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Prestes a lançar documentário, Ney Matogrosso conta que foi ameaçado de morte por militares e que gosta de Maroon 5

Ney Matogrosso em cena de "Olho Nu" - Divulgação
Ney Matogrosso em cena de "Olho Nu" Imagem: Divulgação

James Cimino

Do UOL, em Brasília

20/09/2012 06h30

Em Brasília para promover o documentário “Olho Nu”, uma compilação de 300 horas de entrevistas e apresentações na TV e mais 300 horas de gravações de bastidores e performances de sua última turnê, o cantor Ney Matogrosso, aos 71 anos, exibe um vigor semelhante ao que tinha na época em que despontou na carreira artística com a banda Secos & Molhados.

Além do documentário, que será exibido no próximo sábado no Teatro Nacional, como parte do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, Ney já participou de mais dois longas. Em um deles interpreta o famoso Bandido da Luz Vermelha, no outro, um cantor que quer parar de cantar.

Ele conversou com a reportagem do UOL com exclusividade no hotel onde estava hospedado pouco antes de embarcar para Portugal para outros compromissos. Disse que continua mais cantor que ator, que a música brasileira atual está muito longe de ter uma ideologia, que gosta de Maroon 5 e de Red Hot Chilli Peppers e que, embora tenha sido ameaçado de morte pelos militares durante a ditadura, fazia questão de perturbar a ordem. Leia:

UOL - Você hoje é mais ator que cantor?

Ney Matogrosso - Não, não. Eu continuo mais cantor que ator. O que eu estou fazendo agora é botar em prática uma coisa que eu sempre achei que eu era. Me considero ator e faço cinema porque dá para conciliar. Teatro não.

Você não pararia por um tempo para fazer uma temporada teatral?

Não. Porque eu não consigo ficar longe da música por tanto tempo. E o cinema é pouquinho. Um mês ou dois você já está liberado.

E como foi para vocês fazer esse personagem do filme do Domingos de Oliveira, em que você faz um cantor que não quer mais cantar?

Olha, no fundo ele escreveu os personagens em cima das pessoas. Eu conheci o Domingos, ele foi à minha casa me entrevistar para um programa de entrevistas que ele tinha, ficamos amigos aí ele veio e me ofereceu o papel. Quando eu li, eu disse: “Mas esse aqui sou eu!” Só que eu em outra situação. E ele queria que me chamasse Ney. Mas eu achei que era demais. Aí colocaram Ian, que é quase a mesma coisa né? (risos) Mas é um cantor em crise, que acha que não canta mais. Aí ele vai à casa de uma amiga e tem umas crianças cantando em um karaokê. Então ele canta no karaokê e a máquina diz que se ele se esforçar ele vai ter futuro, aí ele sai de lá mais enlouquecido. É uma comédia, né?

Você está com 71 anos. Percebeu alguma mudança na sua voz com o passar dos anos?

Eu percebo que adquiri graves, mas não perdi os agudos. Então a minha voz agora tem médios, graves e agudos. Portanto, eu acho que minha voz está mais completa. Agora, a cor da voz mudou muito. Eu tinha aquilo que chamam de voz branca, clarinha, lisinha, aguda, com vibratto. Agora minha voz está mais encorpada. Eu prefiro agora...

Essa mudança te influenciou a cantar músicas que antes você não cantava?

Não. Mesmo quando eu não tinha essas outras notas eu cantava. Hoje eu vejo e penso como eu era deficiente. Não tinha médio, não tinha grave. Para ter grave eu tinha que cantar encostado no microfone.

E como surgiu esse documentário “Olho Nu?”

Eu tinha 300 horas de material. Tudo o que eu fazia em televisão, pedia para a gravadora. Tudo em fitas. Sempre pedi e até hoje eu peço. Eu gostava de ter. Não que eu quisesse fazer algo com isso, mas não queria que se perdesse. Mas tem mais entrevistas que números musicais. Aí o Canal Brasil me convidou para fazer o documentário. A princípio seria uma coisa mais simples, em HD, só para eles, mas então eu sugeri para fazer em cinema. Eles toparam. Acabaram filmando mais 300 horas. Ficaram comigo, viajaram comigo por três anos. Mas a gente vai usar uma hora e quarenta minutos e depois vamos tirar dez DVDs em ordem cronológica. Por exemplo, não entraram os números musicais, que eu tenho mais de 20, que podem se transformar em um DVD só de clipes desde os anos 1970. Eu cantei com Emilinha Borba, cantei com Blecaute, com Nelson Gonçalves, Elza Soares, cantei com muita gente...

