Diretor de "Cinema, Aspirinas e Urubus" fala sobre estreia em Toronto com filme existencial
Diretor de “Cinema, Aspirinas e Urubus” e “Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo” (este, em parceria com Karim Aïnouz), Marcelo Gomes já apresentou seus filmes em diversos festivais do mundo, mas estreia em Toronto com “Era Uma Vez Eu, Verônica”. Dois dias depois da primeira sessão pública (no sábado, 8), ele estava feliz da vida com a recepção ao longa-metragem sobre uma garota recifense de classe média, em crise, interpretada por Hermila Guedes. Ele falou ao UOL sobre o festival, seu filme existencial e o cinema brasileiro:
UOL - Como foi a sessão aqui em Toronto?
Marcelo Gomes - Foi incrível. Nunca tinha vindo ao festival. Cheguei à primeira sessão e era num shopping. Fiquei um pouco assustado. Mas as pessoas gostaram, vieram falar comigo. E meu cinema instiga a imaginação e a memória, deixa silêncios.
Seu filme se destaca um pouco do cinema nacional. É existencial, pouco colorido.
Minha formação é de cineclube, a gente passava de tudo: cinema novo, marginal, nouvelle vague, Fassbinder. Cinema autoral, basicamente. Aí fui estudar na Inglaterra e conheci Mike Leigh. Fiquei muito impressionado com esse cinema. Acho que a cultura do Recife está lá: a vendedora de caranguejo, a praia, o Carnaval, o sol. Mas falo de um vazio existencial dessa geração, algo universal. Não temos tempo nem de pensar nessa vida.
Como foi que passou dos personagens masculinos de “Cinema, Aspirinas e Urubus” para Verônica?
Eu queria fazer um filme com uma mulher. Adoro Blanche Dubois, Cabíria. Mas queria que fosse contemporâneo. E queria trabalhar com a Hermila Guedes. É o conto de uma mulher comum. Meus personagens não são de exceção. Tinha vontade de fazer uma crônica, uma trama sem causa e consequência, uma reflexão sobre o sentido da vida. Quando já tinha escrito uma parte do argumento, fui falar com mulheres da idade da personagem. Fiz entrevistas que eram verdadeiras sessões de psicanálise, de duas, três horas. Quem sabe isso não vira um documentário depois?
E o que descobriu nessas entrevistas?
Elas me ajudaram a entender essa sociedade mais individualista, a necessidade do sucesso profissional. As pessoas hoje veem a vida de maneira mais horizontal, não há um mergulho vertical. E cada vez mais a maturidade é adiada. A Verônica reflete sobre isso, o que não significa que chegue a conclusões.
Seu filme é filosófico, quando a maior parte das produções “para pensar” têm cunho político e social.
Sim. Nossa cultura é mais de externar, mas isso não significa que não existam pessoas solitárias, com problemas existenciais. Então, não entendo por que não se fazem filmes sobre isso. Temos filmes sobre política, problemas sociais, comédias, parecidos com novelas. Mas é muito raro algum que reflita os pensamentos dos personagens. E a classe média também.
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