Cenário de novo longa-metragem, Ubatuba forma figurantes e sonha virar polo de cinema

Desde o início de março, as tradicionais pranchas de surfe, cangas e guarda-sóis de Ubatuba, uma das regiões mais belas do litoral norte paulista, dividem espaço com quimonos, tatames e câmeras de cinema. É lá que está sendo rodado "Aprendiz de Samurai", novo longa-metragem da produtora O2, de Fernando Meirelles, que contará a história de Max Trombini, conhecido lutador de judô local, vivido por Caio Castro.

Palco para diversas produções nacionais e internacionais - "Turistas", o terror trash detonado pela crítica, foi rodado lá; um dos últimos episódios da série "Lost", dizem, também teria servido de cenário  -,  esta é a primeira vez em que um nativo de Ubatuba ganha holofotes. Inspirado em livro homônimo escrito pelo próprio Tombini, "Aprendiz de Samurai" marca também a estreia de Stéfano Capuzzi, na direção.

“Conheci o Max Trombini em uma tarde, apresentei a proposta de transformar o livro em filme e na manhã seguinte já estávamos rodando um documentário”, conta Capuzzi. “Durante praticamente um mês ficamos totalmente imersos no universo do livro, conheci todos os locais e a maioria dos personagens dessa biografia”.

Com estreia prevista para julho, o longa tem ainda no elenco Sabrina Sato, que viverá o par romântico de Castro, Suzana Pires, Domingos Montagner, Tato Gabus Mendes, Ken Kaneko, Moacyr Franco, Tuna Dwek, Paula Pretta e Felipe Falanga.

Um caiçara no Projac
Cenário, entre outros, dos longas “Tainá 2” e “Hans Staden” e das minisséries “A Muralha”, “Casa das Sete Mulheres” e "Caramuru - A Invenção do Brasil", Ubatuba é procurada pelas produtoras de audiovisual por possuir áreas de mata atlântica de fácil acesso e mão-de-obra (quase) especializada em cinema: os figurantes.

Dono de um restaurante simples às margens da BR 101, pequena estrada de terra que dá acesso à praia de Ubatumirim, Gilson Ferreira é um exemplo de figurante de sucesso. Após inúmeras pontas em produções locais, foi levado para trabalhar no famoso complexo de estúdios da Rede Globo no Rio, o Projac. O porte atlético garantiu a participação nas cenas de ação. “Se precisasse bater ou apanhar sempre me chamavam”, diz.

Tudo começou quando soube da equipe de TV que procurava ‘gente esquisita’ para fazer figuração em “Desmundo”, de Alain Fresnot, em 2003. “Para quem estava ‘matando cachorro a grito, o cachê até que era bom”, conta. Ele também participou das gravações da novela “Como uma Onda”, em 2004, onde aparecia, geralmente ao fundo, interpretando um dos tantos pescadores locais.

Nesse mesmo ano, recebeu o convite para ir trabalhar no Rio e aceitou. “Fui com o dinheiro da passagem”, recorda Ferreira. O caiçara, no Projac, não parou de trabalhar. Participou de várias novelas, como “Bang-Bang”, “A Favorita” e “América”, “Cobras e Lagartos”, entre outras. Quando os trabalhos começaram a escassear, Gilson retornou a Ubatuba e abriu o comércio, do qual tira atualmente o sustento da família. “Estava cansado daquela vida meio aventureira, sem futuro certo”, diz, ao lado da esposa e filha que o ajudam no restaurante.

O advogado e empresário Eugenio de Camargo, apaixonado por automóveis, também ficou famoso no pedaço. Mas não como figurante, e sim por dispor uma pequena parte da coleção, de mais de cem veículos antigos, para a minissérie global “JK”, que conta a vida do ex-presidente, Juscelino Kubitschek, da infância até a morte trágica em acidente automobilístico. “Aluguei quinze carros para eles”, diz.

As gravações aconteceram em Santos, com a participação de mais de 150 figurantes, de acordo com Eugenio. Não estava nos planos, mas ele revela que acabou fazendo uma ponta inesperada em “JK”. “O que ocorreu foi que entre os carros alugados, havia um Ford sem câmbio, que ninguém sabia dirigir”. Ou seja, Eugenio emprestou o carro e ainda teve que dirigir a sua máquina. “É um modelo difícil”, ameniza. Segundo ele, por estar caracterizado com roupas de época, a figuração rendeu entrevista ao programa "Vídeo Show", que fazia cobertura dos bastidores da produção. 

Polo de cinema sem salas
A vocação cinematográfica de Ubatuba pode resultar em projeto para trazer um polo de cinema para a região, segundo o prefeito Mauricio Humberto Moromizato (PT), que assumiu o cargo este ano. Um festival audiovisual também está na agenda de possibilidades. “Estamos à procura de parceiros para avançar nessas ideias”, afirma.

“Queremos emplacar um festival, integrado ao calendário brasileiro de mostras audiovisuais”, declara o secretário de turismo, Gerson Peres. Há dois anos são realizadas exibições nas areias da movimentada, Praia Grande. Patrocinado por uma marca de repelente, o evento ainda não decolou.  

“Nem sabia que tinha acontecido”, diz a turismóloga, Aline Souza, de férias na cidade. Mas gostou da ideia. “Falta lazer aqui”. A amiga, Ariane Souza, também da área de turismo, simpatizou-se com a proposta. “Se tiver eu venho, antigamente organizavam shows aqui, hoje não tem mais nada, é até perigoso sair à noite”.

Outra carência visível é justamente de salas de exibição. A única opção para quem quiser curtir um filminho é o Cine Porto Itaguá, bem próximo ao centro. Considerando as conhecidas deficiências no sistema de distribuição do cinema nacional, resta saber se "Aprendiz de Samurai" um dia será exibido por lá.