Filme sobre fascismo alerta para o uso do poder de sedução das imagens na política de hoje
Depois de visitar suas memórias da ditadura argentina (“Garage Olimpo” e “Figli/Hijos”) e a questão indígena no Brasil (“Terra Vermelha”), o cineasta Marco Bechis revisita a memória do país de seu pai no documentário “O Sorriso do Chefe”, terceira participação do cineasta na Mostra de São Paulo (veja o quadro ao lado).
Bechis nasceu no Chile, de mãe chilena de origem franco-suíça e pai italiano, e viveu a juventude entre São Paulo e Buenos Aires antes de se fixar em Milão. É um dos componentes dessa identidade múltipla que ele aborda em seu novo filme, um documentário sobre o uso da imagem e do cinema pelo fascismo.
O filme é montado a partir de arquivos do Instituto Luce, criado por Mussolini para cultuar sua personalidade e difundir os ideais fascistas de ordem e uniformidade. Nos filmes criados durante o período de seu governo, além dos discursos inflamados do “Duce”, pode se ver um idealizado esplendor industrial e uma população comprometida com os esforços de guerra e com os propósitos do regime, trabalhando em fábricas, praticando esportes e marchando pelas ruas.
Em “O Sorriso do Chefe”, essas imagens são pontuadas por falas de alguém que viveu aqueles anos e ainda mostra perplexidade ao admitir que foi um dos que se deixou levar pela aura criada por Mussolini: o próprio pai do cineasta, Ricardo Becchis.
“Primeiro, eu comecei a olhar o material e depois me dei conta de que o que estava buscando eram imagens que eu já tinha na cabeça, que eram histórias do meu pai, que participou da [Segunda] Guerra. Então, disse a ele que faríamos esse trabalho juntos”, conta Bechis.
“Achei muito mais interessante fazer um discurso sobre como foi construído o consenso, sobre como foi construída essa falsa imagem de que tudo ia bem, do que mostrar um fato histórico com imagens que tão pouco contam esse fato histórico”, afirma o cineasta.
Este discurso é feito pela costura dos filmes da época, em cortes que ora acentuam o efeito dramático, ora dão tão de ironia e provocam risos nos espectadores.
TRAILER DO FILME "O SORRISO DO CHEFE"
“Eu estava interessado no efeito daquelas imagens sobre a cabeça do espectador hoje. Porque eu acho que essas técnicas de manipulação para fins políticos ainda são utilizadas na política atual. Essa foi a primeira experimentação de propaganda política com o cinema. Ninguém era tão bom quanto Mussolini, porque Mussolini foi um grande ditador – eu não tenho nenhuma simpatia por ele –, mas tinha a capacidade de falar que poucos tinham. Então, o que eu queria era, de forma provocativa, mostrar o perigo que são os populismos”, diz.
Sobre as implicações que essa capacidade de seduzir pela imagem ainda têm na política de hoje, Bechis lembra do ex-primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi. “O fascismo como ditadura acabou. Mas se vamos falar desse populismo das imagens, é o mesmo que hoje. Esse é o perigo. A Itália passou 18 anos vivendo isso, com um cara chamado Berlusconi – que não tem nada a ver com Mussolini, porque era uma democracia, todo mundo votou nesse cara. Mas sua capacidade de sedução, de dizer ‘eu sou como vocês, eu não era nada e hoje sou muito rico’, é muito perigosa”.
“Quando eu fiz o filme, Berlusconi estava no governo. Eu não queria falar dele – é muito fácil, muito comercial, mas não é correto, porque não tem que comparar duas coisas diferentes. Além disso, mesmo se sou profundamente antifascismo e muito de esquerda, acho que Mussolini era muito mais capaz que Berlusconi, retoricamente, com sua capacidade oratória e como político. Era um animal político. O outro é um empresário que se envolveu na política e usou o país como seu grande negócio”, conclui.
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