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"Minha paixão de adolescente", diz José de Abreu sobre Norma Bengell

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo*

09/10/2013 09h56Atualizada em 09/10/2013 14h34

O ator José de Abreu, que já havia dito no Twitter que Norma Bengell foi sua paixão de adolescente, conversou com o UOL e disse que tornou-se muito amigo da atriz nos anos 90, quando atuou em "O Guarani", segundo longa dirigido por ela. "Conversávamos muito sobre a importância da obra e acabamos ficando muito amigos", disse ele. 

Por conta do filme, Bengell foi acusada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) de irregularidades na prestação de contas dos recursos captado. O Ministério da Cultura afirmava ter encontrado notas frias e acusou a retirada do pagamento ao produtor em valor superior ao permitido. À reportagem, o ator disse que tentou interceder, mas que os argumentos de Norma eram todos emocionais. "Ela se sentia injustiçada e achava ridícula essa história de prestação de contas. Ela dizia: 'Não queriam que eu fizesse um filme? Eu fiz o filme'. Era difícil porque todos os argumentos dela eram emocionais e não reais. Ela se justificava dizendo que era Norma Bengell, atriz que já tinha feito muitos filmes. A realidade dela não era a mesma que a das outras pessoas", disse ele. 

Zé de Abreu tinha 15 anos quando Norma lançou seu primeiro LP, "OOOOOH! Norma", em 1959, e que se apaixonou por ela ao ouvi-la cantar "Oh-Ba-La-La". "O capa do disco trazia as belas pernas da Norma. Um crítico disse que eram as penas que cantava. Ela tinha uma voz muito sensual", contou o ator. 

Othon Bastos, que contracenou com Norma Bengell em "O Pagador de Promessas" (1962) e "Os Deuses e os Mortos" (1970), disse ao UOL que a principal lembrança que guarda da atriz, que morreu por volta das 3h da madrugada desta quarta-feira (8), era sua vontade de trabalhar e sua força em cena. "Estava sempre alegre e pronta para trabalhar. Nunca rejeitava um pedido do diretor. Filmamos 'Os Deuses e os Mortos' em uma plantação de cacau, uma locação difícil, mas ela sempre fazia o que tinha que ser feito", afirmou. 

Bastos ainda disse que felizmente toda a contribuição dela para a arte pode ser vista em muitos filmes. "Também fica é a amizade e o carinho. Espero que ela fique em paz". Único filme brasileiro a ganhar a Palma de Ouro, em Cannes, "O Pagador de Promessas" deu ainda mais projeção aos envolvidos com a produção, que também tinha Leonardo Villar e Glória Menezes no elenco. 

Marília Pera também falou à Globo News sobre a importância de Bengell para a arte. "Grande atriz, grande cantora, grande diretora, uma pessoa muito importante para o nosso país, com certeza. A vida do artista no Brasil é muito difícil. A Norma foi se sentindo abandonada, desprotegida, doente. Ela era muito talentosa, muito intensa. Quando ela se casou com (o ator italiano) Gabriele Tinti tinha a sensação de que era uma estrela internacional que vinha visitar o Brasil. Ela foi uma mulher muito bonita, uma vedete. Estava deslumbrante em 'Os Cafajestes'". 

O dramaturgo Aguinaldo Silva usou o Twitter para lamentar a morte de Bengell: 

"Ela ficará sempre em nosso coração, em lembranças imortais", disse Silva.

O autor Antônio Bivar, criador de uma das peças de teatro mais importantes da carreira de Bengell, "Cordélia Brasil", encenada em 1968, contou à reportagem que teve uma convivência muito intensa com a atriz. Na polêmica obra, Bengell vive a personagem-título, que começa a se prostituir para sustentar o amor da sua vida, Leônidas. "A peça fez muito alarde e bem na época da repressão. Por não ter papas na língua, ela acabou sendo sequestrada pela Ditadura", contou ele. "Ela também dizia com muito orgulho: 'Eu que lancei o Bivar'", contou ele. 

Bivar disse que a experiência intensa ao lado da atriz veio de muitas histórias. "Quando estreamos 'Cordélia' em São Paulo, ela estava tão possuída pelo personagem que começou a varrer o palco antes do espetáculo. A peça fazia tanto sucesso que era comum ver rostos como o Cacilda Becker, Wanderlea e Maísa na plateia". O autor também contou que quando a peça estreou no Rio, a Polícia soltou uma bomba de gás lacrimogêneo dentro do teatro, mas Bengell se recusou a interromper a peça. "Ela segurou a plateia até o final".  

Mais repercussão
"Faz parte daquele pequeno e nobre bando de mulherões que representam o sexo feminino em uma certa hora da humanidade. Todo mundo foi apaixonado pela Norma Bengell. Eu também. Não conheci bem, mas fui apaixonado.
São mulheres como outras poucas, que representam uma forma, um mundo. São tão bonitas, tão charmosas, que é como se o mundo tivesse devido a elas a uma vida melhor.
(...) No caso da Norma, eu tenho certeza que com todas essas dores e dificuldades, com seu sorriso amargo e com sua vida revolucionária, ela foi uma pessoa muito feliz."
Domingos de Oliveira, que dirigiu Norma Bengell em "Edu, Coração de Ouro" (1968), à "Folha de S.Paulo". 

