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Diretor português de "Tabu" diz que filme é dividido entre "ressaca" e "bebedeira"

O diretor Miguel Gomes comemora prêmios recebido por "Tabu" no Festival de Berlim (18/2/2012) - EFE
O diretor Miguel Gomes comemora prêmios recebido por "Tabu" no Festival de Berlim (18/2/2012) Imagem: EFE

Chico Fireman

Do UOL, em São Paulo

21/10/2012 07h00

“A primeira parte de ‘Tabu’ é a ressaca. A segunda, a bebedeira”. É assim que o português Miguel Gomes tenta definir seu último filme, um dos principais destaques da 36ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O cineasta está no Brasil para acompanhar as exibições do longa, aclamado no Festival de Berlim, de onde saiu com o prêmio da Federação da Crítica Internacional e o Alfred Bauer, destinado ao filme mais inovador do evento.

“Tabu” é divido em duas partes: “paraíso perdido” e “paraíso”, o que reafirma a analogia usada pelo diretor para explicar a linha temporal do filme. A experimentação do cinema do cineasta, no entanto, contrasta com seu jeito simples. Entre um cigarro e uma dose de cachaça, Gomes recebeu os jornalistas à beira da piscina do hotel em que está hospedado. “Eu acho que tenho a obrigação de fazer um cinema diferente do que já foi feito até agora, mas não posso ignorar minhas memórias”, justifica, tentando ilustrar a dicotomia entre o tom nostálgico de suas obras e sua linguagem ousada.

  • Divulgação

    Cena do filme "Tabu", de Miguel Gomes

Segundo ele, a ideia do filme saiu de uma conjunção de memórias. “A primeira parte, eu retirei de conversas com uma pessoa da minha família. Ela tinha uma vizinha, que era uma velha senhora que tinha uma criada negra. Queria contar as histórias destas personagens, com vidas que parecem tão pouco interessantes numa Lisboa envelhecida”, explica. Já a segunda metade do longa tem uma origem mais complexa.

A inspiração inicial veio de uma antiga banda de rock de Moçambique, que se apresentava interpretando clássicos de Elvis Presley e os Beatles. “Eu fiquei muito impressionado com a nostalgia que eles tinham de uma juventude perdida, das garotas que eles paqueravam, do tempo que já tinha ido”. O saudosismo da banda, que ganhou uma espécie de releitura no longa,  deu a Miguel Gomes a ideia de fazer um filme sobre “o tempo e a memória”, abrindo espaço para que ele despejasse um arsenal de referências poéticas, que evocam inclusive a Hollywood clássica.

“Eu tenho consciência do meu tempo. Mas eu acho que não existe nenhuma contradição em querer fazer um cinema contemporâneo, um cinema-dúvida, que foge dos modelos definidos, mas onde eu acho que podem entrar o lado dramático, o lado exótico, o lado da grande narrativa. Acho que tem espaço pra tudo isso no cinema contemporâneo”, decreta.

“A África que se vê no filme é uma África de mentira, uma caricatura do continente feita pelos colonizadores, uma variação da imagem que o cinema americano criou para a África nos anos 1940, 1950. Hoje eu percebo que as pessoas fazem um demasiado esforço para ser fiéis aos fatos, mas acho que no cinema existe espaço para a ficção”, explica. É aí que Gomes cita uma de suas principais influências, o trabalho do cineasta alemão F. W. Murnau, autor de um filme homônimo ao seu, datado de 1931.

“Este filme é uma peça completamente única no cinema mundial. Murnau, que foi o maior diretor da história do cinema, teve liberdade completa para fazer um filme e escolheu justamente uma história encenada por nativos”, diz, se referindo ao longa que se passava em ilhas da Polinésia. Como no filme de Gomes, Murnau escolheu um lugar “exótico” e não teve pudores em criar uma história artificial que, para o português é um exemplo de “maestria cinematográfica”. Coincidentemente ou não, uma das personagens principais de “Tabu” se chama Aurora, título de um dos filmes mais famosos de Murnau.

Embora tenha apenas três longas e seis curtas no currículo, Gomes ganhou uma retrospectiva completa de sua obra na Mostra. Há quatro anos, “Aquele Querido Mês de Agosto”, seu filme anterior, de estrutura igualmente pouco ortodoxa, ganhou o prêmio da crítica no evento. “Tabu”, único filme que furou a regra da exclusividade da Mostra (foi exibido no Festival do Rio), pode seguir um caminho parecido, indica a primeira impressão dos jornalistas.

Antes de virar cineasta, Miguel Gomes foi crítico de cinema, mas, segundo ele, sua carreira como cinéfilo não combina com sua “pouca memória”. Declaração curiosa para um diretor que tem o tempo como instrumento temático. “Eu diria que o cinema também tem saudades de sua juventude. Porque existiu uma época em que os espectadores eram mais disponíveis, eram mais inocentes, estavam mais prontos pra receber aquelas imagens”, diz o cineasta que afirma que seu cinema está aberto para a visita dos “fantasmas do passado”.


Serviço

"Tabu", de Miguel Gomes (Portugal, Alemanha, Brasil, França)

Quando: Domingo (21), às 18h30
Onde: Sala Cinemateca - Sala BNDES - Largo Senador Raul Cardoso, 207 - Vila Clementino (sessão 230)

Quando: Segunda (22), às 20h50
Onde: Cinemark Eldorado 7 - Avenida Rebouças, 3.970, Shopping Eldorado - Pinheiros (sessão 365)