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Filmes baratos podem ser salvação do cinema nacional, diz Antonio Fagundes

27.jan.2014 - Antônio Fagundes prestigia a pré-estreia de "Quando Eu Era Vivo" em um shopping em São Paulo - Foto Rio News
27.jan.2014 - Antônio Fagundes prestigia a pré-estreia de "Quando Eu Era Vivo" em um shopping em São Paulo Imagem: Foto Rio News

Gabriel Mestieri

Do UOL, em São Paulo

29/01/2014 05h00

Longe do cinema desde 2008, quando viveu o empresário Augusto em "A Mulher do Meu Amigo", de Claudio Torres, o ator Antonio Fagundes, de 64 anos, faz um retorno triunfante às telas grandes em 2014. Na próxima sexta-feira (31) estreia "Quando Eu Era Vivo", de Marco Dutra, suspense com a cantora Sandy e no qual Fagundes interpreta um viúvo que tem a vida abalada pelo retorno do filho (Marat Descartes) à casa.

Para 14 de março está prevista a entrada em cartaz de "Alemão", drama policial de José Eduardo Belmonte que mostra agentes da polícia do Rio infiltrados entre os traficantes do Complexo do Alemão, antes da instalação de uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) no local.

Em comum, os dois filmes têm a produção de Rodrigo Teixeira, da RT Features, cujo modelo "fazer filmes bons com baixo orçamento", segundo Fagundes, pode ser "a salvação do cinema brasileiro". Teixeira foi o produtor de filmes nacionais como "Heleno" (2011), de José Henrique Fonseca, e "Cheiro do Ralo" (2006), de Heitor Dhalia.

Em entrevista ao UOL, Fagundes disse que o cinema nacional "precisa de filmes que se paguem e que saiam desse círculo vicioso do patrocínio". "Um filme que vise se pagar com a bilheteria vai ter um olhar voltado para o público", opina.

Veja o trailer do filme

O ator afirmou que não fez cinema nos últimos seis anos por conta dos compromissos com TV e teatro, difíceis de conciliar com a rotina da produção de um longa-metragem, e que "sentiu muito" por não ter conseguido participar de alguns projetos para os quais foi chamado.

Para poder participar de "Quando Eu Era Vivo", o ator fez alguns sacrifícios, como filmar de madrugada após se apresentar no teatro, e ficar sem dormir por algumas noites. A produção do filme, por sua vez, conseguiu fazer com que o longa fosse rodado em apenas 18 dias, e que as filmagens se adequassem à agenda de Fagundes.

UOL Cinema: Como foi a experiência de voltar às telas grandes quase seis anos depois de "A Mulher do Meu Amigo" (2008), seu último filme?

Antonio Fagundes: Fiz perto de 50 longas na minha vida. Eu gosto muito de fazer cinema. Tanto que quando comecei, fazia aqui em São Paulo e o forte sempre foi no Rio. Então fiz "Boca do Lixo", esses filmes todos, porque sempre quis fazer cinema. Agora a agenda do cinema não é tão, digamos, organizada quanto o resto. Então você fica meio sujeito a uns horários, a umas datas que você não controla e esse é o problema. Se a produção do filme não der um jeito que eu me encaixe nesses horários, eu não consigo fazer. Fiquei esse tempo todo sem fazer por causa disso. Fui até chamado para fazer um monte de filme que eu senti muito não poder fazer.

E como conseguiu fazer esse?
Quando o Rodrigo [Teixeira, produtor] e o Marco [Dutra, diretor] me chamaram eu disse: "Me coloco à disposição para filmar a hora que vocês quiserem, desde que vocês respeitem esses horários". Dei os horários para eles e falei "vou fazer o espetáculo e volto depois, se vocês quiserem filmar de madrugada, não me incomodo". Cheguei a fazer isso alguns dias. As filmagens foram feitas em 18 dias. E deu certo. Gravava novela terça e quarta e fazia peça de teatro também. Foi possível organizar porque houve esforço da produção e meu também, porque fiquei sem dormir alguns dias.

