"Meu 'Drácula' foi inspirado no original, mas tem um toque de Dario Argento", diz diretor sobre versão 3D do clássico
Filho de brasileira, o diretor italiano Dario Argento tinha 13 anos de idade quando visitou o Rio de Janeiro pela primeira vez, nos anos 50. De volta à cidade para apresentar uma retrospectiva de seus trabalhos no 13º Festival do Rio, o rei do cinema de terror B europeu reencontrou um Rio "mais ordeiro".
"O Rio era muito mais confuso há quase 50 anos. Ou, pelo menos, é essa a memória que ficou na minha cabeça", ri o realizador de 71 anos, autor do thriller sobrenatural "Suspiria" (1977), primeiro capítulo de uma trilogia sobre mães feiticeiras de diferentes partes do mundo.
O diretor, que colaborou com George A. Romero em "O Despertar dos Mortos" (1978), um clássico das histórias de zumbi, fica na cidade até o dia 17, acompanhando o programa de 26 títulos em sua homenagem, que inclui "As Plumas de Cristal", seu primeiro filme, "Terror na Ópera" (1987), e "Dois Olhos Satânicos" (1990).
Na entrevista a seguir, concedida ao UOL no final da tarde de 13 de outubro, em um hotel de Copacabana, o realizador relembra um pouco de sua trajetória e fala sobre "Drácula", seu novo projeto, que está sendo finalizado em 3D.
UOL- Retrospectivas podem lembrar fim de carreira. O que o senhor acha de receber uma homenagem como esta do Festival do Rio?
Dario Argento - Os franceses foram os primeiros a descobrirem o meu trabalho. Depois, os americanos. Já ganhei várias retrospectivas. As vejo como uma grande honra, um estímulo para continuar fazendo mais e melhores filmes.
UOL- O senhor acha que a internet pode ajudar a apresentar seus filmes às gerações mais novas?
Dario Argento - Sim, muitos dos meus filmes podem ser baixados na internet. Na verdade, minha relação com os jovens é um fenômeno muito bizarro. Lembro que quando mostrei meu primeiro filme, "O Pássaro das Plumas de Cristal" (1970), os espectadores, em geral, eram jovens. Dez filmes depois, a coisa não mudava, as gerações se passavam e os espectadores continuam sendo muito jovem. Ontem (12/10) mesmo eu fui apresentar "Trauma" numa sessão especial aqui no Rio e o cinema estava repleto de garotos e garotos. É inacreditável... Acho que os jovens entendem melhor meus filmes, porque eles são mais puros, genuínos. Os americanos, por exemplo, só fazem filmes de terror por causa do dinheiro, cheio de efeitos especiais, como um videogame.
UOL- Na sua opinião, o que faz seus filmes serem tão particulares?
Dario Argento - Meus filmes têm uma linguagem própria, comum, que pode ser compreendida por todos, franceses, sul-coreanos, brasileiros. Eles falam de forma sincera, vem de algo mais profundo, como uma sessão de psicanálise. É difícil para mim descrever o tipo de linguagem que desenvolvi ao longo do tempo. Mas o que ficou claro para mim é que a minha plateia é formada, basicamente, por um público de faixa etária mais baixa. Os jovens estão mais preparados para ver histórias fortes porque é excitante. Quando eles crescem, viram adultos, perdem o interesse, talvez porque deixe de ser uma novidade.
UOL- O cinema é um mercado muito competitivo. O que o motiva a continuar filmando?
Dario Argento - O desejo de continuar contanto histórias. É uma compulsão. Sempre tive muitas ideias novas na cabeça. Desisto de algumas delas com o tempo, mas outras novas sempre acabam aparecendo. Sou um cara solitário, passo muito tempo sozinho, e gosto assim, e quando se vive assim você tem tempo para pensar, refletir e criar. Algumas ideias, algumas cenas, podem vir em sonhos e até pesadelos. Muitos diretores são inspirados por sonhos.
UOL- O senhor costuma rever seus filmes? Qual é o seu favorito?
Dario Argento - Não tenho o hábito de revê-los. Quando termino um filme, ele é passado. Eu me projeto para o futuro. Às vezes, quando sou homenageado com uma retrospectiva, como esta aqui, me vejo obrigado a ver um ou outro de novo, mas apenas por cortesia.
UOL- De qual filme sente mais orgulho?
Dario Argento - Muitos, mas eles são como filhos para mim, é muito difícil escolher apenas um. Talvez "Suspiria" (1977), "Terror na Ópera" (1987), talvez "Síndrome Mortal" (1996) também. Acho que porque estes traduzem melhor minhas ideias sobre o que é um filme de terror.
UOL- Seu mais recente filme, "Drácula" está sendo feito em 3D. O senhor acha que é um modismo, como aconteceu com as duas primeiras fases da técnica, nos anos 50 e nos anos 80?
Dario Argento - O 3D é uma tecnologia importante. Ele dá profundidade ao filme. Quando um diretor de cinema descobre a possibilidade de poder contar uma história que dê a sensação de tridimensionalidade, ele pira, ele quer fazer um também. Não é à toa que grandes diretores, como Martin Scorsese e Wim Wenders já se renderam à tecnologia. É maravilhoso!
UOL- Qual o seu interesse em Drácula, um personagem já tão explorado pelo cinema?
Dario Argento - Para mim, Drácula é um dos personagens mais intrigantes da história da literatura de terror. Há algo de muito dramático e romântico também. Minha versão foi inspirada no personagem original criado por Bram Stoker. Mas tem um toque de Dario Argento, claro. (risos)
UOL- Que mídia o introduziu primeiro ao universo do terror, a literatura ou o cinema?
Dario Argento - A literatura. Só comecei a ver filmes do gênero quando já era mais crescido, já na adolescência. Meus pais não me levaram para ver filmes de terror quando eu era criança. Mas, quando ainda era pequeno, devora livros de terror. Lia muito Allan Poe, por exemplo. Mas sem meus pais saberem, se não eles me matariam! Adorava, descobri um mundo inteiramente novo, que me fascinava. Isso aos 10, 11 anos de idade. Depois, adolescente, passei a assistir os filmes produzidos pela [produtora britânica] Hammer, e os clássicos de terror americano produzidos nos anos 40 e 50, como "O Lobisomem", "O Fantasma da Ópera", e coisas do tipo.
UOL- O senhor fica orgulhoso quando vê um diretor como Quentin Tarantino, por exemplo, copiando cenas de seus filmes?
Dario Argento - Não diria que fico orgulho com essas coisas. Nem me sinto ofendido também. É normal fazer referência a alguém cujo trabalho você admira. Mas trabalhar com ideias originais é sinal de criatividade, não?
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