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Ator conta que experimentou mais de 300 pares de óculos até achar o perfeito para "O Espião Que Sabia Demais"

O ator Gary Oldman em cena de "O Espião Que Sabia Demais" - Divulgação
O ator Gary Oldman em cena de "O Espião Que Sabia Demais" Imagem: Divulgação

Eduardo Graça

Do UOL, em Nova York

14/01/2012 07h00

"O Espião Que Sabia Demais" filme que estreou no Brasil nesta sexta-feira (13) baseado no livro "Tinker, Taylor, Soldier, Spy", de John le Carré, é o filme que mais polarizou opiniões da safra do fim de ano na zona norte do planeta. Há quem adore a homenagem aos filmes mais cerebrais do gênero, especialmente os produzidos nos anos 70, fonte de inspiração para o diretor sueco Tomas Alfredson, do pungente "Deixe Ela Entrar". Mas a oposição também é forte --parte da crítica torceu o nariz para o filme passado na Guerra Fria, com sacadas psicológicas e diálogos sofisticados, em oposição à explosão de ação do cinema-pipoca da série Bourne ou da revitalizada "Missão Impossível".

Gary Oldman é a encarnação de George Smiley, o agente aposentado do serviço de inteligência britânica secretamente contactado pelo governo para investigar um suposto informante soviético trabalhando na cúpula do MI-6. Aos 53 anos, o inglês que fez Vlad de "Drácula de Bram Stoker" e, mais recentemente, o Comissário Gordon de "Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge", de Chris Nolan, foi eleito o melhor ator do ano pela Associação de Críticos de San Francisco e fala-se em uma possível indicação para o Oscar.

Um personagem emblemáticio, Smiley pouco fala, resmunga frases aparentemente sem sentido, vive uma relação conturbada com a esposa infiel, usa óculos de lentes grossas e se movimenta de modo tão vagaroso quanto o ritmo implantado por Alfredson no filme. Ele funciona como a consciência da trama, um homem que ainda acredita na ética como arma importante no jogo perigoso dos serviços de inteligência, no auge da Guerra Fria. No elenco, além de Oldman --que foi o último ator a aceitar o papel, deppois de uma busca de seis meses pelo Smiley ideal-- estão Colin Firth, John Hurt, Tom Hardy, Mark Strong e Ciarán Hinds.

O ator falou ao UOL sobre detalhes de seu personagem, tais como seus óculos, que lhe renderam certo trabalho para serem encontrados. Confira a entrevista:

UOL - Você parece ter nascido para este papel. É possível fazer um paralelo entre o trabalho de espião e o de ator?
Gary Oldman - De certa maneira, sim. Nós também gostamos de analisar o outro, entrar na cabeça do outro, nos travestimos do outro, ainda quem por alguns instantes. Mas, por outro, o verdadeiro ator não pode compactuar com nenhuma mentira, tem de ir, ou ao menos tentar ir, no cerne da verdade. Honestidade, para nós, é fundamental. Se há duas coisas que não tolero na vida são a falsidade e a infidelidade. São peças que não fazem parte de meu make-up, se é que você me entende.

UOL - Mas o filme não deixa de ser uma busca do seu personagem pela verdade. É este aspecto o de maior poder de atração para você quando pensa no seu Smiley?
Gary Oldman - Gosto dele ser uma pessoa que tem a mais completa certeza em suas crenças, ele não se coloca em dúvida, nunca. É uma pessoa leal, a quem todos respeitam. Mas ele também pode ser cruel, pode ser um juiz maldoso, sádico.

UOL - Este é um de seus papéis de interpretação mais contida, o que não é o lugar comum de sua carreira...
Gary Oldman - Não, meus personagens tendem a ser bastante explícitos. Por isso o meu interesse no Simley. Mas todas as pistas para como levá-lo ao cinema estão no roteiro e no livro. Tudo o que você precisa saber sobre George está no livro. Há uma passagem em que se diz que ele é o homem que pode regular sua temperatura para ficar de acordo com o ambiente. Ele é como um réptil. É dali que eu encontrei esta sensação de que ele está sempre plácido.

