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"Estou acostumado a tomar porrada", diz Fernando Meirelles, diretor de "360"

O diretor Fernando Meirelles, cujo filme "360" estreia nesta sexta-feira (17)  - Itamar Aguiar/Pressphoto
O diretor Fernando Meirelles, cujo filme "360" estreia nesta sexta-feira (17) Imagem: Itamar Aguiar/Pressphoto

Daniel Solyszko

Do UOL, em São Paulo

17/08/2012 07h00

No meio de uma agenda interminável de conversas com jornalistas, é um Fernando Meirelles bem humorado que recebe o UOL para uma entrevista exclusiva. Com o tempo curto e sendo lembrado constantemente que o bate-papo teria que ser encerrado, o diretor seguia falante, curioso com o bloco de perguntas cheio de garranchos e páginas soltas jogado em cima da mesa de uma sala de escritório, no qual mexia e revirava o tempo todo.

Meirelles falou sobre as suas expectativas em relação ao novo longa, “360”, que estreia nesta sexta-feira (17) no Brasil, e relembrou um pouco da carreira, com espaço até para um episódio em que quase apanhou dos punks paulistanos durante uma projeção no Masp. O diretor comentou ainda sobre alguns de seus filmes favoritos e a produção atual de cinema no Brasil, além de indagar qual seria afinal a fórmula secreta para atrair o público para assistir aos filmes produzidos no país.

Confira a íntegra da conversa a seguir:

UOL - Você tem muitas expectativas com o lançamento de “360” nos EUA?  Na coletiva você disse que esperava um público de 300 mil pessoas. Parece que o filme teve uma arrecadação de US$ 26 mil na estreia por lá, como você recebeu isso?

Fernando Meirelles - Essa é minha expectativa de público no Brasil. Nos EUA eu não tenho a mínima idéia, ainda não falei com os distribuidores de lá. Eles lançaram nesse esquema de VOD (video on demand) primeiro, antes de lançar em cinema. Pelo que eu entendi conversando com os caras, é mais uma estratégia de marketing do que uma vontade de faturar mesmo. Eu acho muito caro: você paga US$ 16 ou US$ 18 para assistir um filme na sua casa. Isso agora, depois que vai para a televisão o preço cai. Mas eles usam um período de um mês para ver se gera um boca-a-boca. Estou muito curioso para ver o resultado, nem sabia disso, você já está me antecipando. Mas quero ver como vai ficar em um mês, o filme estreou na última sexta (10) nos EUA. Preciso saber se esse negócio é um esquema viável, que a gente possa replicar no Brasil. Mas realmente não tenho nenhum parâmetro para saber qual era o faturamento desejado, a expectativa. O filme está em 40 salas. Eu não fui para os EUA divulgar o filme. Até deveria ir para Nova York, mas pedi para não ir. Nem conheço pessoalmente os distribuidores de lá.

Sobre “Cidade de Deus”: tem 10 anos que o filme foi lançado e acho que ele deve ser o mais emblemático da sua carreira. Seu nome talvez ainda seja mais associado a esse filme do que ao restante da sua filmografia...

De público não. Aqui no Brasil sim, mas mundialmente “O Jardineiro Fiel” ainda é o maior sucesso, arrecadou US$ 46 milhões. “Cidade de Deus” faturou US$ 30 milhões.

De qualquer maneira, você concordaria que é o filme mais emblemático da sua carreira? Como você avalia “Cidade de Deus” hoje em dia, considerando toda a sua trajetória?  

Eu nunca revi o filme, mas gosto muito. Acho que foi o filme certo na hora certa. Houve todas essas coisas onde tudo conspira a favor. Tem poucas coisas nele que eu mudaria.

Já que você falou, que coisas mudaria?

Tem uma sequência onde o Buscapé vai tentar assaltar uma padaria, depois um ônibus e um paulista em um Fusca. Para mim o filme vinha numa tensão muito grande, e nessa sequência a idéia é que virasse uma comédia, virasse “Os Trapalhões” de uma hora para outra, mudasse o tom completamente. Antes de filmar esse filme eu fiz “Domésticas”, onde tinha uma cena igual de dois garotos que entram num ônibus para realizar um assalto e são completamente ridicularizados.  No “Domésticas” a cena funciona, mas tentei a mesma coisa no “Cidade de Deus” e não ficou engraçado. Ficou frio, curioso, mas queria que toda aquela cena fosse hilária. E não aconteceu, essa é a minha frustração no filme.

