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A Disney comprou a Lucasfilm... e agora?

George Lucas assina contrato em que passa a empresa Lucasfilms para a Disney, ao lado de Robert Iger, CEO da Disney, em Burbank, na Califórnia (30/10/12) - AP Photo/Disney, Rick Rowell
George Lucas assina contrato em que passa a empresa Lucasfilms para a Disney, ao lado de Robert Iger, CEO da Disney, em Burbank, na Califórnia (30/10/12) Imagem: AP Photo/Disney, Rick Rowell

Roberto Sadovski

Do UOL, em São Paulo

31/10/2012 09h04

Não dá para encarar de outra forma: a compra da Lucasfilm pela Disney por US$ 4 bilhões é a notícia mais importante para o cinema pop das últimas décadas. Ainda está cedo para avaliar as consequências do acordo, mas as possibilidades são inúmeras – e já deixaram fãs no mundo todo especulando com o futuro. Na prática, "Star Wars", "Indiana Jones", a Industrial Light & Magic e tudo o que George Lucas ajudou a criar agora fazem parte do estúdio do Mickey. O catálogo da Lucasfilm soma-se à Pixar e à Marvel (comprada também por US$ 4 bilhões pela Disney em dezembro de 2009), fazendo do estúdio uma verdadeira potência pop.

Com o anúncio de um "Star Wars: Episódio VII" já para 2015, o chefão da Disney, Bob Iger, começou o trabalho de deixar fãs ansiosos com as possibilidades. Como nem tudo são flores e a gente adora brincar de futurologia, listamos os prós e os contras do “empreendimento”

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  • Anunciada nesta terça-feira (30), a aquisição da LucasFilms pela Disney por US$ 4,05 bilhões inclui também a LucasArts, produtora de games como "Kinect Star Wars" e "Star Wars 1313", previsto para 2013.

Disney/Lucasfilm e o impacto nuclear que isso terá no cinema – como negócio e como entretenimento. Você está pronto para o futuro?

PRÓS

"Star Wars" sob nova direção
Há 35 anos, "Star Wars" segue a visão de um único homem: George Lucas. O que foi ótimo para a carpintaria da trilogia original (1977, 1980 e 1983) acertou uma barreira na nova trilogia (1999, 2002 e 2005).

Lucas dirigiu os três últimos filmes com mão pesada, o que deixou os fãs ressabiados com o diretor. O melhor filme de toda a série, "O Império Contra-Ataca", foi beneficiado pela visão do diretor Irvin Kershner. Com os planos da Disney em recolocar "Star Wars" nos cinemas em 2015 – com um novo filme da série a cada dois ou três anos –, é certo que outros cineastas vão compartilhar sua visão da série.

Joe Johnston e David Fincher, que trabalharam na Lucasfilm e nunca esconderam sua paixão pelo mundo criado por impérios e rebeldes e jedis, certamente estão na fila para colocar as mãos na caixa de brinquedos. Fincher, por sinal, era um dos escolhidos por Lucas para dirigir um dos filmes da nova trilogia – antes de o produtor decidir que ele mesmo assumiria as câmeras em todos os filmes. Johnston, que entre outras coisas criou o visual do caçador de recompensas Boba Fett, revelou que adoraria criar uma aventura solo do personagem. O momento é agora.

Por falar em momento, como seria um "Star Wars" pelas mãos de Steven Spielberg? Ou de Christopher Nolan? Ou mesmo Brad Bird? Quando Lucas se afastou de sua empresa há alguns meses, ele chegou a dizer que, embora "Star Wars" continuasse como animação, games, livros e histórias em quadrinhos, a carreira da série no cinema estava terminada. “Não tenho mais ideias”, disse. Com a gerência nas mãos da Disney, as ideias terão outras fontes. Lucas, por sinal, continua como “consultor criativo”, mas a presidência da Lucasfilm passa para a produtora Kathleen Kennedy. Entre outros filmes, ela é responsável por "E.T. – o Extraterrestre" e as séries "Jurassic Park" e "De Volta Para o Futuro". Não é difícil afirmar que a Lucasfilm – e "Star Wars" em particular – está em boas mãos.

"Episódio VII"
O que aconteceu com Han Solo e a princesa Leia? Luke Skywalker vai recriar o legado dos jedis? Como ficou o Império Galáctico depois da morte de Palpatine? Desde 1983, quando "O Retorno de Jedi" encerrou a saga Star Wars (pelo menos até então), essas perguntas foram, em parte, respondidas em livros e histórias em quadrinhos que expandiram o universo da série fora do cinema. Mas este futuro permaneceu oculto no cinema, já que a nova trilogia explorou o que aconteceu para Anakin Skywalker se tornar Darth Vader – e a animação "Guerras Clônicas" se passa num período entre essas prequels.

