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Daniel de Oliveira teve que botar demônio para fora para viver rei da Boca do Lixo, diz diretor

Daniel Oliveira teve que usar lentes grosas, prótese no queixo e afatador para ficar com orelhas de abano  - Divulgação
Daniel Oliveira teve que usar lentes grosas, prótese no queixo e afatador para ficar com orelhas de abano Imagem: Divulgação

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

27/09/2012 07h00

Quando decidiu levar para as telas a história do criminoso Hiroito de Moraes Joanides, conhecido como o rei da Boca do Lixo em São Paulo, o diretor Flávio Frederico pensou em Daniel de Oliveira para viver o protagonista, mas encontrou um problema: o ator, um dos galãs da Rede Globo, era muito bonito para o personagem. “Eu pensava que o ator tinha que ser feio como o Hiroito”, disse o diretor na pré-estreia do longa, em São Paulo. Um amigo de Frederico, no entanto, ajudou o diretor a resolver a questão quando afirmou que “enfear” é muito mais fácil do que embelezar. “Falei para o Daniel: ‘Você vai ter que botar seu demônio para fora e ficar mais feio’. Ele adorou”.

Para viver Hiroito, que comandava o tráfico de drogas e a prostituição no centro de São Paulo na década de 1960, Oliveira adotou uma postura curvada, óculos com lentes grossas, uma prótese no queixo e um afastador que o deixou com orelhas de abano. “A gente sempre busca internamente, mas às vezes as respostas estão fora. Estão no jeito de fazer alguma coisa diferente com o corpo”, afirmou Daniel.

O ator também levou a sério a história de colocar o demônio para fora. Em um galpão no centro de São Paulo, uma das locações do longa, Daniel fez exercícios para “incorporar” Hiroito. Vestia um sobretudo e para uma câmera respondia questões, elaboradas por Frederico, como se fosse o bandido. “Teve um dia que fiquei com medo de mim mesmo. Eu chamei o Hiroito e parece que ele veio. Apaguei as luzes e deixei só uma luz no espelho. Fui me transformando nessa cara”, contou Daniel.

Trailer de "Boca", de Flávio Frederico

Mineiro em São Paulo
Mineiro de Belo Horizonte, Daniel ainda enfrentou o desafio de interpretar um personagem que se relaciona muito intensamente com a cidade de São Paulo.  “Uma vez o (músico) Lirinha falou que São Paulo é uma mãe ossuda, que te recebe. Machuca, mas te recebe. Eu fiquei com essa frase na cabeça isso me ajudou a não ter medo”, afirmou o ator.

Na pele do grande amor da vida de Hiroito, Alaíde, a atriz pernambucana Hermila Guedes fez em “Boca” sua estreia em um filme que se passa em São Paulo. O longa ainda conta com as atuações de Milhem Cortaz, Paulo César Peréio e Leandra Leal.

Fora das novelas desde 2010, Oliveira confirmou que pretende continuar se dedicando ao cinema. Em breve ele também estará no telefilme da Rede Globo chamado "Dona Pixuca", que será dirigido por Jorge Furtado e protagonizado por Fernanda Montenegro. Cortaz e Daniel Oliveira voltarão a contracenar no filme “Sangue Azul”, de Lírio Ferreira, que começa a ser filmado em novembro deste ano.

O Rei da Boca
Apesar do nome, o verdadeiro Hiroito (1936-1992) não tinha ascendência oriental. Sua origem é grega, mas seu pai era muito fã do imperador japonês. Ainda na adolescência, o jovem da classe média começou a frequentar a zona aberta do Bom Retiro, onde prostitutas se exibiam atrás de venezianas.

Hiroito, no entanto, só entrou para o crime após ser acusado do assassinato de seu pai. Mesmo alegando inocência, ele se mudou de vez para a Boca do Lixo, onde ficou conhecido como rei por vender drogas e gerenciar prostíbulos da região, além de se envolver em assassinatos e roubos.

Em uma das suas histórias que parecem ficção, Hiroito ficou circulando pelas ruas de São Paulo dentro de um fusca durante dois meses. Tudo isso para despistar policiais que o procuravam por seus crimes. O bandido escreveu o livro “Boca do Lixo” na prisão, que inspirou o roteiro de “Boca”, criado por Mariana Pamplona.

  • Francisco CepedaAgNews

    Milhem Cortaz, Camila Leccioli, Flávio Frederico e Daniel de Oliveira na pré-estreia de "Boca" em São Paulo (18/9/12)

Retrato fiel da época
Para retratar esses dias de rei de Hiroito, o diretor buscou ruas de São Paulo que ainda conservavam a arquitetura da época e ruas de paralelepípedo. “No Centro, filmamos o que foi possível, mas aí fomos abrindo o leque para a Barra Funda, Pari, Brás e Mooca”. Algumas cenas externas foram filmadas em Santos, que também mantém bondes em funcionamento. “Quando cheguei em Santos e vi o bonde, liguei para a Mariana (roteirista) na hora e pedi para ela inventar uma cena com o veículo”.

O cuidado em retratar os anos 50 e 60 também está nos figurinos, carros, cenários e trilha sonora, gravada com instrumentos da época. Para o diretor, quando se trata de um filme de época, os espectadores precisam acreditar que aquilo é real, senão tudo vai por água abaixo. “Pode ser um roteiro genial, um ator maravilhoso, mas se tiver uma direção de arte chinfrim, o espectador não se sente ali”. O filme ganhou prêmio de melhor direção de arte no Cine PE 2012, e de melhor fotografia no Festival do Rio em 2011.

Baixo orçamento
Flávio Frederico ainda contou que o maior desafio foi fazer com que todos os desejos da equipe coubessem no orçamento inicial, de apenas R$ 700 mil reais. "Quando começamos a rodar o filme não tínhamos dinheiro para o final das filmagens". A opção foi fazer cortes no roteiro, o que faz com que a história fique com algumas cenas sem conclusão. Em uma delas, um jornalista aparece para investigar o assassinato do pai de Hiroito, mas não volta a aparecer na história. Para Frederico, esses “pulos” na história não comprometem o longa, já que se trata de um recorte na vida de um personagem. 

Após as filmagens, "Boca" venceu três editais de finalização, o que permitiu que o diretor incrementasse a trilha e o tratamento das imagens. Após os prêmios, o orçamento ficou entre R$ 3 e 4 milhões. O filme estreia nesta sexta-feira (28) apenas em São Paulo. Ainda não há previsão de estreia nas outras cidades brasileiras.