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"Não é preciso gostar de Kubrick para reconhecer que ele influenciou todos os outros diretores", diz produtor de "Laranja Mecânica"

O produtor de "Laranja Mecânica", Jan Harlan, durante o 64º Festival de Cinema de Cannes, na França (20/05/2011) - Getty Images
O produtor de "Laranja Mecânica", Jan Harlan, durante o 64º Festival de Cinema de Cannes, na França (20/05/2011) Imagem: Getty Images

NEUSA BARBOSA

Do Cineweb

24/10/2011 12h58

Cunhado e produtor executivo de diversos filmes de Stanley Kubrick (1928-1999), Jan Harlan conviveu com o celebrado diretor de "Laranja Mecânica" por 30 anos. Visitando São Paulo como convidado para palestrar na 35ª Mostra, Harlan revela-se um atento conhecedor não só da personalidade, como um dedicado divulgador do trabalho de Kubrick, morto há 12 anos.
 
Nesta terça-feira (25), Harlan terá um encontro com o público na FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), após a exibição do documentário "Era uma vez... Laranja Mecânica", de Antoine Gaudemar, que revela bastidores da criação e a influência de "Laranja Mecânica", um dos mais impactantes filmes de Kubrick e o primeiro a ter produção executiva de Harlan --que depois exerceria a mesma função em "Barry Lyndon" (75), "O Iluminado" (80), "Nascido para Matar" (87) e "De Olhos Bem Fechados", seu último filme. A cópia restaurada de "Laranja Mecânica" também está sendo exibida na programação da Mostra. 
 
Nesta entrevista, Harlan recorda sua longa relação com Kubrick, comenta sua fama de pessoa difícil e revela seu esforço para trazer também ao Brasil a exposição sobre os arquivos do cineasta norte-americano que está rodando o mundo. 
 
UOL Cinema - "Laranja Mecânica" foi sua primeira colaboração com Kubrick?
Jan Harlan - Quase. Na verdade, minha primeira parceria real com ele foi a pesquisa sobre "Napoleão" (um filme nunca feito). Antes disso, em "2001 – Uma Odisséia no Espaço", só falávamos sobre música. Era a única área em que eu podia me nivelar com ele (risos). Mas eu o conhecia há muito, muito tempo. Então ele me convidou a juntar-me a ele no projeto de "Napoleão", em que permaneci por um ano. O filme nunca aconteceu, infelizmente. 
 
UOL Cinema – O que o senhor fazia antes de tornar-se produtor dele?
Harlan - Minha profissão, originalmente, era planejamento de negócios. Foi o que fiz por 30 anos. Como seu produtor, eu fechava acordos, negociações, porque ele não gostava de fazer essas coisas. 
 
UOL Cinema – Passados 40 anos do lançamento de "Laranja Mecânica", o senhor acredita que ele continua atual em sua análise do fenômeno da violência? 
Harlan - Infelizmente, nada mudou em tantos aspectos. 
 
UOL Cinema – Kubrick foi visionário nesta obra.
Harlan - Sim. E claro que ele pretendia mostrar a violência como algo realmente repugnante. Ele sentia muito fortemente que, se você mostra um estupro na tela, isto deve ser perturbador. O fato de que ele colocou música na cena e a filmou quase como um balé foi uma liberdade artística que ele se permitiu. É quase para sublinhar a perversidade do que mostra.
 
UOL Cinema – Aqui no Brasil, quando lançaram o filme, durante a ditadura militar, tentaram cobrir a nudez dos atores com bolinhas pretas. Então, as pessoas riam não do estupro, mas dessas bolinhas...
Harlan - É tão ridículo, não é? Causava o efeito contrário ao pretendido. Felizmente, agora essa cópia restaurada recupera toda a beleza do filme.
 

