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Obsessão por reality show vira doença em comédia sombria do diretor de "Gomorra"

Diego Assis

Do UOL, em São Paulo

23/10/2012 15h12

Conhecido no Brasil por "Gomorra", retrato cru e violento da máfia napolitana, o premiado cineasta italiano Matteo Garrone volta aos holofotes da Mostra de São Paulo com "Reality". Apesar do que o título pode sugerir, seu novo longa-metragem não trata exatamente da "realidade", no sentido social ou político, mas dos programas de televisão que se apresentam como tal: os reality shows.

Na história, Luciano é um sujeito batalhador, que ganha a vida vendendo peixe em um mercado de rua e pratica pequenos golpes de contrabando para complementar a renda da família - uma típica "famiglia" napolitana, com aquelas tias que falam cantando, gritando e gesticulando sem parar com as mãos.

Vaidoso, relativamente jovem e bonito, ele aceita participar de um teste de seleção para o programa "Grande Fratello" - o "Big Brother" da TV italiana - apenas "para agradar a filha". Na verdade, é ele quem vê no programa uma oportunidade para ficar famoso e poder deixar para trás a vida de trabalho duro e pobreza que é obrigado a levar.

Com a ajuda de um ex-GF (o correspondente aos nossos ex-BBBs) chamado Enzo, típico arroz de festa que vive de aparecer em festas e eventos em troca de dinheiro, Luciano consegue o empurrãozinho que faltava e chega às etapas finais de seleção. Dali em diante, acredita, é questão de tempo até ser convocado. Qualquer chamada ao celular pode ser decisiva.

Para aqueles que se lembram de "Gomorra", é curioso notar como Garrone alterna da atmosfera de tensão e realismo de seu trabalho anterior para a chave de sonho e fantasia deste "Reality". Da primeira vez em que surge na tela, em meio a um casamento todo executado e decorado como um conto de fadas, Luciano está vestido de drag queen, com peruca azul, vestido brilhante e os braços tatuados e musculosos à mostra - tudo para se aproximar de Enzo, o ex-GF idealizado que não se cansa de repetir o bordão em inglês "Never Give Up" (nunca desista, em português).

Em entrevistas no início do ano, às vésperas do lançamento do longa no Festival de Cannes, onde recebeu pela segunda vez o Grande Prêmio do Júri, Garrone chegou a afirmar que sua intenção original era a de se afastar da carga pesada de "Gomorra" e fazer de "Reality" uma comédia. No final das contas, não foi bem assim: mesmo com momentos muito engraçados, a obsessão de Luciano em ser aceito no programa vai se transformando em algo patológico, uma paranoia a la "Show de Truman".

Apesar de descartar que seu objetivo último tenha sido o de fazer uma crítica social e de apresentar seu filme como "inspirado em uma história real", o cineasta revela em "Reality" a cultura de obsessão pela televisão e pelo universo das subcelebridades levada às últimas consequências na Itália de Berlusconi e tão bem retratada em um documentário chamado "Videocracy", de 2009. Talvez por nossas raízes algo italianas ou mesmo pelo nosso próprio fenômeno "Big Brother Brasil", não será tão difícil de traçar paralelos entre o Luciano de "Reality" e os nossos Bambans e Dourados da vida.

Em tempo: destaque absoluto no filme com uma atuação que foi comparada por muitos críticos à de um jovem Robert De Niro, Aniello Arena, o ator que vive Luciano em "Reality", é na vida real um ex-pistoleiro da máfia napolitana, que cumpre prisão perpétua por uma chacina contra uma gangue rival da qual participou em 1991. Deixou o cárcere durante as filmagens, mas não deve se tornar uma celebridade da TV ou do cinema tão cedo. Pena.

"Reality", de Matteo Garrone
Quando: terça (23), às 21h15, no CineSesc; quarta (24), às 21h40, no Cine Sabesp; quinta (25), às 21h30, no Espaço Itaú de Cinema - Frei Caneca - sala 3.
Mais informações: 36.mostra.org