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In-Edit homenageia Fernando Faro e o programa "Ensaio"; leia entrevista com diretor do tributo

O produtor e apresentador do programa "Ensaio", Fernando Faro - Divulgação
O produtor e apresentador do programa "Ensaio", Fernando Faro Imagem: Divulgação

Ronaldo Evangelista

Do UOL, em São Paulo

31/05/2012 17h24

Setecentos programas, mais de 500 horas, centenas de artistas, 42 anos no ar. O programa "Ensaio", criado por Fernando Faro no final dos anos 1960, não é só um marco da televisão, mas de toda a história do audiovisual e da música brasileira, com sensibilidade e assinatura visual inconfundíveis. Para conversar com cantores e compositores, Faro encontrou uma linguagem própria, pessoal, delicada: sempre à meia luz e à meia voz, com enquadramentos em superclose e foco nos entrevistados falando, mas também ouvindo, cantando, mas também lembrando, rindo, mas também chorando.

Hoje com 85 anos, ainda recebendo figuras da nossa música para conversas íntimas e reveladoras (em 1972 o programa passou a se chamar "MPB Especial" e em 1990 voltou a se chamar "Ensaio"), Fernando Faro é homenageado pelo festival de documentários musicais In-Edit, que começa nesta sexta (1), em sessão única neste domingo (3), às 17h, no Museu da Imagem e do Som de São Paulo (avenida Europa, 158, Jardim Europa).

Escalado para montar o tributo está o diretor Oscar Rodrigues Alves, do elogiado documentário “Titãs - A Vida até Parece uma Festa”, em que monta imagens de arquivo de todas as épocas da banda em uma rica colagem, e aparece com abordagem similar para as décadas de programa de Faro, de quem é amigo e fã há anos.

Em entrevista ao UOL, Oscar Rodrigues Alves lembrou histórias, comentou a importância de Fernando Faro e contou processos de criação e histórias da produção de ambos.

  • Thomaz Farkas

    O produtor e apresentador do programa "Ensaio" Fernando Faro em imagem do fotógrafo Thomaz Farkas

UOL - Como está sendo trabalhar com esse material do Faro?
Oscar Rodrigues Alves -
Espetacular. Tenho uma historia muito bacana com o Faro. Eu dirigia um programa em 1994 chamado "Cia. da Música", que era apresentado pelo João Marcello Bôscoli e com roteiro do Bernardo Vilhena, um programa muito bacana de música ao vivo. De música pop brasileira, digamos assim. E um dia o produtor executivo do programa, Petrônio Correia Filho, nos chamou e disse: “Estou muito animado pra fazer um programa de samba, usando a mesma estrutura do "Cia. da Música", apresentado pelo Paulinho da Viola e dirigido pelo Fernando Faro.” Eu sempre fui muito fã do Faro, sempre assitia ao "MPB Especial", e vibrei quando ele contou isso.
Então ele nos levou para almoçar uma quinta-feira para apresentar as duas equipes, ficamos o almoço inteiro ouvindo o Paulinho e o Faro contando histórias incríveis que eles viveram. No final, falei: “Faro, também sou documentarista, adoro música, um dia quero te encontrar e mostrar outras coisas, meu material além do 'Cia.'.” Ele falou, “baixinho, quando você quiser, me liga”, e anotou o fone dele em um guardanapo de papel.
No dia seguinte – não foi uma semana depois, foi no dia seguinte! – eu estou na minha casa e deixam uma fita para mim na portaria do prédio. Eu desço pra pegar e vejo um cara na portaria. Penso, “não pode ser”. Era ele. “Faro, o que você está fazendo aqui?” “Baixinho, eu moro aqui”. Ele morava no meu prédio! Ele tinha mudado há uma semana, ele morava no sétimo e eu no nono andar. Rolou essa loucura, essa sincronicidade absurda. Fiquei amigo do cara que era um mestre, e essa amizade já tem 18 anos.

UOL - Uau. E como aconteceu essa homenagem no In-Edit?
Alves -
No ano passado, o filme do qual eu sou co-diretor, “Titãs - A Vida até Parece uma Festa”, passou no In-Edit e um dia contei para o pessoal do festival a história que acabei de contar. E esse ano eles resolveram fazer uma homenagem ao Faro e me chamaram para organizar, o que eu prontamente atendi. Estou trabalhando agora com a Lilian Aidar, que é a produtora do programa do Faro há 30 anos – digo que ele é o arquiteto e ela é a engenheira. Eu, ela e o Faro sentamos juntos para selecionar o material e estamos editando algo para ficar com 45 minutos ou algo assim. Um “grandes momentos” dos programas "Ensaio" e "MPB Especial".

UOL - A montagem tem a ver com a do filme dos Titãs, uma colagem, um mosaico?
Alves -
No “Titãs”, apesar de ele ser não-cronológico, você vai entendendo, a grosso modo vai indo para frente, você vai sentindo a vida deles indo. Nesse caso aqui, não. Realmente será uma colagem de momentos legais, não tem nenhuma sacada, fio condutor ou conceito, são momentos legais do que o Faro já fez. Estou sendo bem fiel ao programa, cortando seco, não estou reeditando o material. Apesar da gente condensar, não estou alterando o jeito que o programa é originalmente, estou sendo fiel à concepção do Faro.

