Voltado para confissões, documentário "Bully" traz histórias de jovens traumatizados nos EUA
Há quem ache absurdo uma criança sofrer qualquer tipo de agressão, verbal ou física, dentro de uma escola supervisionada por pedagogos e professores. Outros preferem pensar que o bullying "forma caráter" e que as brincadeiras entre jovens são, em geral, inofensivas. A opinião do cineasta Lee Hirsch, registrada no documentário "Bully", é transmitida por meio de jovens norte-americanos que passaram pelo problema e emprestam ao filme um tom de confissão e desabafo.
Exibido durante a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o longa tem estreia prevista no circuito nacional no dia 9 de dezembro. O filme começa com o relato de David Long (veja trailer abaixo), pai de Tyler Long, um adolescente de 17 anos que se suicidou por conta do assédio dos colegas no colegial.
A fala emocionada, típica de documentários norte-americanos, é a tônica do filme, que conta com longas pausas silenciosas entre os depoimentos e registra constantemente os olhos vermelhos de choro de pais desesperados e filhos que se sentem perseguidos.
"Como você deixa isso acontecer?"
O fio condutor do documentário é Alex, um estudante de 12 anos em Sioux City, no estado de Iowa. Diariamente, o rapaz é ignorado, xingado e alvo da galhofa dos colegas na escola, mas para ele o pior momento é o trajeto até o local, percorrido dentro do ônibus escolar. Com câmeras ocultas, a produção do documentário registrou socos no braço, empurrões e estrangulamentos no garoto.
TRAILER LEGENDADO DO DOCUMENTÁRIO "BULLY", DE LEE HIRSCH
Até mesmo os pais reclamam com o garoto. "Como você deixa isso acontecer?", fala o pai quando o filho relata os abusos que sofre dentro do ônibus escolar. Para piorar o sentimento de culpa do jovem, o pai ainda cita a irmã mais nova, que poderia passar pelo mesmo constrangimento caso Alex não fizesse nada. A mãe também repreende o garoto, que tem vergonha de relatar os detalhes do que se submete no colégio. A opinião dos pais só muda quando as imagens das agressões são mostradas.
Também alheios à real condição de Alex, os coordenadores da escola acreditam que nada está errado dentro do ônibus. Limitam-se a dizer que nada podem fazer quando confrontados pelos pais "recém-iluminados" do rapaz.
Garotos, garotas e Kelby
O caso da jovem Kelby Johnson, de 15 anos, parece ser ainda mais grave do que o de Alex. Perseguida na cidade onde mora, ela precisou aguentar até uma tentativa de atropelamento com um utilitário esportivo. Homossexual assumida, Kelby enfrenta um universo maior do que o da escola e precisa lidar com o preconceito dos habitantes de uma cidade conservadora nos Estados Unidos.
Em um dos momentos mais revoltantes do longa, Kelby relata a distinção feita em tom de brincadeira por um professor, que lista os alunos por gênero durante a chamada: "garotos antes, depois garotas, em seguida Kelby".
Há ainda o relato de Ja'Meya, uma aluna exemplar que foi parar na detenção juvenil por ter perdido a paciência com o bullying dos colegas e sacado uma arma engatilhada dentro de um ônibus escolar, e dos pais de Ty Fields, um garoto de apenas 11 anos que se matou e teve o enterro filmado pela equipe de Hirsch.
Briga entre cinemas
Focado no depoimento dos participantes, o filme somente aponta para uma solução concreta ao problema durante um debate que os pais de Tyler Long ajudaram a organizar: uma fiscalização mais rígida dentro do sistema educacional norte-americano por parte de pais e mestres e o estímulo de um ambiente cooperativo para que os jovens sintam-se à vontade para relatar o que sofrem.
Sem mostrar exatamente como essas mudanças poderiam ocorrer, o documentário prefere adotar o discurso do "faça você mesmo" para incentivar os envolvidos a lutarem contra o bullying. Seja com reuniões de grupos para divulgação do problema do bullying -- que chega a ser classificado como epidemia -- ou com propostas que se assemelham a uma militarização do ambiente escolar, as imagens de "Bully" revelam a opção de Hirsch por simplesmente alertar a população norte-americana para o problema.
Mas nos Estados Unidos, o documentário gerou polêmica mesmo entre as redes de cinema. O problema foi a recusa da Weinstein Company, produtora responsável pelo longa, em utilizar a classificação indicativa proposta pelo órgão responsável no país. A recomendação era de que apenas maiores de 18 anos poderiam ver o filme por conta da linguagem explítica envolvendo crianças.
Durante a queda de braço entre o órgão regulador e os estúdios, a rede de salas de cinema AMC decidiu permitir que menores de 18 anos assistissem ao filme. A rede Cinemark proibiu a reprodução do longa até que a recomendação fosse atendida. No final das contas, os produtores editaram parte do material, enquanto a classificação indicativa foi reduzida para 13 anos.
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