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Cataguases imita BH dos anos 30 em filme adaptado da obra de Fernando Sabino

Rua de Cataguases, em Minas Gerais, transformada em cenário de "O Menino no Espelho" - Gustavo Baxter/Alicate
Rua de Cataguases, em Minas Gerais, transformada em cenário de "O Menino no Espelho" Imagem: Gustavo Baxter/Alicate

Fabíola Ortiz

Do UOL, no Rio

10/08/2012 07h00

Durante dois meses, a pequena cidade de Cataguases, no interior de Minas Gerais, foi transformada em set de filmagens do longa-metragem "O Menino no Espelho", que vai levar para as telas do cinema a obra em que o autor mineiro Fernando Sabino narra, de forma fantasiosa, sua infância em Belo Horizonte. Integram o elenco do filme os atores Mateus Solano, que interpreta Mundinho Falcão no remake de "Gabriela", Ricardo Blat, as atrizes Regiane Alves e Laura Neiva, além do menino Lino Facioli, de 12 anos, no papel principal. Nesta sexta-feira (10), as gravações que movimentaram a cidade de 70 mil habitantes e foram acompanhadas com exclusividade pelo UOL chegam ao fim.

“Estava muito a fim de fazer um filme para adolescente e já vinha namorando Cataguases. É uma cidade muito pouco filmada, pouco explorada e tínhamos uma série de locações dentro da cidade, que se parece muito com a Belo Horizonte dos anos 30: arborizada, com arquitetura e calçamento tombados”, explicou Guilherme Fiúza Zenha, que assina a direção do filme, no intervalo das gravações na cidade mineira.

O realizador explica que optou por Cataguases como o principal set de filmagens pelo urbanismo da cidade, já que "O Menino no Espelho" é ambientado na primeira metade do século 20. Além de Cataguases, outras três cidades serviram de cenário para o filme: Miraí e Leopoldina, na zona da mata mineira, e Rio de Janeiro. A equipe de filmagem vai gravar as últimas cenas no centro do Rio, no Real Gabinete Português de Leitura, entre os dias 11 e 12 de agosto.

“Estão começando a montar um polo de cinema na região. E Cataguases tem um conjunto de casas que são do início do século que estão preservadas”, disse. Além do cenário, uma extensa pesquisa de figurino foi feita ao longo de seis meses para compor a indumentária dos atores e figurantes, ressalta o figurinista Ricca. “Todas as roupas tiveram que ser confeccionadas especialmente para o filme. A época de 30 foi um período de muita transformação, social, política, econômica e também na moda”, disse.

Ares históricos

1ª adaptação para o cinema

Gustavo Baxter/Alicate
O livro de Sabino, lançado em 1982, teve mais de 85 edições publicadas e só agora ganha a sua primeira adaptação para o cinema. Para interpretar o protagonista Fernando e seu alter ego, Odnanref (Fernando ao contrário), o escolhido foi o ator-mirim Lino Facioli, 12. Na obra, Fernando tem 10 anos e sonha em ter um clone que fizesse todas as tarefas chatas em seu lugar, como ir à escola mesmo sem ter vontade ou tomar injeção no hospital. O personagem tem uma casa na árvore, constrói aviões de sucata que quase voam, telefones de latinha com barbante e anda com o seu inseparável companheiro, o cão vira-lata Capeto. Ele e sua trupe de três amigos – Mariana, sua vizinha e amiga; Pedro, seu melhor amigo; e Toninho, o amalucado irmão – formaram a Polícia Especial de Investigações Domésticas, vulgo P.E.I.D.O. Para completar as estripulias, certa vez de castigo em seu quarto, Fernando sonha com um labirinto de espelhos e, ao despertar, se depara com um menino como ele, o seu reflexo, um clone. Ele se chama Odnanref e explica que saiu de dentro do espelho para ajudá-lo.

