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"O que se vai descobrir sobre o Cakoff é a incrível herança que ele carrega", diz Atom Egoyan sobre o filme coletivo "Mundo Invisível"

O crítico de cinema e criador da Mostra de São Paulo, Leon Cakoff, em cena do curta "Yerevan - O Visível", de Atom Egoyan, segmento do filme coletivo "Mundo Invisível", produzido pela Mostra - Divulgação
O crítico de cinema e criador da Mostra de São Paulo, Leon Cakoff, em cena do curta "Yerevan - O Visível", de Atom Egoyan, segmento do filme coletivo "Mundo Invisível", produzido pela Mostra Imagem: Divulgação

NEUSA BARBOSA

Do Cineweb

28/10/2011 15h18

Mesmo sem nunca ter vindo antes a São Paulo nem à Mostra de São Paulo – para a qual assinou a arte dos cartazes da edição de 2003 –, o cineasta canadense Atom Egoyan era um velho conhecido do diretor do evento, Leon Cakoff. Sua obra, desde “Speaking Parts” (1989), passou a ser conhecida no Brasil a partir do festival. Mas foram as raízes armênias, comuns a ambos, que tornaram Egoyan a escolha natural para dirigir um segmento do filme coletivo “Mundo Invisível”, produzido pela Mostra, que conta a história da família de Cakoff, cujo nome de batismo era Leon Chadarevian.

Conhecido no Brasil por filmes como “O Doce Amanhã” (1997) – que teve duas indicações ao Oscar, inclusive de direção – “Ararat” (2002) e o recente “O Preço da Traição” (2009), Egoyan, que é jurado da Mostra e liderou uma concorrida aula magna nesta semana na Faap, detalha em entrevista ao UOL Cinema uma parte desta desconhecida biografia do diretor da Mostra. E conta também suas impressões sobre São Paulo e seus futuros projetos no cinema e na ópera.

UOL - Há quanto tempo você conhecia Leon Cakoff ?
Atom Egoyan -
Há muitos, muitos anos. Nossos caminhos se cruzaram em festivais, em Cannes. Ele me convidou muitas vezes para vir aqui, mas nunca pude. Como estou sempre filmando em outubro, novembro, nunca podia. Neste ano, fiz uma promessa de vir. Sabia que ele estava doente, mas ele estava tão otimista de que melhoraria que a morte dele foi um choque para mim.

UOL - E seu trabalho com ele no filme “Mundo Invisível”. No filme, você conta a história da família dele ?
Egoyan -
Sim. É uma história muito tocante e acho que ele teve conflitos com ela. No momento em que conheci Leon, ele fez questão de afirmar que era armênio. Nós também compartilhávamos algo muito forte, por sermos muito assimilados nos nossos respectivos países, ele como brasileiro, eu como canadense [Cakoff nasceu na Síria, Egoyan, no Egito]. É algo que é muito próximo e muito distante, ao mesmo tempo. Trata-se da história do seu avô, o pai de sua mãe – que era uma sobrevivente do genocídio armênio de 1915. Leon tinha feito uma promessa a sua mãe que sempre voltaria à Armênia. Então, meu filme trata das duas viagens que ele fez ao país.

UOL - Quando foram essas viagens?
Egoyan -
A primeira foi nos anos 1980, quando ele fez fotografias extraordinárias durante protestos que ocorriam por lá naquela época. Foi o primeiro ocidental a trazer para fora estas imagens sobre o que estava realmente acontecendo, quando o país ainda fazia parte da União Soviética. A outra parte do filme é sobre um estranho personagem que ele fez questão de interpretar, quase um personagem absurdo, numa praça, de óculos escuros, com uma placa na mão, perguntando se sabiam onde estava o seu avô. É muito teatral e inusitado. E ele insistiu em interpretá-lo desta maneira.

UOL - Talvez este seja um lado de Leon que nunca vimos.
Egoyan -
Acho que sim, mas vocês vão descobrir outras coisas. Fizemos um outro curta-metragem no qual ele improvisou. Estou editando este material agora. Talvez o apresente no ano que vem.


UOL - Será mesmo um curta?
Egoyan -
Ainda não tenho certeza, mas Leon está muito bem nesse filme. Ele tinha um carisma realmente forte. Mas acho que o que se vai mesmo descobrir nesses filmes sobre ele é a incrível herança que ele carrega, sobre a qual ele talvez não falasse muito e as pessoas não conhecem. Mais do que tudo, no final, acho que o que fica é sua paixão pelas imagens em quaisquer de suas formas. E é muito doloroso assistir ao filme agora que ele morreu, não só pelo que ele está dizendo, mas pela forma como ele aparece, de óculos escuros. Parece que ele está em outro mundo. Acho que o filme será muito emocionante, mas também muito perturbador.
 
UOL - É sua primeira visita ao Brasil?
Egoyan -
Sim e estou impressionado. Acordo bem cedo de manhã e fico andando. Há tanta cultura aqui, teatros pequenos e experimentais, galerias de arte. Na nossa imaginação, sempre pensamos no Rio ao pensar no Brasil. Mas São Paulo me parece realmente o centro intelectual do país. Sinto que aqui há um gosto por cinema sério, literatura séria. E é tão inusitada para um estrangeiro, não é fácil de compreender. Mesmo estando aqui há alguns dias, tenho dificuldade de visualizá-la. É tão espalhada, com todos esses bairros diferentes. Mesmo o festival, eu sempre pensei que seria um festival bem menor. Não tinha ideia de como é enorme! E o trânsito desta cidade, como é amarrado...

UOL - Você está envolvido em algum novo projeto de cinema?
Egoyan -
Estou envolvido em dois filmes. “The Devil’s Knot”, que é o mais comercial e trata da história de um crime, baseado numa história real. Três adolescentes de 17 anos foram julgados por assassinato no Arkansas. Foram mortes brutais, de crianças. Mas eles eram totalmente inocentes. Só foram incriminados por gostarem de heavy metal e do Metallica. E tenho também um roteiro que escrevi, “Captive”. Não sei ainda qual dos dois filmarei primeiro, mas certamente o farei no verão do ano que vem. Porque meu tempo agora está empenhado com a ópera.

UOL - Quais óperas você está dirigindo?
Egoyan -
Estou fazendo “Salomé” e também “Cosí Fan Tutte”, no Canadá.

 


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