Em 2015 isso vai mudar, já que o primeiro projeto Disney/Lucasfilm é justamente "Star Wars: Episódio VII", que inicia uma nova trilogia abordando o período depois da queda do imperador. A partir daí, tudo é especulação. Será que os personagens da saga original, como Han, Luke e Leia, dariam as caras no novo filme? Além disso, a nova trilogia é apenas o ponto de partida para que o universo Star Wars seja ainda mais escancarado. Lucas afirmou que tem algumas ideias para além do "Episódio IX", e a partir daí a série pode seguir o modelo James Bond, com aventuras conectadas em um único universo. Além disso, a Disney caminha para dominar o verão americano em 2015, com este novo "Star Wars" e "Vingadores 2". Boa sorte para a concorrência.

Pixar e Marvel dão o tom
A Pixar pertence à Disney, mas o caminho do estúdio está ligado às decisões de John Lasseter. A Marvel também é parte do conglomerado da casa do Mickey, mas criativamente é independente e segue nas mãos do produtor Kevin Feige. Nos dois casos, os executivos da Disney não interferem nas decisões criativas dos estúdios, e este ambiente abre espaço para que os filmes sigam as decisões de seus criadores, e não de engravatados. Com bilhões em caixa com seus “produtos”, Pixar e Marvel seguem caminho quase independente dentro do organograma da chefia.

É certo que a Lucasfilm, sob o comando de Kathleen Kennedy, se espelhará neste modelo de negócios. Com liberdade para tocar principalmente a franquia Star Wars, a presidente da empresa vai poder contratar o talento necessário para escrever e dirigir as próximas incursões do universo no cinema. É certo assumir que o esquema da Marvel será seguido: sem entregar os filmes a diretores consagrados que tenham suas próprias ideias em como conduzir os personagens, mas a cineastas talentosos ainda sem força nas bilheterias para fazer exigências absurdas e dispostos a trabalhar em equipe. Foi assim com Jon Favreau e Louis Leterrier. Foi assim também com veteranos como Joe Johnston e Kenneth Branagh. E também com Joss Whedon, que transformou "Os Vingadores" em um colosso de US$ 1,5 bilhão. O que "Star Wars" precisa é disso: gente nova que trabalhe em equipe.

"Star Wars" na TV pode ter uma casa
Há alguns anos, desde que "A Vingança dos Sith" estreou em 2005, George Lucas flerta com a ideia de construir uma série de TV com a grife Star Wars. Com o título de trabalho "Underground", o programa estaria situado entre as duas trilogias para cinema e exploraria a busca pelo poder entre criminosos e políticos com a queda da República. A ideia seria produzir a série de forma independente e encontrar uma “casa” razoável para exibir o projeto. Com a compra da empresa pela Disney, é razoável assumir que "Star Wars: Underground" deve fazer parte da programação da rede ABC, que faz parte do conglomerado.

Mas não segure o fôlego. Diz a lenda que os roteiros de uma centena de episódios já estão escritos e que a única coisa que impede a série de existir é tecnológico: os custos ainda são proibitivos para produzir basicamente um minifilme com a marca Guerra nas Estrelas por semana.

Só com o avanço da tecnologia de efeitos especiais o custo de cada episódio cairia para níveis aceitáveis para qualquer rede de TV – ou mesmo para a Lucasfilm, agora com os dólares da Disney. A prioridade para "Star Wars" em casa ainda serão jogos de videogame para consoles, computadores e portáteis. É a expansão do Império em sua casa.

Star Wars...Apresenta?
A saga no cinema contou basicamente uma história: da queda e redenção de Anakin Skywalker, um poderoso cavaleiro jedi que cede ao Lado Negro da Força e, no fim, sacrifica-se para destruir o imperador e salvar a galáxia (se você nunca viu nenhum dos filmes, desculpe pelos spoilers...). Mas a história não termina – e nem começa – aí. Em centenas de livros, videogames, histórias em quadrinhos e séries animadas, o universo de Star Wars cresceu e ganhou novos personagens, diversos conflitos e um sem número de novas “sagas”, desde o destino de velhos conhecidos como tramas passadas milênios antes de Jar Jar Binks macular a infância de dezenas de fãs.

O mundo dos Cavaleiros Jedi é riquíssimo, e pode dar vida a uma série independente de aventuras espaciais. O mesmo vale para os Guerreiros Sith (os malvadões da história) e mesmo para coadjuvantes, como soldados, mercenários e caçadores de recompensa. As tramas podem ou não ter ligação com o núcleo principal da série, mas seria bacana de fato expandir o universo e descobrir o que novos criadores podem bolar, no cinema, com a caixinha de brinquedos do tio Lucas. Se alguém pensou em "Star Wars: Boba Fett", saiba que Joe Johnston pensou primeiro...

