Obsessão plástica de "Mystery" esconde banalidade de trama cheia de clichês
Os interesses estéticos do chinês Lou Ye geralmente se sobressaem em seu cinema. Seja no documento histórico “Palácio de Verão”, seja do drama gay “Febre de Primavera”, o cineasta deixa claro seu preciosismo visual, demonstrando domínio de espaço, de movimentos de câmera e da paleta de cores. Mas se os trabalhos anteriores eram harmônicos, com roteiros bem acabados sobre temas relevantes, seu último longa, “Mystery”, é uma decepção.
O maior pecado de Lou Ye talvez seja deixar todo o resto em segundo plano em prol da busca pela beleza, como se fazer um filme fosse um pedágio para que ele possa pintar seu quadro. Quase todo o mérito de “Mystery”, em cartaz na 36ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, está na tela borrada ora pelos chicotes de câmera, ora pelo slow-motion sob a chuva.
As peripécias visuais que o cineasta opera com um certo talento escondem uma história de suspense frágil que mistura morte e traição. O rocambole do roteiro se espalha por todos os lados: diálogos que abusam do lugar comum, personagens que parecem saídos de novelas mexicanas e uma sucessão de coincidências que desafia a inteligência do espectador. “Mystery” certamente é um filme que mira num público bem menos exigente do que assistiu aos outros trabalhos de Lou Ye. Mas isso pode ter uma explicação.
Quando fez “Palácio de Verão” em 2006, o cineasta irritou o governo chinês com seu retrato do Massacre na Praça Celestial, que chocou o mundo em 1989. Resultado: foi censurado e amargou uma proibição de cinco anos sem poder filmar no país. Sua resposta foi justamente “Febre de Primavera”, rodado às escondidas e com um tema delicado: a homossexualidade. “Mystery” é o primeiro longa que ele dirigiu na China de pazes feitas com seu país.
O cineasta deve ter decidido não correr riscos e o que seria menos perigoso do que dirigir um melodrama matrimonial? Se não ofendeu o governo chinês, esse “cala-boca” desmerece sua carreira, que sempre se pautou pela ousadia temática. O talento para criar belas imagens continua lá, mas o roteiro cheio de truques e clichês chama mais atenção. Por isso, encarar um filme raso feito “Mystery” como um protesto do diretor contra a censura talvez seja a maneira mais simpática – nem sempre a mais justa – de se olhar para o novo trabalho de Lou Ye.
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