UOL - Alguns críticos dizem que "Smiley é um quase não-reconhecível Gary Oldman". É isso?
Gary Oldman - Sim. Lembro durante minha juventude, crescendo nos anos 60 e 70, vendo Alec Guiness, que fez o George em duas mini-séries,uma gravada em 1979 e outra em 1982. Mas eu penso nele em "As Oito Vítimas", em que interpreta diversos personagens e em alguns deles você não acerdita que é, de fato, ele que está ali. O mesmo ocorre com Peter Sellers, com seus disfarces. Eles me influenciaram muitíssimo. Fisicamente, no caso de George, não tinha muito com o que trabalhar. Meu cabelo ficou mais branco e, claro, há os famosos óculos de Smiley, importantíssimos para mim. Eles são icônicos, no livro eles são o Aston Martin do Smiley, importantíssimos.

UOL - E você demorou para encontrar o par perfeito...
Gary Oldman - Sim. Eu já estava quase me internando, virou uma coisa de louco. Vi uns 300 óculos, e nada. Fui encontrá-los em uma loja especializada em Pasadena, em Los Angeles, uma loja sensacional com mais de 30 mil pares. Quem me falou do local foi o Colin Firth, que encontrou o par perfeito para seu personagem em "Direito de Amar". Esta história é engraçada. Eu estava dirigindo em Sunset Boulevard quando me deparei com este imenso poster de "Direito de Amar". Estou chegando mais perto e penso: ué, mas é o Marcello Mastroianni? Vou chegando mais perto e percebo: mas é o Colin! E penso, são os óculos! Eu quero aqueles óculos (risos)! Então li uma matéria numa revista pouco tempo depois em um aeroporto e lá estava o mesmo par com a deixa, "iguais aos de Colin Firth" e dando o endereço da loja! Anotei e pensei, um dia vou comprar óculos para mim nessa loja. Um ano depois, Smiley cai em minhas mãos, Colin está no filme, e eu penso: vou encontrar meus óculos dos anos 70, especificamente entre 1970 e 1973. E pronto, em Pasadena eu os encontrei!

UOL - Voltando a sir Alec Guiness, o Smiley dele era mais querido, não? Ou um pouco menos sádico do que o seu Smiley?
Gary Oldman - Esta contradição está lá no livro. Veja bem, o Smiley de Guiness é sensacional e definitivo, mas, sim, ele é mais afetuoso. Smiley não responde a questões, ele muitas vezes não precisa falar. Mas o que ele faz com um dos personagens, o Toby, que se for extraditado para a Hungria, para o outro lado da Cortina de Ferro, será eliminado, as ameaças veladas, é algo bem nefasto. Por outro lado, há um aspecto masoquista, com sua mulher tendo casos com pessoas de dentro do "circo", como le Carré apelida o Mi-6, e de fora também. Em determinado momento, ela sai de casa para viver com um ator. Ah, esses atores (risos). Mas ele nunca vai atrás dos amantes, e sempre a aceita de volta. Ele está lá, bem confortável no papel de vítima. E, olhe, além de Guiness, James Mason, Tony Hopkins, Rupert Davies, todos ofereceram suas versões de Smiley...

UOL - Nos últimos anos você passeou feliz por filmes mais ligados ao mundo da fantasia, seja em Harry Potter, Kung Fu Panda e, claro, Batman. É algo pouco comum para atores na sua idade ter esta segunda carreira em Hollywood, não?
Gary Oldman - Gosto de pensar que somos, atores, pedaços de uma mesma corrente. Tivemos a geração de Guiness, a minha, agora a de Tom Hardy e Michael Fassbender, somos todos o mesmo. Talvez esteja ficando um pouco velho para tanta ação. Adorei o Batman e vi Tom Hardy em ação e pensei: meu filho, antes você do que eu! (risos). Já estive lá, já vi aquilo. Sabe, alguém precisa dar um toque no Mick Jagger: tá na hora de parar!

UOL - Não seja tão maldoso...olha o seu Smiley aparecendo aí...
Gary Oldman - Ah, peralá! Eles estão fazendo mais uma turnê! De novo! Por favor! Há um momento em que você precisa parar. Eu agora brinco que cheguei à fase dos papéis sentados. Ou seja, em que a maioria dos personagens passa a maior parte do tempo sentada. É ótimo, você aprende pacas a demonstrar suas emoções sem o uso do corpo o tempo todo. Você é o protagonista, como o Smiley, mas o é, inclusive, pelo exercício de sua passividade. É um senhor aprendizado.

TRAILER DE "O ESPIÃO QUE SABIA DEMAIS"