"Quisemos que a música dele fosse nosso discurso", diz diretor de documentário sobre Tom Jobim
“Somos como um time de vôlei. Um levanta, outro corta e contamos com mais gente na retaguarda”. É assim que o veterano cineasta Nelson Pereira dos Santos (“Vidas Secas”) define ao UOL Cinema o seu trabalho com a jovem Dora Jobim na direção do documentário sobre o avô dela, “A Música Segundo Tom Jobim”. O filme, que chega aos cinemas nesta sexta-feira (20), poderá ser uma grata surpresa para muita gente, por se tratar de um documentário que abre mão dos depoimentos e conta apenas com músicas do compositor e cantor brasileiro interpretadas nas mais diversas línguas.
“Nunca pensamos em fazer diferente. É um documentário sobre a música do Jobim”, explica Nelson, que tem outro filme pronto sobre o músico, “A Luz do Tom”, que fez com Marcos Altberg e tem como foco a irmã do músico, Helena Jobim, autora de uma biografia do artista, e suas mulheres, Thereza de Otero Hermanny e Ana Beatriz Lontra. Este segundo projeto ainda não tem data para chegar aos cinemas, mas o cineasta explica que preferiu lançar o filme musical primeiro “por ter mais apelo de público”. “Todo mundo conhece as músicas dele. Não tem como não se encantar”.
“A música segundo Tom Jobim” conta com um vastíssimo material de arquivo vindo de diversas partes do mundo. O maior desafio da dupla de diretores e de seu pesquisador, Antonio Venâncio, foi selecionar o que colocar no filme. “Muitas vezes, nos pautamos pela qualidade técnica da imagem ou do som”, explica Dora. “Algumas coisas eram até legais, mas não dava para usar porque estavam péssimas”. Ela conta que, no entanto, não tiveram nenhum problema para conseguir as devidas autorizações de uso de imagem e som do material usado no filme. “A família do Sammy Davis Jr. chegou a nos mandar uma carta agradecendo a oportunidade de ele estar nesse documentário”, conta Nelson. O cantor norte-americano morreu em 1990.
Para encontrar essas imagens, Dora e Nelson não se valeram apenas dos arquivos da Fundação Tom Jobim, mas de todos os meios possíveis – até o Youtube, no qual Dora encontrou Judy Garland cantando uma versão de “Insensatez”. “A qualidade não era boa, eu achei que por causa da internet. Mas, quando recebemos a cópia do material original, vimos que as imagens eram estranhas mesmo, meio desfocadas”. Nelson arrisca uma outra hipótese: “Eu acho que passaram vaselina na lente da câmera. Antigamente fazíamos isso para disfarçar as marcas da idade no rosto das atrizes”.
De fora mesmo, ficou apenas o material ligado ao cantor e compositor João Gilberto, que está comprometido com um filme que está sendo feito sobre ele. Mas o intérprete de “Chega de Saudade”, ainda assim, é lembrado no documentário sobre Tom Jobim.
Originalmente, a ideia era fazer um filme com gravações novas das canções famosas de Jobim. “Mas percebemos que o material que já tínhamos era bastante e muito diversificado. Poderia mesmo render um filme”, explica Dora. As obras mais famosas do músico, como “Garota de Ipanema” e “Águas de Março”, aparecem nas mais diversas versões – tanto em inglês, quanto francês e italiano.
TRAILER DE "A MÚSICA SEGUNDO TOM JOBIM"
A cantora Miúcha também colaborou no filme, sendo creditada como roteirista. Ela mesma explica que não escreveu uma palavra num roteiro, mas foi consultora de Nelson ao longo do processo. O diretor explica que as conversas com Miúcha e diversas entrevistas gravadas com Tom Jobim – que fazem parte do acervo da Fundação – serviram como um guia para a montagem. “Poderíamos ter feito um filme só com falas dele, mas seria igual a tudo. Nossa intenção era fazer algo diferente, deixar que a música dele fosse o nosso discurso”, explica o diretor.
Nelson conta que conheceu Tom na época do Cinema Novo, quando o músico fez trilha para diversos filmes, como “Porto das Caixas”, de Paulo Cesar Saraceni. Em meados da década de 1980, o diretor fez um especial para a TV Manchete com Jobim. “Era um programa em episódios, muito despojado. Mostrava o Tom na casa dele, cantando com amigos”.
Nelson também conta que diversas vezes Tom foi sondado por Hollywood para a realização de um filme de ficção sobre a vida dele. “Ele era escorregadio. Sempre dava um jeito de fugir, não respondia nada. Ia enrolando. Ele se recusou a dizer não”, conta o diretor, divertindo-se. Agora, ele mesmo descarta a possibilidade de fazer uma longa desse teor. Dora também não se vê dirigindo uma dramatização da vida de seu avô. “Não me interessa fazer esse tipo de filme. Talvez alguém faça, mas não serei eu”.
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