Daniel Day-Lewis vence rejeição a maquiagem e revela estudo intenso para atuar em "Lincoln"
Quando Daniel Day-Lewis, depois de meses de conversas com Steven Spielberg, finalmente aceitou seu convite para viver Abraham Lincoln em "Lincoln", o ator impôs uma única condição: ter um ano para pesquisar e preparar o personagem.
Na verdade, foram dois pedidos -- o outro era não usar maquiagem, coisa que Spielberg nego firme e delicadamente. Day-Lewis acabou apreciando no final das contas.
Mesmo com intenso contato durante o período da preparação, Spielberg não estava inteiramente pronto para ver Lewis marchar no set, no primeiro dia das filmagens.
Após ser incorporado pela figura histórica norte-americana, adquirir um sotaque com cadências interioranas e um semblante sério, todos no set -- inclusive Spielberg -- só se dirigiram ao ator como "senhor Presidente". Já Joseph Gordon-Levitt, que interpretou o filho Robert, o chamava de “pai”; e, para Sally Field, a esposa Mary Todd, Day-Lewis virou “Abe”.
O resultado já valeu ao britânico de 55 anos um Globo de Ouro como melhor ator em filme de drama. O feito o colocou na dianteira para repetir o sucesso durante a cerimônia de entrega do Oscar, em 24 de fevereiro.
VEJA CENAS DE "LINCOLN", DE STEVEN SPIELBERG
UOL - O que o atraiu para o desafio de viver Abraham Lincoln?
Daniel Day-Lewis- Não sei. Eu me conheço o suficiente para saber quando está na hora de aceitar um trabalho. Sempre tive essa habilidade, mesmo quando era muito jovem e provavelmente não podia me dar ao luxo de escolher. Ainda assim eu sabia quando estava ou não estava pronto para um novo papel.
Tem menos a ver com a oferta do trabalho em si e mais com a disposição ou não a escolher aquele trabalho e excluir todo o resto em sua vida. Conforme fico mais velho, o fascínio e impulso para o trabalho é mais raro.
Sempre me sinto ansioso sobre toda essa decisão, porque, para que seja correta, ela precisa ser egoísta. Meu desejo de ser Lincoln por um tempo foi muito forte por motivos assim, pessoais.
Mas hesitei um pouco porque, além das razões egoístas, era preciso pensar se eu conseguiria servir bem a obra, o diretor, não ser acusado de achincalhar com a figura histórica do mais famoso e adorado presidente dos Estados Unidos.
A maquiagem ajudou?
Para minha própria surpresa, ajudou. Eu, ingenuamente, acreditava que não ia precisar de maquiagem para viver Lincoln. Mas é que realmente não gosto de trabalhar com maquiagem. Adorava no teatro, mas no cinema sempre me pareceu um fardo, um obstáculo.
Neste caso, não foi. A equipe de maquiagem foi fenomenal. Eles vieram me ver na Irlanda umas quatro ou cinco vezes para fazer testes, ajustar tudo, até as lentes de contato.
Foi um ano de testes e preparo, para que eu ficasse confortável e integrasse o trabalho deles ao meu. E realmente chegamos a um ponto no qual eu precisava da maquiagem para trabalhar. Foi quando eu havia esquecido que estava com maquiagem.
Spielberg disse que nem ele sabe explicar seu processo para criar Lincoln. Você poderia tentar?
Sem entrar em muitos detalhes, foi minha abordagem de sempre, a mesma que emprego em qualquer trabalho: tento criar uma compreensão da vida do personagem de um modo muito pessoal.
No caso de Lincoln, uma vida muito documentada. O que se passa, interiormente, é minha capacidade de me convencer e, dessa forma, persuadir os outros: através de mim, o personagem respira.
Começa sempre com pesquisa, leitura. No caso de Lincoln, se quisesse eu poderia ficar lendo para o resto da minha vida. Há tanta, tanta coisa escrita sobre ele!
Como eu tinha apenas um ano para me preparar, escolhi com cuidado os livros que li. Mas sempre chega o momento em que você tem que colocar os livros de lado e usar a imaginação. Acho que, no fundo, meu trabalho é um trabalho da imaginação.
Daniel Day-Lewis revelou ter resistido à maquiagem no começo, mas admitiu que o trabalho foi fundamental na reconstrução de uma das figuras mais veneradas da história dos EUA
Spielberg afirmou ter ficado emocionado ao rever você, e não mais Lincoln, no final das filmagens. O que você sentiu?
Fiquei triste quando vi que Steven estava muito chateado naquele dia. Tínhamos que terminar, é claro, e eu estava aliviado de ter chegado ao fim, mas ao mesmo tempo havia uma enorme sensação de tristeza no ar.
Não houve um momento, um único dia desde que aceitei o desafio de Spielberg e Tony Kushner, em que não me senti grato por poder explorar a vida desse homem.
No começo, parti de um ponto de vista objetivo e, aos poucos, chegando mais perto, com um pouco de timidez, finalmente tive alguma noção sobre como ele era por dentro.
Cada passo desse processo eu recebi como um privilégio, e acabei amando e admirando esse homem, provavelmente do modo mais caloroso que se pode amar e admirar alguém que nunca conheci.
Não é difícil dar adeus aos personagens. O oposto é mais difícil. Há certa relutância em deixar o personagem ir embora, porque se investe muito tempo e energia para acessá-lo, mas a verdade é que de um dia para o outro ele vai embora.
Depois de tanto tempo estudando e sendo Abraham Lincoln, qual foi a descoberta mais interessante que você fez a respeito dele?
Pessoalmente, me vi muito atraído pelo lado dele como pai, seu relacionamento com os filhos. Era um aspecto dele que eu compartilhava, um caminho que explorei com certa facilidade.
Mas acho que a descoberta mais deliciosa foi achar o senso de humor. Você vê todas as fotos dele como homem sério, curvado pelo peso de enormes responsabilidades. Porém, ao mesmo tempo, ele tinha um senso de humor imenso e mordaz.
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