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Diretor transforma "Corações Sujos" em história de amor pois não queria fazer "filme de gangue"

Os atores Tsuyoshi Ihara e Takako Tokiwa e o diretor Vicente Amorim (centro) nos bastidores de "Corações Sujos" - Divulgação
Os atores Tsuyoshi Ihara e Takako Tokiwa e o diretor Vicente Amorim (centro) nos bastidores de "Corações Sujos" Imagem: Divulgação

Ana Okada

Do UOL, em São Paulo

18/08/2012 07h00

Ao adaptar para o cinema a história de "Corações Sujos", de Fernando Morais, Vicente Amorim não seguiu à risca o livro. Em vez de se ater à criação da organização Shindo Renmei, ele fez uma história de amor virar o eixo da trama. Se não fosse assim, explica, o longa viraria um "filme de gangues". "Até brincava com o Davi [França Mendes, roteirista], dizia que a gente não podia fazer um 'Gangues de Tupã' [em referência ao filme "Gangues de Nova York", de Martin Scorsese]".

Para ele, "Gangues" é o trabalho "mais fraco" de Scorsese, porque trata de muitos fatos ao mesmo tempo. "Uma produção enorme, os melhores atores do mundo, e é um filme que não te toca. Tem momentos geniais, mas é sobre coisas demais. Acho que consigo fazer as pessoas refletirem mais sobre o tema e sobre a história daquele microcosmo do que se eu tentasse mostrar o que aconteceu em cada cidade", explica.

No filme, os imigrantes japoneses da Shindo Renmei não se conformam que o Japão perdeu a 2ª Guerra Mundial e começam a matar os compatriotas de "coração sujo", que aceitam a derrota. Enquanto a obra de Morais mostra uma série de fatos que ocorreram na época, o longa foca na história de amor que se perdeu durante os trágicos acontecimentos.

O diretor conta que, se fosse para ser totalmente fiel ao livro, teria que fazer um documentário e, com isso, seria mais difícil de fazer com que o público desenvolvesse empatia pelos personagens: "Do ponto de vista emocional, o público nunca vai entrar num filme se não tiver uma relação pessoal. Por isso, a escolha de fazer uma história de amor". O intuito dele é fazer com que o longa converse e emocione as pessoas.

Para viver os imigrantes, Amorim escolheu atores japoneses porque, além de haver poucos atores brasileiros descendentes no mercado, seria ainda mais difícil achar os que também falassem japonês perfeitamente. Uma vez que o diretor decidiu usar atores do país, ele quis escolher nomes que fossem famosos por lá: Tsuyoshi Ihara, que vive o fotógrafo Takahashi, trabalhou em "Cartas de Iwo Jima", de Clint Eastwood. Eiji Okuda, o coronel Watanabe, e Takako Tokiwa, que faz a narradora Miyuki, têm uma extensa lista de filmes japoneses.

O longa foi lançado no Japão em 21 de julho e, se for bem nas bilheterias de lá, será exibido em até 50 salas. O lançamento no país sofreu atraso de seis meses por conta do Tsunami de março de 2011 e, com isso, o filme também demorou mais tempo para ser lançado por aqui. Ao mostrar o filme lá, o diretor se surpreendeu pelo fato de as pessoas saberem muito pouco dos imigrantes no Brasil. "É curioso, porque o Brasil tem a segunda maior população japonesa no mundo, e eles sabiam muito pouco sobre a imigração e absolutamente nada sobre o episódio."

Para quem não leu o livro, a história consegue ser verossímil e tocante. Resta saber se, para quem leu "Corações Sujos", as alterações no enredo e o corte de maiores descrições históricas serão bem aceitas. Fernando Morais gostou do que viu. Citando Jorge Amado, que lhe disse numa entrevista que as adaptações eram uma "violência ao livro" e que podiam virar "uma aporrinhação", ele diz que "não se aporrinhou" e que "não houve violência" nas mudanças. "Gostei muito do filme, me emocionei", afirmou.

Segundo o escritor, a entrada do romance não alterou sua história porque a violência se manteve. No entanto, se fosse por ele, o filme seria um thriller "com espadas e harakiri [tipo de suicídio em que a pessoa enfia um punhal ou espada na barriga]". Depois que vendeu os direitos do livro, em 2004, ele não quis acompanhar a adaptação e só viu o filme terminado, no Festival de Paulínia, no ano passado. A parceria rendeu frutos: Morais trabalha em argumento para um novo filme que será dirigido por Amorim, sobre a "Operação Peter Pan", em que crianças cubanas foram levadas para os Estados Unidos nos anos 1960.

TRAILER DE "CORAÇÕES SUJOS"