Leos Carax retorna aos filmes após 12 anos com passeio por vidas paralelas em "Holy Motors"
Dificilmente 2012 produzirá um filme mais bizarro e apaixonado do que “Holy Motors”, atração do Festival do Rio. No melhor dos sentidos. O longa de Leos Carax, o primeiro em 12 anos, é uma ficção-científica sem efeitos especiais que incorpora diversos gêneros cinematográficos e parece dissertar sobre a condição humana, em seus múltiplos estados e possibilidades, enquanto o personagem principal percorre Paris.
O filme acompanha um dia na vida do senhor Oscar, um homem cuja profissão é transitar por suas diversas vidas paralelas, numa jornada exaustiva que o consome e o explica. “Por que você continua fazendo isso?”, pergunta o personagem de Michel Piccoli, em sua única e curta cena em “Holy Motors”. “Pela beleza do gesto”, responde Oscar, vivido por um Denis Lavant em momento de entrega completa.
“Holy Motors” faz um par curioso com “Cosmópolis”, de David Cronenberg. Os dois filmes, que participaram da seleção oficial do Festival de Cannes deste ano, se passam, basicamente, dentro de uma limousine. Mas enquanto o canadense faz uma reflexão sobre o capitalismo e suas transformações, o longa de Carax utiliza o veículo literalmente como um camarim, uma espécie de espaço neutro, uma intersecção onde se abrem portas para cada um dos universos que o personagem principal visita.
Para cada “encontro”, o protagonista se transforma, num espetacular trabalho de maquiagem. É um tour-de-force de Lavant, uma espécie de Dr. Lao (de “As 7 Faces do Dr. Lao”) moderno, onde as lições de moral são substituídas por intervenções diretas, pontuais e rápidas nas vidas de quem cruza seu caminho: sexo, assassinato e até uma conversa entre pai e filha fazem parte do pacote. Numa das cenas, Carax revisita o Sr. Merda, que estrelou seu episódio em “Tokyo!”.
O filme, ao contrário do que se possa imaginar, não foi planejado. Segundo Carax, seus planos estavam direcionados a projetos maiores que ele não conseguiu viabilizar na França. A ideia de “Holy Motors” surgiu de uma vez, num momento de fúria pelos planos frustrados, mas como uma forma de homenagear todos os gêneros do cinema de uma só vez. Uma experiência caótica a que o diretor empresta significados.
Em sua longa jornada noite adentro, Oscar se confronta consigo mesmo, com seu destino e com sua possibilidade de felicidade. Nesta cena, em que Lavant contracena com uma Kylie Minogue surpreendentemente madura, o cineasta parece declarar, entre manequins e cenários vazios, que a vida do protagonista é uma vida de simulacros e que o homem precisa voltar ao princípio da existência para se redescobrir e se reinventar.
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