títulos, oriundos de mais de 60 países, e que fica em cartaz até o dia 18. Divididos por mais de 20 mostras, a programação será distribuída por um circuito com 26 pontos de exibição, entre cinemas, multiplexes, praças públicas e telas ambulantes – este ano o festival chega, pela primeira vez, ao Cine Carioca, o cinema instalado dentro da UPP do Complexo do Alemão.

Ratificando seu compromisso de ser uma espécie de vitrine da produção mundial, o Festival do Rio volta a oferecer produções garimpadas em contendas internacionais, como Sundance, Cannes, Berlim e Veneza, e homenagear cinematografias e realizadores de relevância. Este ano, por exemplo, há uma retrospectiva inteira dedicada ao diretor italiano Dario Argento, o rei do terror B de sabor europeu, e outras sobre as obras do húngaro Béla Tarr (ganhador do Grande Prêmio do Júri do Festival de Berlim deste ano com “O Cavalo de Turin”) e do chileno Patrício Guzman.

O filme de Almodóvar integra a mostra Panorama Mundial, a principal seção da maratona, que tradicionalmente combina títulos de autores consagrados com outros de vocação mais comercial, com distribuição já garantida no Brasil. Entre os primeiros estão “Inquietos”, de Gus Van Sant, “Dark Horse”, de Todd Solondz, e “4:44 Last Day On Earth”, dirigido por Abel Ferrara e protagonizado por Willem Dafoe – os dois são algumas da presenças confirmadas no evento.

Entre os últimos estão o thriller “Contágio”, de Steven Soderbergh, sobre  uma epidemia que se alastra pelo planeta, que chega ao circuito dia 28, e “Gigante de Aço”, ficção científica dirigida por Shawn Levy, estrelada por Hugh Jackman e Evangeline Lilly. O Festival do Rio também servirá de pré-estreia para o filme de Almodóvar, que chega ao cinemas brasileiros dia 14.

Adaptação do livro “Tarântula”, do francês Thierry Jonquet, recém-lançado no Brasil pela editora Record, “A Pele Que Habito” é uma experiência do realizador espanhol com o gênero terror. A versão de Almodóvar é moldada por referências como Prometeu, o titã da mitologia grega, Dr. Frankenstein, anti-herói da literatura de Mary Shelley, os filmes de terror de Fritz Lang e a reputação do cirurgião plástico brasileiro Ivo Pitanguy – outra referência nacional. “O Brasil tem uma grande tradição com a técnica da cirurgia estética, e o Pitanguy é uma referência na área”, justificou o diretor.

A trama descreve terrível plano de vingança de Robert (Banderas), um eminente e recluso cirurgião plástico espanhol, contra o suposto estuprador de sua filha. Marilia (Marisa Paredes), sua mãe, foi reduzida a uma espécie de governanta da mansão. Zeca (Roberto Álamo), o meio-irmão, é o brasileiro que abraçou o crime, uma presença indesejada, capaz de detonar ressentimentos do passado. “Os dois irmãos fazem parte de uma família feroz, selvagem e moralmente independente”, descreveu Almodóvar.

Embora continue falando sobre amor e laços de família, como em seus filmes anteriores, Almodóvar parece ter perdido a emoção e o sentimento com a mudança de registro (do melodrama para o terror). O diretor destrincha a derrocada do protagonista com frieza cirúrgica, como que buscando deliberadamente a antipatia do espectador por seus personagens. Decididamente, o filme não encontrará acolhida calorosa daqueles que o admiram por suas histórias luminosas e de emoções derramadas.

Robert é um pesquisador incansável, dedicado ao desenvolvimento de uma pele artificial, mais resistente, útil na recuperação de vítimas de queimaduras. Filho adotivo, sua vida é marcada por tragédias: a mulher foi queimada vida em um acidente de carro; a filha, traumatizada na infância, comete suicídio ainda muito jovem. Estas o transformaram um homem frio, determinado a criar órgãos transgênicos e a concluir sua vingança.

“Vejo ressonâncias com a mitologia grega em “A Pele que Habito”. O personagem de Antonio é uma espécie de Prometeu moderno, um criador de vida, assim como o Dr. Frankestein. A eletricidade que criou a criatura de Frankenstein seria a manipulação genética”, comparou Almodóvar, em seu primeiro trabalho com Banderas desde “Ata-me” (1990). “Pedro marcou o início da minha carreira no cinema. Voltar a trabalhar com ele foi como voltar para casa, para minhas raízes”, comentou o ator em Cannes.