CONTRAS

Fim da parceria com a Dark Horse

Há anos as aventuras da saga Star Wars nos quadrinhos são publicadas de forma brilhante pela editora independente Dark Horse Comics. Desde 1991, séries como "Cavaleiros da Velha República" e "Contos dos Jedi" ganharam novos personagens e contribuíram, sempre com a bênção de George Lucas, para enriquecer o mundo que ele criou. Com a aquisição da Lucasfilm pela Disney, é provável que, quando os contratos terminarem, qualquer história em quadrinhos com a marca Star Wars seja publicada – e você adivinhou – pela Marvel. Não seria estranho, já que foi na editora do Homem-Aranha e dos X-Men que a série ganhou a arte sequencial ainda nos anos 70: entre 1977 e 1986, a série durou 107 edições e três anuais. Mas eram tramas herméticas, sem preocupação em expandir as ideias de Lucas, com a única preocupação de dar ao público mais Luke, Han e Darth Vader. Com uma grande editora como a Marvel preocupada em sempre reinventar seus personagens-chave, o tipo de visão para o universo Star Wars parece... limitada.

Indiana Jones 5 no Estaleiro
"Star Wars" pode ser a grande gema da Lucasfilm, mas "Indiana Jones" também faz parte do “pacote” comprado pela Disney. Ainda assim, o arqueólogo está atrelado a um contrato de distribuição com a Paramount, e uma quinta aventura do herói, sempre discutida entre Harrison Ford e Steven Spielberg, dependia do martelo de George Lucas para acontecer. Bom, a situação mudou. Embora a nova chefona da Lucasfilm, Kathleen Kennedy, seja também produtora de todos os filmes de Indy, a prioridade agora é "Star Wars", o novo filme e todas as suas ramificações. Desta forma, um quinto "Indiana Jones" – destinado a limpar a memória do irregular "O Reino da Caveira de Cristal" – vai demorar mais a acontecer. Com Ford encostando nos 70 anos e Spielberg tocando a vida com seus projetos, um novo filme com essa equipe parece mais e mais distante. Mas isso nunca impediu que James Bond durasse cinco décadas e 23 filmes, certo?

Nada mais da fanfarra da Fox
O logo da Fox, que distribuiu todos os filmes da saga desde o original de 1977, parece parte do DNA de "Star Wars". Mas vai ficar na história.

Embora ainda tenha controle dos seis filmes da saga no cinema – pelo menos até contratos serem encerrados – a distribuição de "Episódio VII" estará a cargo da Disney. A verdade é que a Fox nunca foi dona de "Star Wars". O contrato com George Lucas era de distribuição com números acertados no papel: a Lucasfilm sempre bancou os filmes sozinha.

Embora o relançamento em 3D de "Ataque dos Clones" e "A Vingança dos Sith", ambos programados para 2013, permaneça inalterado, é certo que a versão tridimensional da trilogia clássica já aparecerá com o logo do estúdio do Mickey – provavelmente em 2014, amarrando o lançamento de "Episódio VII" no ano seguinte. Mas sem a fanfarra da Fox.

Crossovers bizarros
Desde que a Marvel foi comprada pela Disney, o temor dos fãs era sobre uma certa mistura dos universos em aventuras pontuais. Até o momento, no entanto, o Homem-Aranha não dividiu nenhuma trama com Mickey Mouse.

Mas, embora os personagens da Marvel não se prestem a esse tipo de iniciativa, muito do universo de Star Wars já parece parte do mundo Disney. "Droids", animação que trazia as aventuras de R2-D2 e C-3PO, trazia a mesma assinatura infantil dos clássicos Disney na TV. O mesmo pode ser dito dos Ewoks, os ursinhos fofinhos de "O Retorno de Jedi" – e protagonistas de dois filmes para a TV e uma série animada. Com um catálogo de personagens assim, estamos mesmo longe de ver um especial Ewoks/Mickey? Ou Jar Jar Binks/Pateta? Brrrr...

Lucas como consultor
“Quero ver uma nova geração de cineastas dar sua visão da saga Star Wars.” Palavras bonitas de George Lucas, que até pouco tempo conduzia seu universo como o próprio Palpatine. Gênio, sim. Mas um gênio cansado, que se beneficiaria de sangue novo ao criar a nova trilogia.

Embora ele tenha passado a tocha com a venda da Lucasfilm, George continua ligado à série como “consultor criativo”. A pergunta é: ele terá um papel como Stan Lee, aparecendo em convenções e falando dos primórdios da saga, mas sem input real nos filmes; ou ele será um consultor chave, ainda ditando os caminhos de Guerra nas Estrelas do "Episódio VII" em diante? A resposta, pelo menos do lado de cá, é fácil: obrigado por tudo, George, e aproveite sua aposentadoria de US$ 4 bilhões...