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    Cena do filme "360", de Fernando Meirelles

Já foi bastante comentando que você ficou bastante decepcionado com o resultado nas bilheterias do “Xingu” (nota: o filme foi produzido por Meirelles).

Melhorou muito depois que eu falei aquilo. Estava fraco, o filme chegou em 200 mil espectadores depois de quato semanas. Mas aconteceu algo que achei que pudesse acontecer: ele continou em cartaz desde março, quando estreou, e ainda está aqui em São Paulo em uns oito cinemas, já estamos em agosto. E está chegando aos 400 mil. É menos do que a gente pensava, mas não é desprezível. O último filme do Woody Allen não fez isso, a maior parte dos filmes que a gente gosta, de arte, europeus, não chegam nisso. Na época eu fiquei bem chateado, mas chegou nesse número, e vai para a televisão agora. Essa foi minha redenção.

De qualquer maneira você abandonou o projeto do “Grande Sertão: Veredas” por causa desse desempenho. Que estratégia você imagina que possa ser usada para conquistar a audiênca no Brasil?

Essa é a questão que não quer calar né? Existe um jeitão de fazer filme brasileiro que faz público, que são essas comédias, ou histórias muito ligadas ao dia-a-dia do espectador classe C. Os filmes que passam de 1 milhão de pessoas são os filmes que conseguem falar com essa audiência e serem verdadeiramente populares. A dificuldade está em fazer um filme que seja popular, mas fale com todos os públicos. Alguns, como “Tropa de Elite” e o próprio “Cidade de Deus” conseguiram fazer isso. “O Palhaço” também. Mas é muito raro, esse é o desafio: fazer um filme que tenha uma coisa mais elaborada e ao mesmo tempo consiga interessar o público. Se a gente tivesse a fórmula talvez essa profissão não fosse tão engraçada e divertida como é. De qualquer maneira acho que não tenho mais idade pra começar a fazer um filme pensando em público. Começo pensando numa história que eu queira contar ou que acho importante ser contada, e tento contar de um jeito que mais gente possa querer assitir. Mas não consigo fazer o inverso, pensar no que faz sucesso: “Ah, é filme de sacanagem? Então vamos fazer uma comédia”.

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    Meirelles durante as filmagens de "360"

Outro dia eu vi uma entrevista com o Cláudio Assis, que é considerado um cara bem radical, cria algumas polêmicas. E uma das coisas que ele falou é que se incomoda com os cineastas que tentam a carreira lá fora, dizendo que os filmes tinham que ser feitos aqui. Como você vê essa postura dele?

Ele é uma metralhadora giratória. Acho que tem todo o direito de achar isso, mas então ele que fique filmando aqui. Eu gosto de filmar. Sou brasileiro, sou paulistano, moro em Carapicuíba, mas moro no mundo também. Não consigo achar que eu só estou dentro do Brasil. É como pensar: “eu sou um cara de Carapicuíba, por que vou fazer uma história que se passa em Minas Gerais ou no Rio de Janeiro?”. Eu sou um cidadão do mundo, e do universo também. Se estiver uma história boa em Marte ou em outra galáxia, não tem porque não contar. Não entendo isso de “não, não pode”. Quem escreveu que não pode, onde está isso? Se eu quero eu faço.

Queria aproveitar para perguntar o que você acha dos filmes do Assis e do cinema brasileiro de hoje em geral. Uma opinião não mercadológica, mas de cinéfilo.

Os filmes do Cláudio Assis são bastante fortes, é um cara que vem e marca uma posição. Não são filmes que me tocam pessoalmente, são duros, mas é isso que ele quer. A ideia dele é provocar desconforto. São filmes desconfortáveis, então imagino que para ele ouvir isso seja um elogio. Eu assisto por ser uma referência, mas não é o tipo de filme que fica na minha cabeça. No cinema brasileiro o que me deixa interessado e atento são novos diretores e roteiristas. Tem tanta coisa boa de gente que está começando, mas são filmes que não chegam no mercado, ou chegam muito discretamente. Tem um filme de um cara chamado Murilo Pasta, chamado “Carmo”, a mulher dele é a atriz principal, e a história se passa na tríplice fronteira do Brasil, acho sensacional. É o primeiro filme dele. Vi o filme do Vinicius Coimbra também, chamado “Matraga”, e voltei a pensar em fazer “Grandes Sertões: Veredas”, acho uma realização primorosa. O primeiro longa-metragem do Luciano Moura é uma produção da O2 (nota: produtora de Meirelles), mas também acho incrível, é um filme com o Wagner Moutra que deve ser lançado no ano que vem. Há toda uma nova geração de estreantes que sabem contar uma história muito bem. Eu fico muito atento. Assisti agora em Gramado o segundo filme do Mateus de Souza, que já tem um trabalho autoral, é muito interessante.

