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Com visão equivocada sobre o Brasil, Almodóvar constroi ''psicopata apaixonado'' em ''A Pele que Habito''

JAMES CIMINO

Editor-assistente de Entretenimento

02/11/2011 07h10

Ao adaptar o romance “Tarântula” de Thierry Jonquet para o cinema sob o título “A Pele Que Habito”, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar discute a questão da identidade humana. Afinal, a essência do que somos se define pela nossa imagem refletida no espelho ou pela nossa alma aprisionada em um corpo que não é o nosso?

Os transexuais concordariam com a segunda opção. Os heterossexuais com a primeira. E Vera (Elena Anaya), a mulher aprisionada pelo frio cirurgião plástico Robert Ledgard (Antonio Banderas), que a usa como cobaia para um novo tipo de pele que está desenvolvendo, o que pensa disso? O público poderá tirar suas próprias conclusões a partir dessa sexta-feira (4), quando o longa-metragem estreia no Brasil e nos Estados Unidos. E o leitor pode ficar tranquilo que esse prefácio não tira em nada a surpresa (e o terror) da revelação do verdadeiro conflito do filme.

A adaptação, na verdade, reverte a lógica construída pelo livro, em que Ledgard, o “Tarântula”, é um ser apaixonado e motivado pela vingança. Éve, que no filme ganha o nome de Vera, é no livro o fruto da apatia, um retrato da síndrome de Estocolmo, em que as emoções do refém sucumbem à vontade do algoz. Ele, por sua vez , vítima do cansaço, do tédio ou do amor pela criatura que desenvolveu, também não vê outro sentido em sua vida senão amar aquela que tanto quis fazer sofrer.

E embora Almodóvar diga que sua história é igualmente sobre vingança, “A Pele Que Habito” é um filme sobre a sobrevivência de Vera e a amargura de Ledgard, que perdeu sua mulher em um incêndio e que tenta desesperadamente reconstruir a existência humana e brincar de Deus, tal qual o dr. Frankenstein de Mary Shelley ou o dr. Phibbes de Vincent Price ou ainda o dr. Génessier de “Les Yeux Sans Visage”, filme de terror francês dirigido por Georges Franju em 1960 que serviu de referência ao espanhol. A interpretação de Banderas e de todo o elenco são precisas e bastante convincentes dessa emoções.

No entanto, em notas da produção, distribuídas especificamente a jornalistas que tenham visto o filme, Almodóvar diz ter pensado em seu protagonista como um psicopata, que não percebe a dor de sua vítima e, assim como o Tarântula do livro, mantém pacientemente sua vítima aprisionada para que, posteriormente, possa se alimentar dela. Inclusive, o diretor diz ter escolhido o Brasil como terra natal de seu protagonista e de sua família "amoral", não apenas por ser um país pioneiro na cirurgia plástica, mas por ser um “país distante, cuja cultura não era baseada em um complexo de culpa ou pecado, resumindo, um lugar onde eles não teriam recebido uma educação judaico-cristã”.

Não se sabe que Brasil é esse ao qual ele se refere, mas nem o livro nem o filme dão essa dimensão à aparente frieza a Ledgard, já que em ambos o suposto psicopata se apaixona pela vítima e, embora demonstre obstinação, o tempo todo se mostra perturbado pela beleza da mulher criada e por suas investidas de sedução. O livro, inclusive, qualifica muito bem a natureza do ódio de Ledgard por Éve. Almodóvar, em sua visão equivocada de psicopatia, amoralidade e cultura brasileira, acabou construindo um personagem apaixonado assim como o do livro. Ainda bem.

VEJA TRAILER DE "A PELE QUE HABITO"