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Diretora frequentou mesquita por 6 anos para retratar muçulmanos em filme

A diretora Maria Florencia Alvarez ao lado das atrizes Maria Luiza Mendonça e Martina Juncadella - Reprodução/Facebook
A diretora Maria Florencia Alvarez ao lado das atrizes Maria Luiza Mendonça e Martina Juncadella Imagem: Reprodução/Facebook

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

15/11/2013 07h00

A diretora argentina María Florencia Álvarez só tinha feito curtas-metragens até cair nas graças de Walter Salles. O diretor brasileiro conheceu o trabalho de Álvarez por meio de uma produtora argentina e decidiu coproduzir o filme no qual a diretora trabalhava há mais de dez anos.

Exibido no Festival de Berlim e na Mostra de São Paulo, "Habi, a Estrangeira" entra em cartaz no Brasil nesta sexta-feira (15) e conta a história de Analía, uma jovem enviada por sua mãe a Buenos Aires para fazer uma entrega. Ela precisa retornar a sua pequena cidade para assumir o salão de cabeleireiro da família, mas acaba indo parar por engano em uma comunidade muçulmana. Encantada com o novo mundo, Analía decide assumir outra identidade. Nessa jornada, ela encontra uma brasileira, vivida por Maria Luiza Mendonça.

Ao UOL, a diretora contou que começou a escrever a história quando tinha a idade da personagem, 20 anos, época em que buscava autoconhecimento. "É uma personagem que muda de identidade para se encontrar porque só poderá ser ela mesma sendo outra pessoa". Álvarez não é muçulmana e para contar a história com naturalidade, frequentou uma mesquita por seis anos. Entre os muçulmanos, a diretora era a estrangeira. "Na rua, você pode olhar os muçulmanos como diferentes, mas na mesquita os diferentes são os não muçulmanos. Sentir isso me ensinou muito".

UOL: Como começou essa relação Brasil-Argentina?
María Florencia:
Em Buenos Aires, trabalhei com uma produtora que já havia trabalhado com Walter Salles no filme "Café dos Maestros" (2008). Eles continuaram querendo trabalhar juntos. A produtora enviou para Salles meus curtas e o roteiro de "Habi" e ele respondeu que gostou muito dos curtas e que tinha interesse em coproduzir meu projeto.

Como foi trabalhar com Maria Luiza Mendonça?
O trabalho foi muito agradável. Você não sabe o que vai encontrar quando vem alguém de fora. Não sabe como vai ser a relação. Encontrei uma mulher muito entregue e muito transparente. Muito disposta a trabalhar e muito humilde. Como era é meu primeiro filme, isso era muito importante para mim. O personagem de Maria Luiza mostra o contraponto entre o Islã, que é mais amoroso e cálido, e a pensão onde vive a protagonista, onde ocorrem coisas mais hostis e mais pesadas.

De onde surgiu inspiração para o roteiro?
Comecei a escrever essa história quando tinha mais ou menos a idade da personagem (20 anos), em 1999. Comecei a fazer perguntas sobre minha identidade e sobre como construía minha identidade. Eu me perguntava como seria se tivesse outra identidade. É uma personagem que muda de identidade para se encontrar porque só poderá ser ela mesma sendo outra pessoa. E é a primeira vez que segue seu desejo, seu coração.

Como começou sua relação com a comunidade muçulmana?
Em princípio não tinha nenhuma relação, mas a minha escola primária era em frente a uma mesquita. Não sei se isso de alguma forma me influenciou. O que me interessou num primeiro momento foi a vestimenta islâmica, o que dava a oportunidade de a personagem ser anônima frente ao outro e deixar de responder à expectativa do outro. Com isso, ela poderia encontrar um olhar mais íntimo e mais próprio dela. Frequentei uma Mesquita por seis anos para escrever o roteiro, dirigir com naturalidade e também estabelecer uma relação de confiança. No começo, eles desconfiaram porque eu não era islâmica. Eles diziam que se sentiam muito maltratados de como difundiam o Islã. Depois de muito tempo essa confiança se firmou.

O que mais te chamou a atenção nessa convivência?
Eu me sentia diferente. Na rua, você pode olhar os muçulmanos como diferentes, mas na mesquita os diferentes somos nós. Sentir isso me ensinou muito. Senti como é não querer ser julgada por me vestir diferente, por ter três filhas e não ser casada.

Então a Habi é você?
Habi não é sempre eu. Ela é minhas perguntas. 

Como é o incentivo do governo argentino para o cinema?
Há bastante subsídios. Por um lado, é fácil filmar. Ano passado foram feitos 100 filmes. Esse dinheiro permite filmar, mas em condições muito precárias. Depois, muitos não conseguem dinheiro para que os filmes cheguem às salas de cinema. Filmam muito, mas as películas não chegam ao público. O que acontece também é que muitos preferem ver superproduções ao invés de películas mais autorais.

É muito parecido com o que acontece no Brasil.
E não poderia ser muito diferente. Somos vizinhos.