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Adolescentes filmam vida de empregadas domésticas e transformam em documentário

Cena de "Doméstica", de Gabriel Mascaro - Divulgação
Cena de "Doméstica", de Gabriel Mascaro Imagem: Divulgação

James Cimino

Do UOL, em Brasília

22/09/2012 15h45

Inspirado pela observação de sua mulher, a inglesa Rachel Ellis, o diretor pernambucano Gabriel Mascaro começou a se incomodar com a questão dos empregados domésticos no Brasil. Na tentativa de desvendar a natureza das relações trabalhistas dessas profissionais, pediu para alunos das escolas públicas e particulares do Brasil que filmassem a vida de suas domésticas por uma semana. Acabou recebendo 20 vídeos, mas escolheu apenas sete, que se transformaram em um documentário chamado “Doméstica”.
 
Exibido nessa sexta-feira (21) durante o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o longa mostra as contradições dessa relação tão intrínseca à cultura brasileira, como o depoimento de Flávia, que trabalha na casa de outra empregada doméstica cuidando de seus dois filhos: Bia, que gravou as cenas, e Mateus, um menino com problemas motores. A situação, que encontra paralelo na novela “Avenida Brasil” com a personagem Janaína (Cláudia Missura), foi identificada por Rachel, que também assiste à novela.
 
Outro caso que causou desconforto na plateia foi a do empregado doméstico Sérgio. Filmado por Jenifer Rodrigues, o relato do homem que, após se separar da mulher, começou a trabalhar na casa da adolescente, fez com que um dos presentes ao debate sobre o filme confessasse ter se chocado com a situação por puro machismo. “Eu que me achava tão moderno, mas fiquei incomodado com aquele homem lavando louça para aquela família. Então me questionei como nunca havia me incomodado com a mesma situação no caso das mulheres.”

O diretor do filme conta que sua intenção inicial era propor uma descentralização do olhar sobre a questão ao colocar a família filmando a situação de sua doméstica. “O filme ‘força’ esse encontro ao mostrar jovens dispostos a olhar pra essa pessoa durante uma semana. O que me chama a atenção é como eles negociam a imagem. A gente percebe como alguns deles trabalham a questão de forma cinematográfica mesmo. Eu não tinha o interesse em despertar um olhar estético, mas isso acabou acontecendo.”
 
O olhar estético citado pelo diretor é bastante visível no último depoimento, gravado por Luis Felipe Godinho, sobre sua empregada Lucimar. Criada na fazenda dos avós de sua mãe, Lucimar cresce como amiga de infância daquela que viria a se tornar sua patroa. Em uma montagem feita com base no álbum de fotografias da doméstica, que é negra, Luis Felipe mostra diversas fotos em que sua mãe e sua empregada estão brincando de bonecas durante a infância. Um perfeito retrato da evolução da relação casa grande e senzala nos dias de hoje.
 
Questionado sobre até que ponto as domésticas não teriam cedido o uso de sua imagem como mais uma “ordem”, o diretor diz não saber mensurar essa questão, já que ele mesmo não teve contato com as protagonistas do filme. “Não sei dizer em que grau de relação de poder está inserida essa possibilidade de fazer o filme. Talvez, para algumas, é um trabalho a mais que o filho do patrão está pedindo. Para outras é uma possibilidade de performance, como quando a Flavia aparece dizendo para a filha da patroa que a estrela do filme é ela e depois começa a dançar. Para mim, o importante é a questão da imagem como troca. Mas claro que isso me interessa. Uma das recomendações que fiz aos jovem era: 'você deve perguntar a ela se ela quer ser filmada já filmando'.”
 
Afeto versus Trabalho

 
Outro dos depoimentos mostra a relação de Lena com sua patroa Lúcia, que “adotou” a doméstica e sua filha Maria Fernanda, nascida depois que a jovem já estava trabalhando na casa. Lena era filha de empregados de sua família “na roça”, mas, segundo Lúcia, é como se fosse sua filha. A patroa aparece dando banho, trocando fraldas e colocando a filha de Lena para dormir em evidente demonstração de carinho. Depois diz saber que Lena não ficará lá por muito tempo, porque trabalho de dona de casa é muito duro e repetitivo.
 
Embora acredite que haja relações de afeto entre patrões e empregados, Mascaro acha que esse aspecto subverte a relação trabalhista. Ele também explica certos critérios de edição do filme. “Não queríamos que o filme criasse uma situação revanchista, por isso não queríamos seguir um perfil socioeconômico definido. Também escolhemos classes sociais diferentes para que não se deixasse essa questão referente apenas à classe dominante, mas como algo relativo à cultura brasileira.”