Seu próximo disco terá uma pegada mais rock?

É... Pop com algumas composições de rock...

O que você gosta de ouvir de rock?

Eu quase não ouço música... Só quando estou no carro.

Você não baixa CD?

Não baixo CD, não tenho aquela coisinha com 300 mil músicas. Eu tenho esse aparelho [um iPhone], mas não sei baixar.

"[Os militares] mandavam recadinhos. Diziam que eu estava me excedendo... Que eu maneirasse... Aí eu enlouquecia mais ainda!"

Você vai a shows internacionais?

Não muitos. Vi os Rolling Stones. No “Rock in Rio” eu vi umas bandas que eu gostei... Maroon 5, pode ser? O Red Hot Chilli Peppers eu gostei muito, embora tenham me dito que não foi a melhor performance deles, mas eu achei ótimo.

Seu pai era militar. Você teve que enfrentar muitos problemas pela natureza das performances que você fazia, pelas roupas que vestia?...

Não, não tive que enfrentar nada.

Os militares não pegavam no seu pé?

Pegavam, mas eu ignorava...

O que eles diziam?

Mandavam recadinhos. Diziam que eu estava me excedendo... Que eu maneirasse... Aí eu enlouquecia mais ainda!

E eles nunca mandaram ninguém para te prender?

Pra me prender não. Mas teve gente que foi atrás de mim em show dizendo que eu ia sofrer um atentado. Palhaçada! Que iam me matar... Teve um colega que foi uma vez ao departamento de censura e que ouviu alguém lá dentro comentar que eu não tinha mais jeito. Só matando. E eles podiam ter matado...

Você não tinha medo?

Eu não tinha medo.

E nunca pensou em ir embora do Brasil por causa disso?

Nããããão! Eu queria fazer aqui. Aqui é que era interessante. Exatamente por perturbar a ordem, sabe?

Quem da atual música brasileira que você considera revolucionário hoje em dia?

Revolucionário não tem mais nada. Porque não se exige mais isso...

As ideologias estão mortas?

Que ideologia? A ideologia que existe hoje é ganhar dinheiro. É o que comanda o planeta, não o Brasil apenas. Essas batalhas supostamente religiosas que vemos em todo o lugar, inclusive aqui, das igrejas evangélicas pregando contra os gays, financiando eleições, é apenas política. Não tem ideologia nenhuma. Eles querem é por a mão no baú. Nós estamos vendo o que aconteceu com PT, que era o partido que pregava a ética na política. Não tem ninguém bem intencionado na política.

"Porque qualquer pau que apareça se sobressai. Ainda mais sendo meu. Imagina o pau de uma diva nas telas de cinema? O foco todo ia desviar pra isso..."

Você gosta da presidente Dilma?

Gosto. Acho que ela está saindo muito melhor do que eu imaginei, porque como ela foi imposta pelo Lula, achei que ela seria um robô. Fico feliz de ver que ela não é. Agora, só poderemos analisar depois do distanciamento histórico. Ela está colocando o Brasil em um patamar que o Lula não conseguiu. Como, por exemplo, baixar o preço da energia elétrica. Há 30 anos que se sabe que a nossa energia era muito cara. Nenhum fez...

Fale como é o personagem do Bandido da Luz Vermelha...

Ele está preso por 35 anos, aí foge e começa a fazer reflexões sobre o mundo, sobre a política, sobre o sistema carcerário. Ele é um observador da vida moderna, mas com a ótica de quem ficou preso por 35 anos e de quem conhece o sistema por dentro. Por acaso eu tenho muita afinidade com o texto. Então não me foi muito difícil dizer aquilo, porque eu penso daquele jeito.

Você se considera uma diva?

Eu não ligo muito pra isso não. Acho que a gente não pode ficar preso a essas coisas que dizem da gente. Eu quero é fazer, seguir em frente. Mas volta e meia escrevem isso, me chamam de diva. Eu acho engraçado isso de ser diva... (risos)

Você fez uma cena de nu, mas não quis que aparecesse nu frontal, por quê?

Porque qualquer pau que apareça se sobressai. Ainda mais sendo meu. Imagina o pau de uma diva nas telas de cinema? O foco todo ia desviar pra isso...

*O repórter James Cimino viajou a convite do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro