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Diretores na lanterna das bilheterias de 2012 reclamam de falta de incentivo para distribuição

Eriberto Leão e Nanda Costa em cena de "Um Homem Qualquer" - Divulgação
Eriberto Leão e Nanda Costa em cena de "Um Homem Qualquer" Imagem: Divulgação

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

21/12/2012 05h00

Apesar do notável crescimento da produção nacional em 2012, muitos filmes brasileiros ainda passam despercebidos pelo público brasileiro. Neste ano, mais de 30 produções nacionais arrecadaram menos de R$ 100 mil durante o tempo em que ficaram em cartaz. Diretores que figuraram entre os últimos da lista disseram ter enfretado muitas dificuldades para exibir suas produções devido a falta de incentivo do governo e indisposição das salas de cinema. Com prêmios, atores conhecidos e boas críticas, os filmes aqui tratados não conseguiram levar mais de duas mil pessoas ao cinema. Ao UOL, os diretores avaliam o cenário cinematográfico brasileiro e se os temas escolhidos ajudaram no naufrágio.

Bom desempenho

O cinema brasileiro demonstrou em 2012 o mesmo bom desempenho do ano passado. A Ancine (Agência Nacional do Cinema) divulgou uma lista parcial das bilheterias do ano, que já traz dois filmes brasileiros com mais de 1 milhão de espectadores: “E aí, Comeu?” e “Até que a Sorte nos Separe”. “Os Penetras” também deve aparecer bem cotado no balanço final deste ano e “De Pernas para o Ar 2”, que estreia no dia 28 de dezembro, também é promessa de boa bilheteria.

Por conta desse crescimento constante, a Ancine estabeleceu metas bem altas para o cinema brasileiro nos próximos oito anos. Em um plano de diretrizes divulgado recentemente, a intenção é que o Brasil passe da décima para a quinta posição como maior consumidor e produtor em audiovisual no mundo. Para a Ancine, as metas têm sustentação no desempenho que o setor já apresenta. O mercado das salas de cinema cresceu 8% no ano passado.

Segundo longa-metragem de Petrus Cariry, “Mãe e Filha”, que conta a história de uma mulher que leva o filho natimorto para enterrar no sertão nordestino, recebeu mais de 30 prêmios e participou de cerca de 40 festivais, mas o bom desempenho não garantiu o bom público nas salas de cinema. Produzido com R$ 170 mil, considerado de baixo orçamento, o filme estreou em três salas, arrecadou menos de R$ 4 mil e foi visto por apenas 612 pessoas. “Distribuição é uma coisa complicada no país. Com o cinema autoral, a gente não consegue espaço. Vem um blockbuster e toma 800 salas”, diz Cariry.

"Mãe e Filha" é o segundo filme da "trilogia da morte", criada por Cariry. O primeiro foi "Grão" e o terceiro será "Clarisse". Mesmo com o mau desempenho nas bilheterias, o diretor diz que não pensa em mudar a temática para atrair mais público. “Não penso nisso. Não quero fazer o filme da temporada que ninguém vai lembrar daqui três anos”, disse ele.

Para o diretor André Luiz Oliveira, que lançou neste ano o filme “Sagrado Segredo”, considerado pelo crítico Inácio Araújo um “raro filme brasileiro atual a escapar da insignificância”, a lógica utilizada pelas salas de cinema pode ser fatal para filmes com poder menor de divulgação. “Se você não conseguir mobilizar as pessoas na primeira semana, seu filme está condenado”, disse ele.

Com orçamento de R$ 130 mil, o documentário que narra a representação da Paixão de Cristo na Semana Santa, em Planaltina (DF), arrecadou pouco mais de 4 mil reais e contou com público de 477 pessoas. Segundo Petrus, o ideal seria que filmes pequenos ficassem mais tempo em cartaz para que o boca a boca levasse mais pessoas ao cinema.

André Luiz Oliveira, no entanto, reconhece que houve resistência do público e dos críticos em relação ao tema escolhido na produção. “Eu reconheço que meu filme tem um tema difícil, mas as pessoas não saberem que estava em cartaz é um pouco demais. É estranho. Às vezes, eu assisto a filmes excelentes por acaso”, diz ele.  “Estou até escrevendo um livro para tentar explicar por que a religiosidade é olhada com desconfiança pela intelectualidade brasileira, sobretudo a cinematográfica. Eu acho que ninguém quer falar de Jesus Cristo”, diz André Luiz Oliveira.

Em sua estreia como diretor, Caio Vecchio fez um filme com muitas estrelas: Carlos Vereza, Eriberto Leão, Nanda Costa, o que também não foi suficiente para a boa bilheteria. "Um Homem Qualquer" é inspirado em Raimundo Arruda Sobrinho, morador de rua de Pinheiros, bairro de São Paulo. Com orçamento de R$ 1 milhão, a produção arrecadou somente R$ 8.811,98.

Para Caio, apesar de a Lei de Incentivo ter aumentado muito a produção nacional nos últimos 20 anos, ainda é necessário fortalecer todas as áreas do mercado audiovisual. “Fazer o filme dar dinheiro na bilheteria é o grande desafio. A hora que isso for vencido, a gente fecha o ciclo”, diz Vecchio.

Para o diretor, o governo precisa atuar em duas frentes: continuar investindo em filmes comerciais para que o cinema brasileiro seja tão lucrativo quanto o americano e estimular o cinema autoral por meio de editais. “Tanto produtores quanto governo têm que perceber que existem dois nichos de mercado e preparar projetos que combinem com eles”, diz Vecchio. Com o ciclo amarrado, o cinema, segundo Vecchio, daria mais estabilidade para os profissionais envolvidos. “Sem investimento, você trabalha como um louco por dois meses e fica parado o resto do ano. Muitas pessoas que trabalharam no meu filme já mudaram de área”.

O produtor de "Um Homem Qualquer" Toni Domingues diz que aprendeu muito com a produção apesar das dificuldades. "Não me sinto desmotivado para encarar um próximo filme. Foi o primeiro projeto que fizemos de verdade. Valeu a experiência. Quando eu entrar em um novo filme, vou pesquisar público. Isso não te dá garantia porque cinema é um mercado de apostas, mas dá para chegar mais preparado".

Aly Muritiba, um dos diretores do filme “Circular”, que arrecadou pouco mais de R$ 14 mil apesar de ter Letícia Sabatella no elenco, acha que a exibição não pode ser concentrada apenas em salas de cinema. “Os produtores também têm que encontrar formas alternativas de distribuição. Obviamente, todo mundo quer ver seu filme na sala de cinema, mas há outros lugares, como cineclubes e TV a cabo”, disse.

Muritiba disse que já está pensando em uma estratégia para atingir o público em seu próximo filme. “Eu espero que o filme chegue às pessoas, mas eu não fico me remoendo, mudando as minhas estratégias por isso. Espero que o interesse pelo filme seja genuíno e não forçado”, disse Aly.

Bilheterias de 06 de janeiro a 1 de novembro de 2012 (Comparativo dos dois brasileiros com melhor posição com os filmes analisados na reportagem)

TítuloSalasPúblicoRenda (R$)
E aí Comeu?5142.574.33126.038.739,08
Até que a Sorte nos Separe4252.214.99522.510.371,00
Circular41.50714.427
Um Homem Qualquer91.0938.811,98
Sagrado Segredo54774.676,27
Mãe e Filha36123.931,05

Posição da Ancine
Procurada pelo UOL, a Ancine afirmou que não comenta filmes isoladamente e que só costuma falar sobre o desempenho do cinema brasileiro em janeiro, depois que os números estão consolidados. A Agência, no entanto, afirma que existem quatro tipos de incentivos voltados para a distribuição das produções nacionais:

Fundo Setorial do Audiovisual: Duas linhas de investimento para distribuição e comercialização de filmes brasileiros. A distribuidora inscreve os projetos e, se ele for selecionado, recebe recursos para investir na produção de um filme não finalizado e na comercialização do filme pronto, com dinheiro para cópias e marketing.

Cota de Tela: Mecanismo definido anualmente por decreto presidencial que promove o aumento da competitividade da indústria nacional. Em 2012, dependendo do número de salas de exibição do complexo, os cinemas tiveram que cumprir uma Cota de Tela mínima entre 28 e 63 dias por sala e exibir no mínimo entre três e 14 filmes nacionais diferentes. Para complexos de seis e sete salas, a obrigação será de 63 dias para cada sala e no mínimo oito e nove títulos no complexo. Em reunião realizada recentemente na Ancine, distribuidores, exibidores, cineastas e produtores concordaram em manter esses patamares em 2013.

Prêmio Adicional de Renda: Todo ano a Ancine premia distribuidores independentes que apostaram em filmes nacionais. O valor do prêmio deve ser reinvestido na própria atividade de distribuição, em projetos futuros.

Linha de crédito para digitalização: A partir de 2013, recursos serão destinados para a compra de projetores digitais e equipamentos correlatos. O objetivo geral é promover a modernização do parque exibidor brasileiro e eliminar barreiras para a distribuição física dos filmes.