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Diretor ficou três meses sem pagar contas para custear filme que abre competição em Gramado

Matheus Souza, 24 anos, diretor de "Apenas o Fim" e "Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Eu Tô Fazendo Com a Minha Vida" - Reprodução/Facebook
Matheus Souza, 24 anos, diretor de "Apenas o Fim" e "Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Eu Tô Fazendo Com a Minha Vida" Imagem: Reprodução/Facebook

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

10/08/2012 07h00

Fazer um filme no Brasil exige criatividade, mas também muita paciência. O cineasta que quiser se candidatar a receber ajuda das leis de incentivo precisa adequar produção, roteiro e orçamento a várias normas, e esperar até conseguir aprovação. O diretor Matheus Souza, 24 anos, cansou de tanta demora e decidiu fazer um filme com o dinheiro do próprio bolso, cerca de R$ 20 mil. A produção, "Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Eu Tô Fazendo Com a Minha Vida", agradou a curadoria do Festival de Gramado – composta pelo ator José Wilker e pelos críticos Rubens Ewald Filho e Marcos Santuario – e participa da competição da 40ª edição do evento, que se realiza na cidade gaúcha a partir desta sexta (10) até 18 de agosto.

Comparando com ?Apenas o Fim?, meu novo filme é uma superprodução

Matheus Souza, diretor de ?Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Eu Tô Fazendo Com a Minha Vida?, em competição no Festival de Gramado

Um filme de R$ 20 mil já é considerado de baixíssimo orçamento, pois produções como "Bruna Surfistinha", "Eu Receberia as Piores Notícias de Seus Lindos Lábios" e "O Palhaço" tiveram orçamento médio de R$ 4 milhões. O diretor carioca, no entanto, já havia feito outro filme com a metade desse valor. "Apenas o Fim" (2008), filmado quando Matheus ainda estava cursando a faculdade de cinema no Rio de Janeiro, foi financiado com o dinheiro da rifa de um uísque e ganhou o prêmio de melhor filme pelo júri popular no Festival do Rio e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. "Comparando com 'Apenas o Fim', meu novo filme é uma superprodução", disse ele ao UOL, em entrevista por telefone.

Souza usou o pagamento de outros trabalhos como roteirista para financiar o projeto, mas para isso ficou três meses sem pagar as contas da sua casa. "Ao longo do processo, cortaram meu gás, a luz e a internet. A única conta que paguei foi a do celular porque precisava dele para produzir o filme", contou ele, com bom humor. Matheus ainda lembrou do discurso que fez para o homem que apareceu à porta de seu apartamento para cortar o gás. "Tentei convencê-lo dizendo: 'Apoie o cinema nacional, não corte meu gás', mas não deu certo", contou ele.

Matheus acredita que consegue finalizar suas ideias porque é do tipo que está sempre preparado para a frustração. "Sempre acho que vai dar tudo errado e que as coisas não vão ficar como eu gostaria. Acho que falta esse pensamento nos projetos de baixo custo. Às vezes, uma coisa não dá certo e as pessoas desistem", disse.

A protagonista de "Eu Não Faço a Menor Ideia...", a atriz e cantora Clarice Falcão, contou que participar de um filme desse tipo requer muito improviso. "Uma reforma estava sendo feita ao lado da casa usada para locação do filme e, por isso, tivemos que gravar todas as cenas na hora do almoço", contou ela. Falcão, que já havia criado uma música para o primeiro filme de Souza, também emprestou uma peça de seu guarda-roupa para a protagonista, Clara.

Vejo filmes com um baita valor de produção, fotografia linda, ótimos atores, mas com falas sem construção, sem naturalidade

Matheus Souza, diretor de "Eu Não Faço a Menor Ideia do Que Eu Tô Fazendo Com a Minha Vida", sobre o cinema brasileiro

Além de nomes que começam a aparecer agora no cenário artístico, como Rodrigo Pandolfo, Gregorio Duvivier e a própria Clarice, o filme também conta com Daniel Filho, Leandro Hassum, Nelson Freitas e Alexandre Nero no elenco. Souza explica que tem uma arma poderosa para convencer atores famosos a entrar para um filme de um diretor iniciante e com baixo orçamento. "Acho que minha cara de coitado é muito boa. As pessoas sentem pena e querem ajudar. Eu digo: 'Participe do meu filme, eu sou legal, somos jovens'. É um pouco assim". Mudando de ideia pouco depois, Souza disse que o que convence mesmo é o roteiro. "O Daniel Filho, por exemplo, já gostava do meu primeiro filme. Ele foi muito simpático, quis ajudar a nova geração. Foi o máximo", contou.

Apesar da pouca idade, Souza acredita que faz parte de um pequeno time de roteiristas e diretores do cinema brasileiro que se preocupa com roteiro e diálogos nos filmes. "Vejo filmes com um baita valor de produção, fotografia linda, ótimos atores, mas com falas sem construção, sem naturalidade", afirma ele.  Para ele, foi essa preocupação que chamou a atenção dos curadores de Gramado, mesmo produzindo filmes com referências mais pop. "Eu sempre tento colocar uma reflexão no filme, tudo é muito bem pensado. Cada plano tem um motivo para ser daquele jeito. Talvez tenham visto esse conteúdo nele. Não faço o pop pelo pop", disse.

No filme, Clarice vive Clara, que escolheu fazer medicina pelo simples fato de que toda sua família é formada por médicos. Não era o que ela queria, mas ela também não sabe se existe algo com o qual se identifique. Para se descobrir, ela inicia uma nova vida paralela sem contar para os pais ou namorado. O trailer do filme não ficou pronto a tempo até o fechamento desta matéria. Empecilhos de um filme com baixo orçamento.