Marco Bechis diz que Mostra de SP é mais agradável do que grandes festivais
Marco Bechis é um cineasta difícil de definir pela nacionalidade. Nascido no Chile em 1955, de mãe chilena de origem franco-suíça e pai italiano, ele viveu a juventude entre São Paulo e Buenos Aires, envolveu-se na oposição à ditadura Argentina e foi expulso do país em 1977, quando então se instalou em Milão, onde vive até hoje.
Essa multiplicidade de identidades se reflete em sua filmografia, que trata, entre outros assuntos, da ditadura Argentina (“Garage Olimpo”), da questão indígena no Brasil (“Terra Vermelha”) e agora também do fascismo, com o documentário “O Sorriso do Chefe”, que traz à edição 2012 da Mostra de São Paulo (veja no quadro ao lado).
Esta é a terceira participação de Bechis no evento: abriu a edição de 2008 com “Terra Vermelha” (coescrito com o roteirista brasileiro Luiz Bolognesi) e participou como jurado em 2009.
Em entrevista ao UOL, ele fala de sua identidade múltipla, de sua visão do cinema e da experiência com o cinema brasileiro.
UOL - Esta é a terceira vez que você participa da Mostra. Como você vê o evento dentro do panorama dos festivais internacionais?
Marco Bechis - Muito bem, com muita liberdade para ver, não ver, discutir, um público atento – as questões que me levantaram são mais profundas do que muitas que fizeram na Itália, sobre um filme italiano. São mais atentas à linguagem. Acho que é uma experiência muito forte vir aqui e me sentir em casa. Aqui, o aspecto competitivo é menor que nos demais eventos, isso é bom. Não gosto muito dos festivais como Cannes e Veneza, onde a tensão é muito forte, mesmo que lá circulem muitos produtores americanos. Mas acho que como espectador de uma mostra, é muito mais agradável uma como a de São Paulo do que qualquer outra.
Você nasceu no Chile, morou no Brasil e na Argentina e hoje vive na Itália. Essas experiências tão diversas se refletem no seu trabalho?
Eu sempre digo que estou muito bem quando vou a um aeroporto, porque já saí de um lugar e ainda não cheguei a outro. Estar em um aeroporto é o mais próximo à minha identidade. Mas o que me interessa do cinema é seu valor universal. E por isso fico muito contente com um filme como “Terra Vermelha”, que eu fiz sobre os índios Caiovás – que é como se fosse de outro planeta para quem está aqui em São Paulo, porque é um tema que os brasileiros não querem escutar. A minha especialidade é abrir as orelhas. Eu fiz isso na Argentina e aqui também. Acho que um cineasta contemporâneo é sobretudo um homem curioso.
Você tem experiência com cinema em vários países. Como vê o mercado nesses cinemas que não são hollywoodianos?
O cinema é uma arte, como todas as artes, mas com o cinema você precisa do dinheiro antes da obra. Você precisa fazer, se não, não tem cinema. Mas cinema se pode fazer de muitos jeitos. Os espaços são muito difíceis de conquistar, eu conquistei o meu espaço, continuo nessa batalha. Mas acho também que o público precisa ser escutado. O público não é um número, são pessoas. Tem gente que raciocina em cima de milhões na bilheteria. O que são milhões? Se o filme é ruim, não é mais que uma cópia de um produto televisivo, não tem nenhuma diferença entre isso e vender em uma loja de departamento um produto barato, que vai estragar em dois anos, para gente pobre do interior. Acho que tem que haver um equilíbrio. Eu gostaria de fazer filmes que fossem vistos por todo mundo, mas dando a oportunidade de utilizar o filme para trocar ideias sobre as coisas que estamos vendo, não somente para comer pipoca e voltar para casa iguais a como saíram.
Tendo feito cinema em tantos lugares, você se considera um cineasta italiano, um herdeiro dessa tradição?
Não. Eu me considero um cineasta bastante poliglota. Falo cinco línguas, me sinto muito confortável em muitos lugares – na Argentina, no Brasil –, tenho projetos para filmar na Itália, para voltar à Argentina. Mas não tenho limites, não sou dos que tem seu pequeno jardim e fica fechado ali. Gosto muito da interculturalidade, é muito enriquecedor ver seu trabalho em diferentes lugares do mundo. O cinema é uma grande família de gente que tem códigos em comum.
TRAILER DO FILME "O SORRISO DO CHEFE"
Depois do surgimento de diretores como Matteo Garrone, além de outros nomes, fala-se de uma retomada do cinema italiano. Você acredita nisso?
Matteo, que é um amigo, fez um bom filme, “Gomorra”, que tem muito a ver com meu filme “Garage Olimpo”, é uma estética muito próxima, de como filmar a violência de uma maneira nada hollywoodiana. Um outro nome é o [Paolo] Sorrentino. São jovens que estão começando a fazer um cinema diferente. Mas o que foi o velho cinema italiano, isso acabou, não tem mais. Eu não apostaria que é um movimento de retomada, são pessoas que fazem um cinema diferente, que pode chegar até aqui. Mas também tem um cinema que não vai chegar nunca, porque é muito televisivo. Eu acho que o cinema televisivo não vai a lugar nenhum. Pode ser que vá muito bem de bilheteria no país, mas não vai sair, porque o código televisivo não interessa a ninguém, é muito local.
“Terra Vermelha” foi uma coprodução com o Brasil, que você escreveu com o Luiz Bolognesi. Você tem algum novo projeto para fazer por aqui?
Tenho mas não vou dizer porque dá azar! Mas já estou escrevendo um argumento e vendo se dá para fazer uma coprodução brasileira, como foi com “Terra Vermelha”.
De novo com o Luiz?
Pode ser. E com a [produtora] Gullane também. Foi uma boa experiência.
Além do Luiz, tem outros cineastas brasileiros que você acompanha e gosta do trabalho?
Eu fiquei muito impressionado, quando estava filmando “Terra Vermelha”, com o filme “Iracema [, uma Transa Amazônica]”, de [Jorge] Bodansky, pai da Laís, gostei muito. Achei esse filme muito moderno ainda hoje. Mas falar sobre a cinematografia brasileira seria muito longo, um discurso à parte. Mas, por exemplo, não sou fã de “Cidade de Deus”, achei um filme muito publicitário, onde até o lixo é bonito. Tem essa preocupação com os meninos com as armas nas mãos, que disparam nos pés, mas que não são meninos perdidos com um saco de cola na cara. Isso eu não vi no filme, porque não é cinematográfico, não é rápido, não é americano. Eu respeito o sucesso de um filme assim no mundo, foi muito importante, mas não gosto.
E “Tropa de Elite”, que é o outro filme brasileiro de grande sucesso no mundo?
É curioso porque quando eu estava no júri do Festival de Roterdã uns anos atrás, vi um fime que se chamava “Ônibus 174”, que foi o primeiro do Padilha. Conheci ele, disse que era um bom filme. Depois soube de seu sucesso com “Tropa de Elite”. Eu vi, mas acho que esse tem outro problema. O tema escapou da mão. Falar da polícia e da tortura como um mal necessário é profundamente errado. Também não gostei. Mas me falam bem do “Tropa de Elite 2”, que eu não vi. Acho que ele escutou meus comentários – não só os meus, que muitos fizeram, e mudou a postura política.
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