"Millennium" mostra um David Fincher amadurecido e econômico
"Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres" é mais uma prova de que certos diretores se saem melhor fazendo o "arroz com feijão" do que tentando inventar a pólvora.
Ao contar uma história de maneira direta, privilegiando o trabalho dos atores, o desenrolar da trama e os diálogos, David Fincher chega à maturidade com um filme forte e eficiente, cuja longa duração raramente se faz sentir.
Fincher assume-se aqui como um artesão competente, comprovando seu amadurecimento cinematográfico. Uma vez incapaz de controlar os excessos, melhor trabalhar no terreno sólido da dramaturgia.
Na história, Mikael (Daniel Craig) é o jornalista contratado para investigar o sumiço de Harriet, neta de um poderoso empresário sueco, em 1966. Depois de um tempo, ele passa a contar com a providencial ajuda de uma investigadora de modos pouco ortodoxos chamada Lisbeth (Rooney Mara). Inicia-se então um tipo de trama que desagradava Hitchcock, em que espectador e personagens tentam descobrir quem matava uma série de mulheres durante os anos 1960, incluindo Harriet. O mestre do suspense acreditava que nesse tipo de trama o espectador jamais seria envolvido em verdadeiro suspense, sobrando para ele apenas a surpresa da descoberta.
Existem inúmeros filmes que negam a crença de Hitchcock, e "Millennium" é um deles. Principalmente porque os personagens são interessantes o suficiente para conquistar o interesse do público, e assim seguimos com ele as pistas que levam ao sumiço de Harriet. Mas também porque temos atores como Christopher Plummer, Stellan Skarsgard, Joely Richardson e, principalmente, Rooney Mara, a verdadeira protagonista do filme – indicada a um Oscar de melhor atriz.
Sim, essa menina rebelde, cujas cenas são mostradas, durante a primeira metade, em paralelo com as do jornalista. Ela é incompreendida por parte da sociedade e abusada por um agente do estado. Por envolver o maior número de emoções que o espectador vai passar e por movimentar a história como nenhum outro personagem, Lisbeth é de fato a protagonista de "Millennium", como o título original ("a garota com a tatuagem de dragão", em tradução livre) dá a entender.
Seu rosto escondido pelos piercings e suas sobrancelhas descoloridas deixam-lhe com uma impressão andrógina. Sua postura e seu modo de andar acentuam seu lado bicho do mato. Ela é chamada, em certo momento, para ajudar o jornalista, e é aí que as histórias se cruzam, culminando numa cena final tocante e confirmadora sobre o protagonismo do filme.
TRAILER DE "MILLENNIUM - OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES"
Um pouco também porque Daniel Craig atua mais uma vez no piloto automático. É curioso o que acontece com esse ator de 43 anos. Revelou-se em alguns filmes ingleses pífios, nos quais arrasava a despeito da pobreza das tramas. Isto depois de ter sido pouco notado como coadjuvante em filmes americanos de ação (como "Lara Croft", por exemplo). Foi escolhido como o novo 007, ganhando Hollywood de vez com seu desempenho em "Cassino Royale". A partir daí, parece que relaxou, acumulando interpretações corriqueiras e abrindo espaço para seus companheiros de elenco brilhar. E desta vez quem brilha é Rooney Mara.
Em texto publicado na última edição da revista francesa “Cahiers du Cinema”, o crítico Joachim Lepastier escreve que o verdadeiro tema de "Millennium" é a oposição entre duas maneiras de investigação, a antiga, representada pelo jornalista, e a deste milênio, baseada em invasão de privacidade pela internet e representada pela hacker Lisbeth.
É por aí. Ao opor essas duas maneiras distintas de investigação, Fincher acaba realizando, voluntariamente ou não, um pertinente comentário sobre a falta de ética nos dias atuais. Nada mal para quem já se preocupou mais com a câmera passando pelo buraco de uma agulha do que com o drama que tem às mãos.
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