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'Gosto de minhas roupas em gente de verdade', diz Jean Paul Gaultier no Festival do Rio

CARLOS HELÍ DE ALMEIDA

Colaboração para UOL do Rio

08/10/2011 20h30

Jean Paul Gaultier conheceu pela primeira vez o gostinho da popularidade aos 9 anos de idade. "Como eu não jogava bola e não gostava de ginástica, o que fazia de mim uma criança rejeitada pelos colegas, comecei a desenhar croquis inspirados nas bailarinas do Folie Berger e a mostrá-los para os meus colegas de turma. Para me humilhar, minha professora prendeu um desses desenhos nas minhas costas e me obrigou a desfilar pela sala de aula. Mas o resultado foi o oposto do que ela esperava: as meninas e os meninos ficaram admirados com os croquis e me pediram para desenhar retratos deles. Além de sair do ostracismo, aquilo me serviu como estímulo para continuar desenhando", contou na tarde deste sábado (8) o estilista francês, um dos convidados estrangeiros do 13º Festival do Rio, em entrevista ao UOL.

 O episódio é vagamente lembrado em "Jean-Paul Gaultier - Quebrando as Regras", documentário dirigido pela ex-modelo argelina Farida Khelfa, uma das descobertas do estilista, que faz sua estreia na grade do festival neste domingo (9), às 14h45, no Estação Sesc Botafogo. Encomendado pela rede de TV francesa France 5, o filme de 52 minutos abre com Gaultier preparando a última coleção para a Hermès,  maison para a qual trabalhou por sete anos, para então relembrar sua trajetória pessoal e profissional, do garoto imaginativo e solitário da pequena Arcueil, às passarelas de Paris e do mundo. "Os produtores procuravam por alguém próximo a Jean-Paul para dirigir o documentário, que faz parte de uma série, e me ofereceram o projeto. Quando eu perguntei ao Jean-Paul se ele topava e ele respondeu que sim, eu meio que entrei em pânico!", lembrou Farida, que tinha 16 anos de idade quando desfilou pela primeira vez para o estilista.

Com a ajuda de imagens e fotos de arquivo, Gaultier repassa a infância como filho único, o estímulo recebido pela mãe e a excêntrica avó, e o início na vida profissional no ateliê de Pierre Cardin, como desenhista, aos 18 anos de idade. Encorajado pelo companheiro Francis Menuge, morto em 1990 em consequência da Aids, Gaultier aventurou-se na carreira solo em 1977. Apanhou muito do mercado e endividou-se seriamente antes de sua visão irreverente de moda conquistar a atenção das revistas especializadas e o reconhecimento de seus pares, a partir do início dos anos 80. O olhar especial para os modelos de beleza não-convencional e criações ousadas - como as saias masculinas ou o corset popularizado pela cantora pop Madonna na turnê  "Blond Ambition", no início dos anos 90, ajudaram a reforçar a pecha de enfant terrible da moda francesa.

Sua definição de beleza não mudou muito nesses últimos 35 anos. "Sempre quis ver minhas roupas sendo usadas por gente de verdade, que podemos encontrar nas ruas. Não há um só tipo de beleza, esse que é ditado pela mídia. Mais do que a beleza clássica, das formas harmoniosas e limpas, o que me encanta é a personalidade, o que torna alguém distinto da outra. Foi o que vi em Farida, décadas atrás, por exemplo. Ela tem uma beleza exótica", explicou o estilista, o primeiro a colocar roqueiros e modelos com tatuagens e piercings nas passarelas. "É claro que também gosto de modelos de beleza clássica, como a (brasileira) Gisele (Bündchen), que já desfilou para mim e fotografou para anúncios de minhas criações. Mas, além de ser uma mulher linda, Gisele também tem uma personalidade forte, uma presença marcante, que a torna especial".

Influência antiga, que remonta à primeira vez que assistiu ao filme "Nas Rendas da Sedução" (1945), sobre um costureiro francês, de Jean Becker, na TV da avó, o cinema é uma paixão paralela. Suas primeiras coleções foram inspiradas nos figurinos de filmes como "Bonnie e Clyde - Uma Rajada de Balas" (1967), de Arthur Penn. Logo faria o caminho inverso: criou guarda-roupas para títulos como "O Cozinheiro, o Ladrão, Sua Mulher e o Amante" (1989), de Peter Greenaway, "Ladrão de Sonhoas" (1995), de Marc Caro e Jean-Pierre Jeneut, "O Quinto Elemento" (1996), de Luc Besson, e "Má Educação" (2004), de Pedro Almodóvar. Sua mais recente contribuição para o cinema também está em cartaz no Festival do Rio: os figurinos do personagem de Marisa Paredes em "A Pele Que Habito", também de Almodóvar. "Meus figurinos sempre tiveram um pouco de cinema, porque gosto de usar música, de dirigir o movimento dos modelos, tem dramatização. Mas como figurinista, só trabalho para diretores que admiro muito", avisou o estilista de 59 anos.