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Filho de diretores, francês Mathieu Demy estreia na direção em filme com Salma Hayek e Geraldine Chaplin

CARLOS HELÍ DE ALMEIDA

Colaboração para o UOL, do Rio

11/10/2011 19h56

Não se é filho de Jacques Demy ("Os Guarda-Chuvas do Amor") e Agnès Varda ("As Duas Faces da Felicidade") impunemente. "O Americano", estreia do ator Mathieu Demy, filho dos renomados realizadores franceses, na direção de longas-metragens, é uma combinação quase ao nível genético dos códigos cinematográficos desenvolvidos por seus pais.


O filme, uma das atrações do 13º Festival do Rio, fala sobre Martin (o próprio Demy), um homem que mantém um relacionamento distante com o pai (Carlos Bardem) e quase mecânico com a namorada (Chiara Mastroianni) que se vê atirado numa viagem de autoconhecimento quando recebe a missão de liberar o corpo da mãe, nos Estados Unidos, que não vê desde o início dos anos 1980.

A trama, que se estende a Los Angeles e a Tijuana, no México, flagra um personagem atormentado pela ideia da rejeição materna, desejo de reconciliar com a memória da mãe e de seu passado junto a ela. Os sonhos e as lembranças de sua infância foram extraídos de "Documenteur" (1981), de Agnès Varda, drama sobre uma francesa separada do marido que procura um lar para si e o filho pequeno em Los Angeles. O garoto é interpretado pelo próprio Demy.

"Queria fazer um filme que dialogasse com os filmes dos meus pais", confessou Mathieu Demy, de 39 anos, na tarde desta terça-feira (11), em entrevista ao UOL. "'O Americano' é a junção de dois elementos simples: um homem que sofre, estado que é sempre imprevisível, e um road movie. Estabelecido as bases, criei um personagem que vive a sua vida através do cinema, vivendo situações que lembram diferentes filmes de gênero".

Assim como Martin, Demy é filho de pais divorciados: Jacques e Agnès se separaram no início dos anos 80, e ele foi morar com a mãe. O pai morreu em 1990, aos 59 anos de idade. O diretor, no entanto, diz que "O Americano" não tem nada de autobiográfico. "Tive uma relação pacífica com o meu pai, assim como tenho com a minhã mãe", explicou Demy, que esteve no Rio pela primeira vez em 2009, acompanhando Agnês, que veio exibir o documentário "As Praias de Agnés" no Festival do Rio daquele ano. "E também sou um cara mais divertido do que o Martin, pode acreditar!", sorri.

Foi Agnès que introduziu Demy no mundo da interpretação: estreou aos quatro anos de idade, vivendo um versão mirim de Zorro em "L'Une Chante, L'Autre Pas" (1977). "Antonio Banderas roubou o meu maior personagem", brinca Demy. "A maioria dos filhos de diretores acabam seguindo a profissão dos pais. Acho que, com mamãe, percebi que, para mim, atuar era mais natural. Mas a verdade é que também sempre tive vontade de dirigir; já viz algumas coisas nessa área, no passado. Não sou um ator do tipo Stella Adler, que só pensa no método. Meu trabalho de direção, portanto, passa pela visão do ator".

O pai também teve participação decisiva na formação do filho. "Minha mãe me inspirou o gosto pela atuação, mas meu pai me mostrava filmes. Ele me levou a ver todo tipo de gênero que admirava, musicais, westerns, road movies", enumera.

Embora rodado em três países diferentes e com um elenco que conta com contribuições luxuosas de Salma Hayek e Geraldine Chaplin (filha de Charlie Chaplin), "O Americano" é um milagre do baixo orçamento. "Todos os atores e técnicos receberam o mínimo do mínimo exigido pelo sindicato para trabalhar. Às vezes eu fico pensando como consegui convencer pessoas como Geraldine e Salma, que nunca me viram antes na vida, a trabalhar comigo em um projeto que não tinha dinheiro. Acho que todos acreditaram na história e no poder do roteiro", analisa, modesto, sem creditar a reputação que herdou com o sobrenome.