"Eu tô muito comovido porque não sabia. Eu trabalhei até tarde e me disseram. Eu trabalhei com ela no 'Toma Lá Dá Cá'. Durante o processo, nós ficamos muito amigos. Ela me contava essa história dela, que foi uma atriz que teve uma carreira internacional. Eu lembro de adolescente, ela fazia teatro na França. É uma atriz que divulgou muito a cultura brasileira fora e era uma mulher que responde sobre a liberdade na arte através do filme dela. Ela teve esse legado da liberdade. Eu acho que isso é uma coisa que o artista conquista com muita dificuldade. É uma vencedora. Era uma pessoa diferente, introspectiva, carinhosa. Eu tô olhando uma foto dela no escritório que ela me deu, uma foto que ela se achava linda. Tínhamos um carinho."
Diogo Vilela, que contracenou com a atriz na série "Toma Lá Dá Cá", à "Folha de S.Paulo". 

Saúde
Norma Bengell foi diagnosticada há cerca de seis meses de câncer no pulmão direito, e estava no Centro de Tratamento Intensivo do hospital desde o último sábado. 

O velório será realizado a partir das 18h no Cemitério São João Batista, no Botafogo, na Rua Real Grandeza, nº 1. A cremação será no Memorial do Carmo, no Caju, nesta quinta-feira, às 14h. 

Um amigo da família contou à reportagem que, no últimos dias de vida, a artista estava bastante debilitada, sentindo falta de ar e que não reconhecia mais ninguém. Seu último desejo era que fosse cremada. 

Conheça a trajetória
Norma Bengell nasceu no Rio de Janeiro, onde começou a se apresentar como vedete do teatro de revista aos 16 anos. Também foi cantora e gravou versões de “A Lua de Mel na Lua” e “E Se Tens Coração”.

O primeiro LP, "OOOOOH! Norma", viria em 1959, no mesmo ano de sua estreia no cinema, na comédia “O Homem de Sputinik”, em que interpretava um símbolo sexual, em uma clara analogia com a atriz Brigitte Bardot.

Com o sucesso no cinema, Norma se voltou quase totalmente para a sétima arte. Em 1961, estrelou o filme "O Pagador de Promessas", de Anselmo Duarte, vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes.

  • Reprodução

    Cena de "Os Cafajestes"

Primeiro nu frontal no cinema nacional
A atriz entrou para a história ao protagonizar a primeira cena de nu frontal do cinema brasileiro, aos 26 anos. A cena, um avanço para a época, fez parte do filme “Os Cafajestes”, de 1962, dirigido por Ruy Guerra.

A exposição internacional -- e a repercussão de “Os Cafajestes” -- a levou a trabalhar no cinema europeu. Segundo a própria atriz, chegou a conhecer e namorar o ator francês Alain Delon. Fez filmes na Argentina (“Sócio de Alcova”) e na Itália (“Mafioso”, de 1962, e “Os Cruéis”, de 1967). 

Com o sucesso, engatou quase um filme por ano, participando de produções que marcaram a história do cinema nacional, como "A Casa Assassinada" (1971), de Paulo Cesar Saraceni; "A Idade da Terra" (1980) , de Glauber Rocha e "Rio Babilônia" (1982), de Neville d'Almeida. Em “Noite Vazia" (1964), de Walter Hugo Khouri, interpretou uma prostituta ao lado de Odete Lara e do ator italiano Gabriele Tinti, com quem foi casada de 1963 até 1969.

Por sempre atuar em peças e filmes alvos dos censores da ditadura militar, a atriz alegava ter sido perseguida, o que a obrigou a se exilar na França em 1971. Em 2010, a Comissão de Anistia reconheceu a atriz como anistiada política e concedeu uma reparação econômica de cerca de R$ 100 mil.

Carreira como diretora
Estreou como diretora em 1988, em “Eternamente Pagu”, sobre a escritora modernista. Ainda atrás das câmeras, adaptou o clássico "O Guarani", de José de Alencar, para o cinema, em 1997. Em 2005, voltaria a focar em histórias de grandes mulheres como “Infinitamente Guiomar Novaes”, um documentário sobre a pianista morta em 1979, e “Magda Tagliaferro - O mundo dentro de um piano”.

No teatro, subiu aos palcos em 1968, sob a direção do então estreante Emilio Di Biasi em "Cordélia Brasil", primeiro texto do escritor e dramaturgo Antônio Bivar. Em 1976, faz "Vestido de Noiva", de Nelson Rodrigues. A atriz retornaria ao texto clássico, em 2008, com a Cia. Os Satyros, sob a direção de Rodolfo García Vázquez.

Em 2007, em sua volta aos palcos, após 20 anos, teve uma crise de stress que a fez abandonar a apresentação de “O relato íntimo de Madame Shakespeare". Na época, Norma passava por um processo judicial, no qual era acusada de desviar verbas na captação de recursos para os filmes “O Guarani” e “Norma”, projeto que nunca foi concluído.

  • Reprodução

    As atrizes Eva Todor, Tônia Carrero, Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara e Norma Bengell em 1968, durante a passeata dos cem mil, em protesto contra a ditadura militar no Brasil, no Rio de Janeiro

Último trabalhos
Na televisão, apresentou e participou de alguns programas da TV Tupi e na TV Rio, como “Noite de Gala”. Reapareceria apenas em 2008, com a personagem Dayse Coturno, no humorístico “Toma Lá, Dá Cá”, da TV Globo.

Em 2010, uma foto sua em uma das passeatas históricas da década de 1960, durante o processo de ditadura militar, foi utilizada pela então candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, causando a acusação de uso indevido de imagem e associação da atriz. Na época, Norma desmentiu qualquer mal-estar e manifestou apoio à candidata.

Seu último trabalho foi no teatro, no mesmo ano, quando protagonizou a montagem de "Dias Felizes", de Samuel Beckett, com a direção de Emílio Di Biasi. No palco, sua vida se fundiu à história de Beckett e trechos preciosos de sua trajetória eram exibidos ao fundo.