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Campanella: Há preconceito de que só Hollywood pode fazer animação

Gabriel Mestieri

Do UOL, em São Paulo

25/11/2013 05h00

Diretor vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro com "O Segredo dos Seus Olhos", em 2010, Juan José Campanella, cujo novo filme chega aos cinemas brasileiros na próxima sexta (29), diz que para o público se apaixonar por um filme é necessário "criar identificação emocional com os personagens".

Fenômeno de bilheteria na Argentina, a animação "Um Time Show de Bola" já levou mais de 2 milhões de espectadores aos cinemas do país, número bastante expressivo  para o vizinho latino-americano. Campanella, entretanto, diz que não há um "segredo" em seu cinema, que faça com que um vencedor de Oscar seja sucedido por um êxito na venda de ingressos (e que também será inscrito para concorrer ao Oscar, de animação, em 2015).

"Não é um segredo. Eu já tive fracassos e êxitos e sempre trabalhei o mesmo tanto pelos meus filmes. Tem a ver, claro, com conseguir com que o público se interesse pela história", disse, em entrevista ao UOL. "O espectador pode ser um intelectual brasileiro e o personagem um camponês indiano. O espectador não se identifica com a vida, mas emocionalmente. O personagem reage aos impulsos, a uma derrota ou à morte de um amigo, da mesma maneira que você reagiria. Então aí está criada a identificação. É uma coisa um pouco mágica", revela.

O novo filme de Campanella mostra a história de um garoto que, após derrotar um adversário no pebolim, vê o oponente tentar se vingar dele e dos outros moradores da cidade onde vive ao se tornar um rico profissional do futebol. Para salvar a cidade, o garoto conta com a ajuda dos bonecos do pebolim, que ganham vida.

"Em 'Um Time Show de Bola', em que os personagens são desenhos animados, o espectador tem que esquecer que são desenhos animados e encará-los como seres humanos, com suas paixões, com suas dores, com seus triunfos para poder viver emocionalmente a história que estão vendo", diz.

Embora diga querer "sempre mais" para seus filmes, Campanella admite que o sucesso do filme o surpreendeu. "É como se o filme fosse um filho. E eu, para um filho sempre quero tudo. Mas o consenso da indústria, digamos, foi uma grande surpresa. Especialmente porque há muito preconceito, de que filmes de animação apenas o pessoal de Hollywood pode fazer", afirma.

A animação é o primeiro filme de Campanella sem Ricardo Darín após quatro longas em que o diretor trabalhou com o astro argentino --"O Mesmo Amor, A Mesma Chuva" (1999), "O Filho da Noiva" (2001), "Clube da Lua" (2004) e "O Segredo dos Seus Olhos" (2009). Ainda assim, o diretor responde com certa indignação ao ser questionado se é possível fazer cinema sem Darín na Argentina. "Se faz cinema sem Darín. Temos mais de 100 filmes por ano e um ou dois são com Ricardo. É possível", diz.

  • Marcelo Sayão/EFE/28.set.2013

    Campanella promove "Um Time Show de Bola" durante o Festival do Rio, em setembro

O diretor também relativiza a importância de o cinema argentino já ter vencido duas vezes o Oscar de melhor filme estrangeiro --além de "Segredo", "A História Oficial", de Luis Puenzo, levou a estatueta em 1986. "Ajuda um pouco. Coloca no mapa durante um tempo, mas tampouco salva o cinema argentino. Não pense que de repente todos os distribuidores do mundo estão buscando filmes argentinos para levar para seus cinemas", afirma.

Animação e futebol

Campanella conta que há muito tempo tinha vontade de fazer uma animação, mas que a "animação em 2D estava muito fora do seu mundo". "Quando se começou a fazer animação em 3D surgiu a possibilidade", explica.

Três diretores argentinos indicados por Campanella

Damián Szifron
Juan Taratuto
Pablo Trapero

Embora o filme retrate um time de pebolim que ganha vida, Campanella nega que a animação seja sobre futebol. "Eu sempre digo que é como afirmar que 'Casablanca' é sobre a guerra. Ele se passa na guerra, mas a guerra não é o tema, nem as histórias de que se trata. ['Um Time...'] é uma história de amor, de superação. Emocionalmente, o tema não é futebol para nada", afirma, explicando que o roteiro se baseia num conto de Roberto Fontana Rosa intitulado "Memorias de um Wing Derecho", de Robero Fontanarrosa.

O diretor afirma, ainda, que sua relação com o futebol é "inexistente". Ele diz não torcer para nenhum time e não assistir a partidas, com exceção de Copas do Mundo.

Próximo projeto

Sobre seu próximo projeto de longa-metragem, o diretor desconversa e diz que começará a pensar "com dedicação" em um roteiro no ano que vem. Ele deixa escapar apenas que será "uma história de personagens muito pequenina sobre a vida e a morte".

Questionado se pode fazer o novo filme em 3D, dessa vez com atores, Campanella diz que "gostaria muito". "É uma coisa que estou planejando. Estou bastante atento a como vão avançando as tecnologias, me parece que neste momento mais que nada há um problema de iluminação", opina. "O 3D me interessa muito, mas não para um filme de ação. Eu gosto muito da utilização do estereoscópio para coisas mais intimistas. Estou olhando bastante para isso", completa.