Guilherme Fiúza Zenha fixou residência durante 3 meses em Cataguases e conta que o filme e a movimentação na cidade geraram uma espécie de “encantamento” por parte da população, que acompanhou atenta as gravações externas na avenida principal Astolfo Dutra, uma via arborizada com calçamento de paralelepípedo e cortada por uma linha férrea, ou na Praça Santa Rita onde fica a Prefeitura.

A mobilização foi grande para as filmagens. Para algumas cenas, foram chamados até 600 figurantes e estima-se que o filme envolveu direta ou indiretamente 500 pessoas na produção e gravação. Apesar da agitação de uma cidade média, Cataguases ainda preserva ares históricos, como o trem de carga que ainda funciona e atravessa a cidade seis vezes por dia. Fiúza e sua equipe filmaram ainda num conjunto de casas históricas nesta mesma avenida e na sede dos Correios (um prédio histórico que foi transformado em cinema para o filme).

“Atenção! Vamos fazer o ensaio!”, anuncia a assistente de direção, Mariana Farkas, com um alto falante. Era uma tarde ensolarada de sexta-feira, quando a equipe se preparava para a cena que seria rodada na praça Santa Rita, a principal da cidade de Cataguases, com Lino Facioli e Laura Neiva interpretando o menino Fernando e a prima Cíntia.

Tudo pronto para o ensaio, cordão de isolamento, atores com seus figurinos, roupas e chapéus de época, figurantes já a postos, carros de época dos anos 30 (modelos Chevrolet, Citröen e um calhambeque da Ford) estacionados. Diretor, diretor de fotografia e produtor, todos a postos nas suas cadeiras, enquadramento ok, operadores de luz e áudio posicionados e mais alguns minutos, “silêncio por favor... rodando.... e cortou!” foi difícil manter o cachorro Capeto, companheiro inseparável de Fernando, quietinho. O treinador sempre acompanhava o cachorro fora de cena.

Morte de mascote vira abacaxi

Nem tudo no set de filmagens é controlado, principalmente numa gravação externa. Os pombos que insistem em invadir a cena, o ruído do ônibus (apesar do trânsito ficar fechado), o barulho da sirene do recreio da escola ao lado da praça, o barulho do  parquinho, tudo pode atrapalhar. “Não dá para ensaiar muito com criança se não a gente começa a engessar. Criança não tem roteiro. A gente ensaia duas vezes e começa a rodar. Mas tem coisa que a gente já teve que repetir 11 vezes”, conta Fiúza, carinhosamente conhecido como Gui pelo elenco infantil. Para cada três minutos de filme, são necessárias 12 horas de trabalho incluindo produção, montagem do cenário, ensaio e gravação. A cena da praça acompanhada pelo UOL deve durar 30 segundos na película e, para isso, levou pelo menos uma hora de gravação.

As gravações também enfrentaram contratempos como a notícia trágica de que havia um a menos no elenco. Na noite, após 12 horas de filmagens no set, Fiúza Zenha anuncia: “Começamos uma maratona. Precisa-se de um gato branco com manchinhas meio cinzas e que pesa 2,5 kg. O Bolinha morreu”. O diretor anunciou à sua equipe mais próxima a notícia da morte do gato Bolinha que contracena com os meninos do P.E.I.D.O. No filme, as crianças salvam o gato que viviam com um mendigo numa casa abandonada que pega fogo. A triste notícia da morte do mascote virou um abacaxi para a produção.

O pior mesmo seria contar para os atores mirins que o Bolinha não ia mais estar lá com o grupo. “É melhor contar um dia antes da folga. O nome do Bolinha foi apelidado pelas próprias crianças”, lembra Fiúza. O gato pegou uma virose e não sobreviveu. A próxima cena prevista para gravar com o gato seriam dali a quatro dias. Até lá, a equipe de produção começou a corrida para encontrar um gato que se assemelhasse ao Bolinha.

Assista ao making of de "O Menino no Espelho"