Topo

Aos 90 anos, diretor retoma os mitos de Orfeu e Eurídice em "Você Ainda Não Viu Nada"

Cena do filme "Vous N"avez encore rien" (2012) - Divulgação
Cena do filme "Vous N'avez encore rien" (2012) Imagem: Divulgação

Thiago Stivaletti

Do UOL, em Cannes

21/05/2012 08h57

Nesta segunda-feira (21), o Festival de Cannes estendeu seu tapete vermelho a um grande mestre do cinema francês. Cinquenta e três anos depois de “Hiroshima Mon Amour”, um dos clássicos dos tempos da nouvelle vague, o mestre Alain Resnais, prestes a completar 90 anos, entrou na competição à Palma com seu 49º filme, “Vous n’avez encore rien vu” (Você ainda não viu nada).

No novo filme, Resnais reúne a nata dos atores franceses de cinema e teatro (Michel Piccoli, Sabine Azéma, Mathieu Amalric e outros) para uma reencenação da peça “Eurídice”, do francês Jean Anouilh. Um agente anuncia aos atores (que no filme mantêm seus próprios nomes) a morte de um querido diretor de teatro, Antoine d’Anthac. Em comum, todos eles encenaram “Eurídice” com d’Anthac em diferentes épocas. Os atores se reúnem na mansão do diretor morto para assistir a um vídeo-testamento em que uma nova montagem da peça é feita com uma companhia jovem, de atores na casa dos 20 anos. Um testamento que também poderia ser do próprio diretor.

Começa então um fascinante jogo de troca entre os atores do vídeo e da mansão, em que Orfeu e Eurídice são vividos por dois ou três atores diferentes. Os grandes temas de Resnais, como a morte e a memória, se amplificam mais uma vez. “A morte é sempre doce; as feridas e as dores são sempre da própria vida”, diz um dos personagens. “Quer dizer que todos os momentos ruins vividos, todas as lembranças más, impregnam-se em nossa memória para sempre?”, indaga uma das Eurídices.

Raio ultravioleta

Depois de tantas obras-primas sobre a morte e a memória, o UOL quis saber de Resnais o que significam para ele hoje esses temas. “Essa é a grande questão. Desde que nascemos, estamos condenados, sabendo que a morte nos espera em algum momento. Eu gostaria de ter a inteligência de um professor da Sorbonne para responder a isso, mas só posso devolver a questão”, respondeu, com seus habituais olhos escuros. Tudo bem. Nenhum professor da Sorbonne responde a essas questões como seus filmes fazem.

O título enigmático do filme (“Você ainda não viu nada”) surgiu quase como uma brincadeira. “Ele se enfiou entre a gente na sala de montagem. Dissemos isso brincando, e de repente começou a aparecer nas etiquetas das latas do filme”, contou. “No fim, coube perfeitamente. Nós humanos não conseguimos ver o raio ultravioleta, o infravermelho... Não vemos tanta coisa, e ainda assim fazemos os nossos julgamentos”, filosofou.

Uma curiosidade: a enigmática trilha sonora do filme é de Mark Snow, americano responsável pela famosa trilha da série “Arquivo X” – Resnais é um grande fã da série.