Documentário investiga a música, as drogas e as mulheres da vida de Raul Seixas
Filme escolhido para o encerramento do Festival do Rio, neste mês, o documentário "Raul - O Início, o Fim e o Meio" teve duas concorridas sessões abertas ao público na noite desta quinta-feira (27) na 35ª Mostra de Cinema em São Paulo. Quem perdeu poderá tentar outra vez, mas só em 27 de janeiro do ano que vem, data em que o longa estreia em circuito, segundo revelou o diretor Walter Carvalho, presente às sessões em SP.
Diretor de fotografia já consagrado e autor de documentários premiados como "Janela da Alma" e da cinebiografia "Cazuza - A Vida Não Para", Carvalho revira a fundo o baú de Raul Seixas e das pessoas com quem ele conviveu para compôr possivelmente o mais completo dos retratos que se tem do "maluco beleza" até hoje, 22 anos após sua morte.
A jornada começa em Salvador, na década de 50, com indícios da paixão do cantor e compositor baiano por Elvis Presley, Chuck Berry e cia. Carvalho encontra com amigos de infância de Raul, que guardam preciosidades como a carteirinha de sócio "número 9" do Clube do Rock soteropolitano, fotos dele imitando James Dean, além das primeiros registros de Raulzito e Os Panteras, conjunto que lhe deu o primeiro gostinho do sucesso em tempos de Jovem Guarda, misturando rock'n'roll e baião.
Decidido a se tornar um ídolo nacional, Raul aceita um trabalho como produtor na gravadora CBS e consegue o passe para mudar-se para o Rio de Janeiro, onde conhecerá Paulo Coelho, de quem se tornaria amigo insperável e parceiro de composição pelo menos até 1974 - daí em diante, após uma série de brigas, eles só se reencontrariam em 1989, em uma surpresa no palco do Canecão preparada por Marcelo Nova, meses antes de Raul morrer.
Coelho, desde sua casa na Suíça, oferece alguns dos depoimentos mais valiosos do documentário. É o hoje bem-sucedido escritor que, sem qualquer falso moralismo, admite ter sido ele o "culpado" por apresentar as drogas a Raul Seixas. "Fui eu que o apresentei às drogas. Todas elas, da maconha ao ácido, passando por outras que nem existem mais", diverte-se o velho amigo, com quem Raul criou faixas como "Al Capone", "Gita" e "Sociedade Alternativa", hino inspirado no mergulho da dupla no ocultismo de Alesteir Crowley. "Eu tinha 24 anos, o Raul, 27. Ele era casado, tinha duas filhas e sabia o que estava fazendo. Era o meu modo de vida na época: sexo, drogas e rock'n'roll", justifica Coelho.
Em um "raro momento de modéstia", como brinca o jornalista Nelson Motta em depoimento no filme, Coelho também admite que foi Raul quem o ensinou a escrever música e reconhece que gostaria de ter composto pelo menos dois clássicos que não assinou com o amigo: "Metamorfose Ambulante" e "Maluco Beleza".
Capítulo à parte são as mulheres e filhas de Raul. Em um esforço hercúleo, que levou anos de negociações, Carvalho consegue reunir no filme praticamente todas as principais ex-companheiras do músico. A exceção é Edith, primeira esposa do cantor, de quem se separou no auge do sucesso, em meados dos anos 70. Em vez dela, o documentário traz um testemunho breve, porém raro, de Simone, única filha de Raul com Edith, que vive nos Estados Unidos trabalhando como bióloga e evita falar sobre o pai, que diz ter preferido apagar de sua vida.
TRAILER DE "RAUL - O INÍCIO, O FIM E O MEIO"
Todas as outras toparam falar. Gloria Seixas, Tania Menna Barreto, Kika Seixas e Lena Coutinho lembram com carinho do ex-amante e não escondem o fato de que, eventualmente, ele podia acordar com uma e ir dormir com outra. "Eu achava que era comum que os brasileiros tivessem mais de uma mulher. Se não tivesse, era capaz de ser chamado de viado", comenta a americana Gloria, irmã do guitarrista Jay Vaquer, única a efetivamente se casar com Raul depois do relacionamento mal-sucedido com Edith.
Além de familiares e colegas, também estão presentes depoimentos de fãs - alguns anônimos, participantes das convenções anuais em homenagem a Raulzito, outros mais ilustres como o jornalista Pedro Bial, o maestro Julio Medaglia e o compositor Caetano Veloso, que aparece tocando um trecho de "Ouro de Tolo" e diz que as críticas sociais da canção de Raul eram "inteligentes demais" para os censores da ditadura entenderem.
Através de muitas imagens de arquivo, cartas e gravações de áudio, o documentário também mostra a degradação física de Raul provocada pelo alcoolismo e abuso de drogas, especialmente a cocaína. Pele e osso nos anos de sucesso, ele passa a inchar no início da década de 1980 quando é obrigado a retirar parte do pâncreas e, ainda assim, não consegue deixar a bebida.
Artisticamente esquecido, sem dinheiro e praticamente sem dentes na boca, Raul ainda tem seu último suspiro em uma turnê de 50 shows promovida por Marcelo Nova, roqueiro punk da nova geração que veria Raul como mentor. Acusado de "se aproveitar" do padrinho, por seu estado físico debilitado, Nova aproveita o documentário para rebater: "Não sou nem o anjinho, nem o explorador sem escrúpulos que falaram. Raul morreu de pé, fazendo o que queria, e parecia feliz."
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