"Não é à toa que Marighella virou um mito", define sobrinha do guerrilheiro, que dirige documentário sobre ele
“O Carlos Marighella é uma figura complexa. Não é à toa que virou um mito. E todos, até aqueles que não concordavam com os pensamentos dele, o respeitam”. É assim que a diretora Isa Grispum Ferraz define o personagem de seu documentário, “Marighella”, que faz parte da programação da Mostra de São Paulo 2011. Sobrinha de Clara Charf, última companheira do guerrilheiro, para a diretora fazer esse filme era resolver uma ansiedade pessoal que a perseguia há anos.
“Em meados da década de 1980 eu consegui aprovação numa lei de captação, mas não consegui dinheiro para fazer o filme. O tema ainda era muito explosivo para aquela época, e ninguém quis investir”, disse em entrevista ao UOL Cinema. Em duas décadas e meia, Isa teve tempo para amadurecer o projeto e rever o roteiro. No entanto, a documentarista tinha urgência pois queria finalizar o filme até 5 de dezembro, quando se comemora o centenário de nascimento de Marighella, morto numa emboscada policial em São Paulo, em 1969.
“Desde o começo eu sabia que o filme tinha de ser em primeira pessoa. Eu precisava me apresentar logo no começo como sobrinha dele. Do contrário, seria falso. E acho que o documentário deixa claro que esse é o meu recorte do tema. Existem vários, e esse é o meu”. Para contar a história de seu tio, que era um enigma em sua vida, Isa fez entrevistas com sua tia, com o filho de Marighella, Carlos Augusto, o crítico e escritor Antônio Cândido, além de vários guerrilheiros.
Para a seleção de entrevistados, Isa contou com a colaboração do jornalista e pesquisador Mário Magalhães, que trabalha numa biografia de Marighella. “Eu queria colocar no filme pessoas que conheceram meu tio, que tivessem boas histórias para contar e que fossem articuladas. Fiz cerca de 60 entrevistas e tenho muito material bom. Foi difícil limitar o filme a apenas 90 minutos”.
Durante sua pesquisa para a produção, Isa deparou-se com um problema: não havia sequer uma imagem de Marighella em movimento. Encontrou apenas fotos – entre elas, uma famosa foto do guerrilheiro baleado na matinê de um cinema, em maio de 1964. Mas o que mais surpreendeu Isa foram os componentes da ideologia do tio que, na época ela era pequena demais para entender. “Era um homem muito à frente de seu tempo. Tinha pensamentos modernos em relação ao feminismo, divórcio e religião”.
A cineasta descobriu que ele recebeu apoio inclusive de intelectuais europeus, como o cineasta suíço Jean-Luc Godard e o filósofo francês Jean-Paul Sartre. “Eu encontrei um filme feito pelo Chris Marker sobre ele [“Falamos de Brasil: Carlos Marighella”, de 1970]. Esse cineasta é meu ídolo, e foi emocionante”.
A montagem do documentário “Marighella”, assinada por Vania Debs, é amarrada habilmente por um poema que ele escreveu quando era estudante em Salvador, como resposta a uma prova de física. A narração é feita pelo ator Lázaro Ramos, cuja disponibilidade Isa confessa ter esperado por um ano.
Antes do lançamento em cinema – previsto para o próximo ano –, Isa pretende realizar uma sessão em Salvador, cidade onde nasceu Marighela, no dia de seu aniversário (5 de dezembro) e diz que dedica o filme à tia, que viu o longa pela primeira vez no Festival do Rio, em setembro. “Quando acabou a sessão, ela ficou uns 5 minutos sem falar nada. O filme é um presente para ela, que é um anjo guerreiro”.
Os planos para o próximo ano são, além de levar o documentário para o circuito comercial, promover sua circulação: “Quero muito que seja visto por jovens, em escolas, e debatido. Acho que uma das funções do longa é trazer a figura de Marighella para as gerações que não o conheceram.”
Seg. (31), às 16h30, no Cine Sabesp (r. Fradique Coutinho, 361, Pinheiros, tel. 0/xx/11/5096-0585)
Qui. (3), às 15h30, no Frei Unibanco Arteplex 2 (shopping Frei Caneca - r. Frei Caneca, 569, 3º piso, tel. 0/xx/11/3472-2362)
A programação está sujeita a alterações.
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