UOL - Uma concepção muito única, em clima, enquadramento, edição...
Alves -
Com os elementos mais simples da captação da imagem – fundo preto, luz contrastada –, ele pegou essa fórmula e falou, “bom, agora vou aqui, vou arar essa terra fértil da música brasileira”. Não tem para ninguém, são 42 anos no ar toda semana. E tem essa coisa dos caras voltarem, de você ver o Ney Matogrosso em várias fases da carreira. Em um programa mais recente você pode usar imagens do programa que ele mesmo fez décadas antes. É uma auto-alimentação, o programa é documento dele mesmo, isso é muito bom. Você pode voltar a seus arquivos para mostrar como um artista mudou seu ponto de vista ou sua fisionomia com o tempo, isso é muito lindo.

  • Arquivo pessoal

    Da esq. para a dir., o jornalista e produtor Fernando Faro (sentado), os músicos João do Vale, Fagner e Chico Buarque, em imagem do início dos anos 1980

UOL - Quantos artistas aparecem no filme-homenagem que vocês estão montando?
Alves -
Cerca de 30. Algumas coisas são pequenas, como o Vinicius declamando uma poesia, algo incrível, em 40 segundos – mas 40 segundos arrebatadores. Duração não quer dizer potência de emoção. Por outro lado, deixamos outras coisas mais longas para mostrar a intenção do Faro de mostrar o timing do entrevistado, mesmo no jeito de não editar, de deixar o tempo da pergunta do Faro, o cara esperando ali. O programa do Tim Maia abria com os músicos afinando os instrumentos, ele passando a voz, “mais eco, mais eco!”, mantivemos isso. O Gilberto Gil é prolixo, com aquelas gaguejadas, a construção do pensamento. É nisso que o Faro está interessado, mostrar a pessoa como ela realmente é, abrir a câmera e deixar o cara falar, tocar, raciocinar, é um programa muito pouco editado. Isso é muito muito bacana, e nos dias de hoje mais ainda. É uma coisa para a qual dou muito valor, e faço um mea culpa também. Hoje a gente está sempre enxugando, deixando mais agil em prol do dinamismo - mas dinâmica são as duas coisas, a velocidade e a pausa, o cheio e o vazio.

UOL - Que outros artistas que foram ao programa aparecem no filme-homenagem?
Alves -
Adoniran Barbosa, Baden Powell, Cartola, Cascatinha e Inhana, Cauby Peixoto, Chico Buarque, Dorival Caymmi, Elis Regina, Gal Costa, Herivelto Martins, Johnny Alf, Jorge Benjor, Mariana Aydar, Martinho da Vila, Nara Leão, Paulinho da Viola, Skank, Tim Maia, Tonico e Tinoco, Mano Brown. Mais um monte de personagens que ficaram de fora, afinal foram 700 programas. Só foram lançados até hoje os programas destacados por artista, não pelo programa em si. Ninguém enfileirou bons momentos das entrevistas todas, que é um pouco o que a gente está fazendo agora. Tem uma outra obra bacana para tirar desse caldeirão, que seria um longa-metragem desse material, daria algo incrível. No filme dos Titãs trabalhei muito com material de arquivo, o grande barato foi a edição e o jeito que a gente trabalhou com material de arquivo. Isso é um assunto que me interessa, que me motiva bastante. Então estou com vontade aqui de fazer um longa.

UOL - Com tanto material bom, dá pra fazer uma dúzia de longas.
Alves -
(risos) Um dia encontrei o Daniel Rezende, montador do “Cidade de Deus” e amigo muito gente fina que editou alguns filmes meus antes de virar galático e montar para Hollywood, e mostrei para ele o terceiro ou quarto corte do filme dos Titãs. Ele me disse: “se você está com dúvidas se está muito longo ou não, te digo que quando você deixa o espectador na cadeira cinco minutos a menos, esse cara vai atrás de qualquer filme que você fizer na sua vida, mas se você deixar o cara dez minutos a mais na cadeira, ele já vai te odiar.” Quero levar essa máxima, essa lição do Daniel. Então estou aqui agora sofrendo, mas vou deixar com 45 minutos.

UOL - E o que mais te impressionou vendo esse material todo?
Alves -
Tenho 42 anos e vejo que tudo mudou muito nos últimos 20 anos, nossa vida acelerou muito com o turbilhão de informações que a gente recebe. O que acho lindo é que o Faro, ao longo desse tempo todo, foi firme nessa fórmula de respeitar o tempo de cada artista. Isso é uma coisa incrível. Já fui jornalista, aprendi na faculdade essa coisa do jornalista não se envolver. Mas o Faro fala o contrário: “meu programa é pura emoção, quando eu faço estou a fim da pessoa”. Ele fala que as entrevistas dele são emocionais. Eu perguntei, “você se preparava para a entrevista, pedia uma pesquisa na Cultura?” E ele: “Não, baixinho, nunca fiz isso. Ligava pros amigos, assuntava aqui, assuntava ali, mas ia puxando do cara na hora.” Quando ele começou, 40 anos atrás, ele era parceiro, dirigia shows, naturalmente conhecia as histórias dos artistas por trabalhar com eles.
Então é interessante a abordagem – que continua até hoje e é muito diferente de tudo que se faz. Eu, por exemplo, que produzo bastante e sou muito amigo e admirador do Faro, não consigo ter essa mesma calma nos meus projetos, nos filmes e documentários que faço. Isso me fez refletir: deixar o tempo fluir mais é uma vontade que eu sinto na minha vida e que gostaria de passar para minha obra. E uma coisa que o Faro sempre fez, nunca deixou de fazer. Isso é uma coisa que ficou bastante clara debruçando sobre esse material, vendo os 45 programas que eu vi dele nas últimas duas semanas pra fazer esse “best of”.

UOL - Então você tem 42 anos, a mesma idade do programa?
Alves -
É! Olha lá, exatamente. O programa é de 1969, igual eu. Mais uma sincronicidade.