Topo

Obsessão plástica de "Mystery" esconde banalidade de trama cheia de clichês

Cena de "Mystery" - Divulgação
Cena de "Mystery" Imagem: Divulgação

Chico Fireman

Do UOL, em São Paulo

01/11/2012 01h26

Os interesses estéticos do chinês Lou Ye geralmente se sobressaem em seu cinema. Seja no documento histórico “Palácio de Verão”, seja do drama gay “Febre de Primavera”, o cineasta deixa claro seu preciosismo visual, demonstrando domínio de espaço, de movimentos de câmera e da paleta de cores. Mas se os trabalhos anteriores eram harmônicos, com roteiros bem acabados sobre temas relevantes, seu último longa, “Mystery”, é uma decepção.

O maior pecado de Lou Ye talvez seja deixar todo o resto em segundo plano em prol da busca pela beleza, como se fazer um filme fosse um pedágio para que ele possa pintar seu quadro. Quase todo o mérito de “Mystery”, em cartaz na 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, está na tela borrada ora pelos chicotes de câmera, ora pelo slow-motion sob a chuva.

As peripécias visuais que o cineasta opera com um certo talento escondem uma história de suspense frágil que mistura morte e traição. O rocambole do roteiro se espalha por todos os lados: diálogos que abusam do lugar comum, personagens que parecem saídos de novelas mexicanas e  uma sucessão de coincidências que desafia a inteligência do espectador. “Mystery” certamente é um filme que mira num público bem menos exigente do que assistiu aos outros trabalhos de Lou Ye. Mas isso pode ter uma explicação.

Quando fez “Palácio de Verão” em 2006, o cineasta irritou o governo chinês com seu retrato do Massacre na Praça Celestial, que chocou o mundo em 1989. Resultado: foi censurado e amargou uma proibição de cinco anos sem poder filmar no país. Sua resposta foi justamente “Febre de Primavera”, rodado às escondidas e com um tema delicado: a homossexualidade. “Mystery” é o primeiro longa que ele dirigiu na China de pazes feitas com seu país.

O cineasta deve ter decidido não correr riscos e o que seria menos perigoso do que dirigir um melodrama matrimonial? Se não ofendeu o governo chinês, esse “cala-boca” desmerece sua carreira, que sempre se pautou pela ousadia temática. O talento para criar belas imagens continua lá, mas o roteiro cheio de truques e clichês chama mais atenção. Por isso, encarar um filme raso feito “Mystery” como um protesto do diretor contra a censura talvez seja a maneira mais simpática – nem sempre a mais justa – de se olhar para o novo trabalho de Lou Ye.