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    Cena de "Cidade de Deus", de Meirelles e Kátia Lund

Recentemente saiu uma lista muito comentada na revista britânica “Sight & Sound” com uma lista de 50 melhores filmes de todos os tempos. Queria saber se você viu a lista, e o que achou?

Não vi, o que tinha nessa lista? É a opinião de diretores não é?

Diretores e críticos também. Geralmente “Cidadão Kane” fica em primeiro, mas dessa vez foi “Um Corpo que Cai”.  Minha pergunta seria sobre o que você acha que faltou, mas então: que filmes estariam na sua lista, quais os que mais te marcaram?

A grande maioria não deve estar nessa lista (risos). “Zabriskie Point”, do Antonioni, por exemplo, é um filme para o qual ninguém dá bola, achei incrível. A trilogia da vida do Pasolini também, acho sensacional. Acho que “Cidade de Deus” tem muito a ver com as “Noites da Arábia”, aquele cruzamento de histórias. “360” também têm isso, você está contando a história de um personagem e logo passa para outro, é um pouco a influência do Pasolini. Os do Robert Altman, como “Nashville”, “Pret-a-Porter”, todos esses filmes com cruzamento de personagens eu gosto muito. “Os Bons Companheiros”, a lista vai embora. Bertolucci é sensacional. Esse último dele, “Assédio”, gosto tanto desse filme. Todos esses filmes não devem estar nessas listas, que são sempre mais óbvias né?

O cinema novo deixou um legado que até hoje está presente no estilo de alguns filmes produzidos no Brasil. Como você avalia essa herança?

Claro que eu vi aqueles filmes, e eles eram muito provocadores. Dava vontade de você querer contar histórias de maneira radical, eles me mexiam. Mas no mesmo período, muito mais do que o cinema novo, eu era tocado pelo cinema marginal. Sganzerla, Bressane, os filmes desses caras me tiravam do chão. Eles contavam as histórias com uma liberdade: a música entrava no meio da cena, você ouvia a agulha entrando na vitrola... Eu acho que presto muito mais tributo à isso no cinema que eu faço, e os filmes do Sganzerla e do Bressane me estimularam muito mais do que o cinema novo, que era muito mais político. Eu sempre achava que os caras tinham uma agenda política que queriam me enfiar goela abaixo. Eu me sentia meio otário, achava “esses caras estão querendo me vender a ideologia deles, eu não quero comprar isso, quero uma história”. Sempre assistia com interesse, mas com um pé atrás. Isso não vale para “Vidas Secas” do Nelson Pereira dos Santos, que me tirou o ar.    

Queria te perguntar sobre o seu começo. O que te levou a fazer cinema? Você tem uma formação em arquitetura não é?

Sim, sou arquiteto. Meu interesse começou no desenho. De desenho passei para desenho animado, e depois vídeo. Daí para televisão, e depois publicidade, e daí para cinema. Daqui não sei para onde vou.

Queria saber como foi a experiência de rodar o curta “Garotos do Subúrbio” em 1983, sobre o começo do punk rock em São Paulo.

Aquilo foi a primeira coisa de fôlego que fiz na vida, tinha 40 minutos. Só tinha feito clipes, coisas pequenas, matérias para a TV, essa foi a primeira vez em que decido fazer um documentário. Foi feito em vídeo, mas considero meu primeiro filme. Acho interessante, uma mistura de músicas. Os punks não gostaram, os garotos entrevistados não curtiram nem um pouco. Eu coloquei coisas como Caetano Veloso na trilha, Luis Melodia, e quando eles viram aquilo queriam me matar, literalmente. O Clemente, do Inocentes, nunca apresentação que fiz no Masp queria me bater, teve que ser segurado. Entrou Caetano Veloso na trilha e eles gritavam: “Burguesinho!” (risos). Mas eu acho que estou acostumado a tomar porrada, desde o começo.