Trailer de "Laranja Mecânica"

UOL Cinema - Qual acredita ser o legado do Kubrick? Acha que continua influenciando muitos diretores?
Harlan - É automático. Todos os grandes artistas influenciam as próximas gerações. Ele também foi influenciado por seus predecessores, é claro. Toda geração produz alguns grandes artistas, alguns Picassos e Shostakovichs. Esta geração também está produzindo os seus. Ele pertencia a este grupo, de 50, 60 pessoas ao redor do mundo que eram os grandes artistas da segunda metade do século 20. Não há dúvida disso. E não importa se se gosta deles ou não. 
 
UOL Cinema - Como assim?
Harlan - Você não tem que gostar de Picasso, mas não há modo de negar que ele influenciou tudo. Os impressionistas franceses eram todos pobres, não tinham sucesso algum. Van Gogh nunca vendeu um quadro em sua vida. E agora sabemos que eles mudaram tudo. Você pode odiar Wagner, mas ele mudou toda a música que veio depois dele. Então, você não tem que gostar de Kubrick, mas ele traçou uma marca e claro que influenciou todos os outros. O gênero da ficção científica, por exemplo, mudou para sempre depois de "2001 – Uma Odisséia no Espaço". 
 
UOL Cinema - É tão incrível rever "2001..." décadas depois, a emoção continua lá.
Harlan - Na verdade, aquele foi o grupo etário que tornou o filme um sucesso. As pessoas de 40 anos não gostaram de "2001..." a princípio. Foi um grande problema e Kubrick ficou muito preocupado. Na primeira exibição, 240 pessoas saíram da sala. Foi horrível. Depois o filme foi lançado e se tornou um clássico absoluto. Foi quando as platéias jovens o descobriram. Eu menciono isto no documentário que fiz sobre ele ("Stanley Kubrick – Imagens de uma Vida").
 
UOL Cinema - Como foi a convivência com ele ? Era realmente uma pessoa difícil?
Harlan - Passei um período maravilhoso de minha vida com ele. Era um homem muito exigente, sem dúvida. Em primeiro lugar, consigo mesmo. Se alguém é tão exigente consigo mesmo, não é tão difícil acompanhar, porque se vê logo o resultado. E é muito gratificante satisfazer alguém com um nível tão alto de exigência. Convivi com ele por 30 anos. E não tinha nenhuma responsabilidade por aquilo que se vê na tela. Ele fazia os filmes, eu tinha que conseguir o que era necessário. Eu negociava, organizava, conseguia autorizações para filmar em determinados locais. Era esse o meu trabalho e eu gostava muito. Do mesmo modo, fiquei bem feliz de fazer um documentário sobre a vida dele. 
 
UOL Cinema - Certamente material não lhe faltou. 
Harlan - Sim, ele não jogava nada fora. Material profissional, é claro. A dificuldade era escolher. 
 
UOL Cinema – O senhor também participou da organização desta grande exposição sobre os arquivos de Kubrick que está rodando o mundo. Alguma chance de que ela chegue a São Paulo?
Harlan – No momento, a exposição vai a Amsterdã, Los Angeles e depois Praga. Gostaria muito que viesse ao Brasil também. Não é muito difícil. Basta ter um local com uma boa infraestrutura. Vou tentar algumas conversas sobre isso. 
 

ENCONTRO COM JAN HARLAN EM SÃO PAULO

Terça (25)
FAAP (Rua Alagoas,  903, Higienópolis) 
19h – Projeção do filme "Era uma vez ... Laranja Mecânica" (52').
20h – Conversa com Jan Harlan após a exibição.
Retirar ingresso na FAAP no próprio dia, com uma hora de antecedência.

LARANJA MECÂNICA (A CLOCKWORK ORANGE), de Stanley Kubrick (137').
REINO UNIDO, EUA. Falado em inglês. Legendas eletrônicas em português.
Indicado para: maiores 18 anos.

CINESESC                                              24/10/2011 - 17:30 - Sessão: 257 (Segunda)
UNIBANCO ARTEPLEX 2                     02/11/2011 - 20:40 - Sessão: 1024 (Quarta)