"Assisto a filmes de vampiros desde os 5 anos", diz Tim Burton sobre "Sombras da Noite"
Johnny Depp e Tim Burton não se olharam em nenhum momento durante a longa coletiva de imprensa realizada em um hotel de luxo de Beverly Hills na primavera californiana. Pudera. Os dois amigos encararam a imprensa internacional a caráter, de óculos escuros, cabelos desgrenhados, vestidos de preto. A dupla promovia “Sombras da Noite”, seu oitavo filme, estreia desta sexta-feira (22) nos cinemas brasileiros. Antes, Burton dirigiu Depp em “Eduardo Mãos de Tesoura”, “Ed Wood”, “A Lenda do Cavaleiro Sem-Cabeça”, a releitura de “A Fantásica Fábrica de Chocolate”, a animação “A Noiva Cadáver”, “Sweeney Todd” e o psicodélico “Alice no País das Maravilhas”.Com um olhar todo particular sobre a série televisiva “Dark Shadows”, cult da tevê americana na virada dos anos 1960 para os 1970, pioneira em tratar de uma família de vampiros e lobisomens na TV, “Sombras da Noite” traz Depp como Barnabas Collins, um vampiro aprisionado por uma bruxa vingativa (a sedutora Angelique, papel da excelente Eva Green, que quase rouba o filme) no século 18, em um vilarejo de pescadores no nordeste dos EUA.
A ação começa mesmo com Barnabas voltando à vida no meio dos anos 1970, quando encontra seus descendentes, comandados por uma assertiva Michelle Pfeiffer, vivendo na pindaíba, na mesma mansão da época da colonização inglesa, caindo aos pedaços. A nova magnata da indústria pesqueira, inimiga mortal da família, é justamente a malvada, picante e eterna Angelique.
Veja os melhores momentos da entrevista coletiva que Burton e Depp concederam em Los Angeles.
A gênese de “Sombras da Noite”
Burton - O programa televisivo foi muito importante artisticamente para mim, para o Johnny e para a Michelle [Pfeiffer]. Mais do que voltar ao programa, queríamos nos reencontrar com o sentimento que tínhamos em relação àqueles personagens, àquela dinâmica. Queria recapturar aquele tom, por isso a escalação do elenco, neste caso, era tão fundamental.
Depp - Vinha pensando no Barnabas há alguns anos, e quando terminamos as filmagens de “Sweeney Todd” o assunto pintou naturalmente. Nós dois somos fãs ardorosos de filmes de terror, desde meninos. Queríamos fazer juntos este monstro clássico que é o Barnabas.
Vampiros
Burton - Nunca prestei atenção nesta ideia de que já há muitos vampiros nos cinemas e na tevê nos dias de hoje. Sei que as coisas tendem a aparecer em levas, as tais tendências do momento, mas assisto a filmes de vampiros desde que tinha cinco anos de idade. Barnabas é um vampiro relutante, singular e muito íntimo de nós dois. Esta foi a primeira vez que trabalhei com Johnny e o vi buscando um personagem que estava lá atrás, no passado dele, que o havia inspirado tantos anos atrás. Foi muito mais isso do que eventuais tendências.
Os anos 1970
Depp - Os anos 1970 foram uma era estranhíssima, uma coisa meio indefinida, espremida entre os anos 1960 e os 1980. É uma época de grandes filmes que me inspiraram, de muita música boa, mas também muita porcaria que começou a ocupar de vez as rádios. Alguns clássicos dos anos 1970, discos do T-Rex e de David Bowie, do Iggy Pop, do Alice Cooper [que faz uma hilária aparição no filme], de Barry White, dos Spinners, são inspirações para mim hoje em dia.
Humor do absurdo
Depp - Meu desejo é que as pessoas consigam estabelecer uma relação com esta comédia do absurdo. Seja através da família disfuncional, as oito pessoas sentadas à mesa, cada uma odiando a outra com mais intensidade, seja via o horror, seja via a surreal chegada de meu personagem, direto do século 18 para os anos 1970. Aliás, para ele, os anos 1970 são uma explosão de insanidade em comparação com seu tempo histórico original.
O filme é exagerado, kitsch?
Burton - Eu fico ofendido quando classificam assim meu filme, meu Deus, não está claro que eu fiz um drama sério? [risos]. Não, nunca sentamos e pensamos: vai ser uma comédia, um drama, um filme gótico. Não. É “Sombras da Noite” e é difícil. O programa era sério, mas havia uma energia lá que embora não fosse exatamente engraçada, continha humor. Então, fugimos do exagerado, tentamos fazer algo como uma estranhíssima novela de tevê, mas estilizada. Não, não é atuação realista, mas e daí? Sei que, para quem não conhece a série, pode parecer algo como um filme do Ed Wood, com personagens invadindo o close-up dos outros sem intenção alguma de fazê-lo.
Paceria
Depp - Um dia, muito provavelmente, vou passar os filmes do Tim nos bastidores, fazendo cafezinho para todo mundo. Ele vai me manter no grupo dele porque vai sentir pena do velho Johnny.
Burton - Acho fundamental encontrar algum elemento-surpresa, por menor que seja, ao trabalhar com o Johnny. Depois de tantos anos, para a relação artística, é crucial este elemento, o desconhecido, para se ter certeza de que se está criando algo de fato interessante, novo. Eu não penso em Johnny como um ator, mas como um artista. Um artista que está sempre procurando o novo. E que sempre o encontrará.
Depp - Desde “Edward Mãos de Tesoura” é assim para mim também. Claro, há uma zona de conforto, eu me sinto em casa quando filmo com Tim, mas, por outro lado, aquela pressão inicial, humm... Não, pressão é a palavra errada... Queria dizer aquele desejo de encontrar a combinação exata da visão do Tim com minhas pequenas e estranhas ideias. Tim cresceu ainda mais como diretor e nunca deixou de abraçar o risco. É muito impressionante seguir o seu processo.
Alice Cooper
Burton - Foi incrível contar com ele nas filmagens. Ele é uma grande inspiração para mim e para o Johnny. Ele só parece mau, é um doce. Dá uma olhada nas capas dele na “Rolling Stone” daquela época e preste atenção nele no filme: ele parecia ainda mais assustador naquela época! [risos]. Quando ele tocou para a gente no set foi maravilhoso, foi, aliás, o primeiro momento em que ficamos todos em silêncio, ouvindo o homem.
Depp - Foi inesquecível. Foram todos saindo de seus postos para ver Alice. Você não conseguia tirar os olhos dele. Era como se estivéssemos vendo fogo.
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