Spielberg evoca clássicos do cinema em "Cavalo de Guerra"
Sejamos diretos: o sentimentalismo exacerbado faz de "Cavalo de Guerra" o filme mais frágil entre os que Steven Spielberg realizou desde 2000. Trabalhando com um elenco predominantemente britânico, o diretor não consegue evitar que o tom de seu longa descambe para a pieguice em quase todos os momentos melodramáticos.
Fazia um certo tempo que Spielberg não caía nessa armadilha do sentimentalismo. Após ter passado a década de 1990 dividido entre projetos sérios e mancos como "A Lista de Schindler" e "Amistad" e filmes familiares como "Jurassic Park" e "Hook - A Volta do Capitão Gancho", Spielberg entrou no século 21 com fôlego renovado para cinema de gente grande. Primeiramente, serviu-se de um projeto de Stanley Kubrick para realizar um de seus melhores filmes, "A.I. - Inteligência Artificial", em 2001. No ano seguinte, dirigiu dois longas eficientes dentro do exercício de gênero: a ficção científica, "Minority Report - A Nova Lei", e "Prenda-me se For Capaz", que se insere no prolífico filão de "filmes sobre picaretas".
A partir de então tem alternado filmes inconclusos como "O Terminal", em que falhou ao tentar criar uma atmosfera kafkiana necessária ao enredo, e obras que revisitam velhos sucessos (como "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal") e gêneros (o filme de espionagem em "Munique", uma nova ficção científica em "Guerra dos Mundos"). Após ter voltado a seus domínios com a quarta aventura de Indiana Jones, chega em 2011 com a dobradinha "As Aventuras de Tintim" e "Cavalo de Guerra". O primeiro estreia dia 20 de janeiro. O segundo, nesta sexta-feira (6).
Baseado em romance de Michael Morpurgo e ambientado durante a Primeira Guerra Mundial, "Cavalo de Guerra" mostra de maneira excessivamente melosa a relação entre o jovem Albert Narracott (Jeremy Irvine) e um cavalo selvagem, comprado pelo pai de Albert em um momento de tola competição.
Cabe ao jovem ensinar o cavalo a arar a terra e salvar a família do infortúnio econômico. Mas o cavalo é recrutado por um jovem capitão, no início da guerra, e o que acompanhamos a partir daí é a jornada de sobrevivência do animal, que passa por diferentes donos, à maneira do burrico de "A Grande Testemunha", obra-prima de Robert Bresson.
A relação afetuosa com clássicos do cinema, aliás, raramente foi tão forte na carreira de Spielberg quanto neste filme. Vemos inúmeras referências ao cinema clássico americano (filmes de John Ford, William Wyler e King Vidor se alternam em cena). O plano final, que explora um colorido forte como no início do Technicolor, lembra o grandioso "Duelo ao Sol", de Vidor, mas também "Kagemusha" (de Akira Kurosawa) e "Portal do Inferno" (de Teinosuke Kinugasa).
TRAILER DO FILME "CAVALO DE GUERRA"
Em seu melhor momento, "Cavalo de Guerra" traz uma citação mais erudita, de um filme mudo de King Vidor. O protagonista equino dispara por um campo de batalha. Sai da trincheira inglesa e se move em direção à trincheira alemã, mas fica preso em arames farpados. Quando percebem que o animal está preso e machucado, um soldado inglês e um alemão se unem para libertá-lo, o que promove um encontro inusitado entre dois pares que lutam em lados opostos. O momento é pungente, e lembra aquele de "O Grande Desfile", de Vidor, quando o herói, um soldado americano, acende um cigarro para um soldado alemão agonizante.
Pena que momentos como esse sejam raros no filme de Spielberg. O que sobra são cenas lacrimejantes que mostram o cavalo mudando de dono, embrenhando-se em batalhas sangrentas e tendo a sorte dos melhores heróis do cinema, sequências que são acompanhadas por uma das trilhas mais piegas e onipresentes já compostas por John Williams (compositor na maioria dos filmes de Spielberg). A humanização do cavalo (que revela solidariedade, lealdade e compreensão para além da conta) não ajuda.
"Cavalo de Guerra" chega ao espectador machucado, mais pela mão pesada do diretor do que pelos infortúnios na guerra.
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