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Espião na 2ª Guerra, "pai" de 007 morreu sem ver seu personagem se transformar em um mito

Ian Fleming, autor que criou o personagem James Bond, foi espião na 2ª Guerra Mundial - Arquivo AP
Ian Fleming, autor que criou o personagem James Bond, foi espião na 2ª Guerra Mundial Imagem: Arquivo AP

Eduardo Torelli

Do UOL, em São Paulo

03/10/2012 06h30

Nascido a 28 de maio de 1908, Ian Lancaster Fleming (filho do Major Valentine Fleming, morto em combate durante a Primeira Guerra Mundial) só curtiu a fama de autor de sucesso tarde na vida, aos 45 anos. Antes de criar o espião mais popular da ficção, ele pensou em ser diplomata (o que o levou a estudar línguas nas Universidades de Munique e de Genebra) e teve uma sólida carreira como jornalista – o que lhe caiu como uma luva, já que odiava a rotina. No início da década de 1930, Fleming já chefiava a sucursal da Reuters em Moscou (Rússia).

O “pai” de 007 conheceu de perto o intrigante mundo da espionagem durante a Segunda Guerra, quando trabalhou no Serviço Secreto Naval sob as ordens do Almirante John Godfrey, diretor de inteligência que, mais tarde, inspirou seu personagem “M” (o superior de Bond no M.I.6.). Uma de suas tarefas era estudar dossiês de espiões britânicos e estrangeiros, o que foi delineando, em sua mente, o modelo de um agente secreto formidável, que ganharia contornos definitivos em 1953, quando o livro “Cassino Royale” foi publicado.

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    Capa do livro "Casino Royale", o 1ºda série 007

O “empurrão” que o fez passar da teoria à prática foi seu casamento com uma socialite inglesa, Anne Rothermere, em 1952. Já quarentão, Fleming teve dificuldades para aceitar a vida de casado após uma longa e próspera “solteirice”. Foi, portanto, como uma terapia autoinduzida que ele começou a escrever os livros de James Bond – o espião sofisticado, boa pinta e com licença para matar que, a serviço da Coroa, vivia situações inusitadas, sempre estava às voltas com mulheres incríveis (embora, nem de longe, a promiscuidade do 007 literário se compare à de seu correspondente no cinema) e enfrentava vilões tão ou mais exóticos do que aqueles imaginados por Julio Verne ou Sax Rohmer.

Quase todas as novelas de 007 foram escritas em uma casa de veraneio que os Fleming mantinham na Jamaica, apelidada de “Goldeneye” (Fleming lia a obra “Reflections in a Golden Eye”, de Carson McCullers, quando a adquiriu). Todos os anos, o escritor cumpria o mesmo ritual: retirava-se com Anne para a Jamaica, aproveitando suas férias anuais, e ali redigia uma nova trama de Bond – sem interromper a narrativa com revisões ou com um excesso de autocrítica, de modo a não comprometer o “fluxo criativo”. Sim, ele estava ciente da improbabilidade de seus enredos, mas se divertia muito criando o superlativo mundo de 007, onde roubos ao Fort Knox ou chantagens atômicas orquestradas por organizações como a Smersh e a Spectre eram banais na rotina de um agente secreto.

No total, Fleming publicou 12 romances e duas coletâneas de contos sobre 007 – um material incrivelmente rico, que, apesar de já ter sido quase totalmente dilapidado pelos produtores da série cinematográfica, ainda inspira os novos filmes. Não por acaso, o que há de melhor em “Cassino Royale” (2006) – a cena de jogo, a tortura sofrida pelo herói e o melodrama envolvendo a espiã Vesper Lynd – saiu diretamente das páginas do autor. Morto em decorrência de um ataque cardíaco, em 1964 (às vésperas do lançamento de “007 Contra Goldfinger”, que transformou James Bond em um mito planetário), Fleming partiu sem mensurar a longevidade e o impacto que suas tramas teriam em um sem-número de leitores e espectadores no futuro.