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"'A Pele Que Habito' é o sintoma mais radical do amadurecimento de Almodóvar", diz atriz Marisa Paredes em abertura do Festival do Rio

CARLOS HELÍ DE ALMEIDA

Colaboração para o UOL

07/10/2011 08h58

Aos 65 anos de idade, Marisa Paredes ainda não desenvolveu um método especial para enfrentar dias de trabalho intensos, como aconteceu nesta quinta-feira (6), quando ficou de 11h às 17h30 atendendo a imprensa, antes de rumar, no início da noite, para a cerimônia de abertura do Festival do Rio. "Não tenho qualquer rotina que me ajude a enfrentar o cansaço. Se você conhecer alguma, me conte, porque gostaria muito de saber", brinca a atriz espanhola, uma das principais convidadas estrangeiras da maratona carioca, em entrevista ao UOL. "O que me conforta é o fato de que estou trabalhando por um filme que me encanta e que, portanto, tenho prazer de falar sobre ele. Especialmente quando o interlocutor é a imprensa, o primeiro público a avaliar o potencial de nosso trabalho".

O filme em questão é "A Pele que Habito", de Pedro Almodóvar, de quem Marisa é antiga colaboradora e uma espécie de musa inspiradora. Com ele, fez "Maus Hábitos" (1984), "De Salto Alto" (1991), "A Flor do Meu Segredo" (1995), "Tudo Sobre Minha Mãe" (1999) e "Fale com Ela" (2002). São quase 30 anos de relacionamento profissional, ao longo dos quais a atriz testemunhou a evolução do diretor no domínio dos elementos do melodrama cômico. O novo filme, escolhido para abrir o festival, oferece uma mudança de registro e assinala uma nova etapa no desenvolvimento de Almodóvar como realizador: é uma história de terror, a primeira do gênero na carreira do autor de "Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos", desprovido do habitual colorido e senso de humor de sua obra.

"Pedro é um homem muito inteligente, que está ficando cada vez mais maduro. Podemos perceber que, ao longo do tempo, seus filmes foram ficando cada vez mais e mais densos e profundos, já não são mais aqueles dramas divertidos dos primeiros das primeiras décadas, que vinham carregados de uma crítica [social] ligeira sobre o que estava acontecendo no mundo. Aqueles que trabalham com Pedro com uma certa regularidade ou mesmo acompanham o trabalho dele já perceberam essa mudança gradual. Acho que 'A Pele Que Habito' é o sintoma mais radical deste amadurecimento", observou a generosa atriz, que já contribuiu com diretores tão distintos quanto Roberto Benigni ("A Vida é Bela"), Guillermo Del Toro ("A Espinha do Diabo") e Manoel de Oliveira ("Espelho Mágico").

Marisa recebeu a mudança de Almodóvar com entusiasmo. "Acho que, até então, Pedro me via como uma diva, e me dava personagens com essas características, mulheres voluntariosas e com grandes sonhos. Marília, a minha personagem em 'A Pele que Habito', é uma mulher mais real, envelhecida, alquebrada, dona de um passado turbulento. Ela é diferente de todos os outros personagens que fiz para ele, o que me deu muita alegria, porque pude buscar outras cores e outras possibilidades dentro do universo do Pedro", analisou a atriz. "Diferentemente das outras personagens que vivi para ele, Marília é uma mulher misteriosa, do qual pouco se sabe sobre o seu passado e nada sobre o seu futuro".

"A Pele que Habito" descreve a terrível vingança de Robert (Antonio Banderas), renomado e recluso cirurgião plástico espanhol, contra o suposto jovem que estuprou sua filha. Ele vive isolado em sua sofisticada mansão/laboratório nos arredores de Madri, onde mantém prisioneira uma cobaia de suas experiências com uma pele artificial, útil na recuperação de vítimas com queimaduras, como as que vitimou sua mulher no passado. Neste cenário frio e desolador, Marilia (Marisa), sua mãe, funciona como administradora e defensora dos interesses do filho. "Desde o início, Pedro me avisou que ela não é uma governanta, como aquelas dos filmes de terror e suspense, como a de 'Rebecca, A Mulher Inesquecível' (1940), de Hitchcock. Ela não se veste como uma empregada, ele me avisou. As camisas que de Marilia são desenhadas por (Jean Paul) Gaultier!. No final das contas, Marilia é a consciência da história que ele conta".

Para a atriz, a pele no filme de Almodóvar é uma metáfora sobre a identidade. "Todos nós temos muitas peles e vamos nos despindo dessas camadas ao longo do tempo", especula Marisa, que diz que nunca foi muito fã de procedimentos cirúrgicos estéticos. "Recorri a uma pequena cirurgia plástica anos atrás e me arrependi profundamente. Foi como eu tivesse perdido alguma coisa minha, sabe?", lembra a atriz. "O bom é que não há muito preconceito contra o envelhecimento natural na Europa. Essa obsessão pela beleza, pela juventude eterna, é um modismo americano".