E como foi atuar novamente para o cinema?
A experiência de fazer cinema é sempre única, sempre boa. Mas o que gostei mais foi da direção do Marco, que foi uma pessoa que adorei ter conhecido. Ele tem profundo conhecimento do que está fazendo. Você vê que ele acompanhou cada processo da criação desse roteiro, da produção e da direção de arte, você vê que ele domina realmente o set e isso é muito importante quando você vai fazer um filme. E é um apaixonado pelo gênero. Eu não gosto de dizer que é um filme de terror, porque acho que é mais do que isso. Pode até te assustar, mas é mais um thriller psicológico do que um filme de terror. O principal foi o prazer de ter conhecido o Marco, o Rodrigo, e o esquema que eles estão tentando introduzir de fazer filmes bons com baixo orçamento. Eu acho isso importante, acho que pode ser a salvação para o cinema brasileiro. Foi muito bom.

O sr. já conhecia a obra de Lourenço Mutarelli. Como começou o seu contato com o autor?
Conhecia quase toda. Este livro ["A Arte de Produzir Efeito Sem Causa", no qual o filme é baseado] principalmente, gostava muito. Sou muito curioso e gosto muito de ler. Conhecia já algumas coisas dos quadrinhos do Mutarelli e achava que ele tinha um traço forte, umas histórias muito boas. Um dia me deparei com um romance dele e falei: "Eu quero tudo desse cara". Aí fui ver "O Cheiro do Ralo" e um amigo meu fez uma peça, "O Natimorto", que era baseada em livro dele. Um dia eu estava em uma livraria, uma pessoa veio falar comigo e falou: "Sou mulher do Mutarelli", e eu disse que era fã dele e queria fazer algo dele. Um pouco depois, isso deve ter ventilado, fui chamado para fazer "Quando Eu Era Vivo". E o fato de ser baseado no romance dele já foi um primeiro passo muito bem dado.

Como foi contracenar com a Sandy?
Tenho uma relação muito carinhosa com ela, até porque tenho uma filha que é apaixonada por ela e eu via muito show dela com a minha filha. A Sandy vai muito a teatro, viu muita peça minha também, então a gente já tinha um contato meio social antes de fazer o filme. E ela é muito querida, então foi muito bom partilhar do set com ela. Mas a gente fez muito poucas cenas juntos. Tenho mais cenas com o Marat do que com ela.

Mas o que o sr. achou dela como atriz nesse projeto?
Eu gostei muito de ver. Ela estava segura, nunca teve problema de fazer nenhuma cena, disciplinada, estudiosa. Você vê que ela tinha estudado o texto. Uma bela companheira.

Por que acha que o cinema nacional não explora mais gêneros como terror e policial?
Porque é muito difícil. Tem que estudar. Não adianta ser autoral. Essa coisa de dizer "eu tenho uma tese"... Tese nenhuma! Você tem que contar bem uma história. E para você contar bem uma história que dê medo numa pessoa sentada numa sala com ar condicionado tem que ser muito bom. Por isso que não tem. Por isso que não tem policial, porque botar adrenalina no corpo de alguém que está confortavelmente instalado comendo pipoca é muito difícil. As pessoas que dizem "ah, é comercial" é porque não sabem fazer. Só aceito isso de quem já fez sucesso. Mas quem fez sucesso não vai falar isso porque sabe que trampou para chegar lá. Eu acho que tem que acabar com essa merda de justificar a sua incompetência dizendo que não faz porque não quer. Não. Não faz porque não sabe.

O sr. acha que filmes como "Quando Eu Era Vivo" podem abrir caminho para se fazer mais filmes de gênero no país?
Não sei se o cinema de gênero é a solução, mas acho que o baixo orçamento é. No sentido de que a gente precisa de filmes que se paguem e que saiam desse círculo vicioso do patrocínio. Você fica na mão de uma série de sistemas e de censuras, digamos assim econômicos, primeiro do governo e depois das empresas, que acabam te cerceando. Eu acho que o filme de baixo orçamento com a possibilidade de se pagar com a bilheteria é a solução para todos nós. Agora um filme que vise se pagar com a bilheteria vai ter um olhar voltado para o público. Talvez isso daí seja uma mudança radical para nós.

O sr. faria um filme policial, por exemplo?
Com o máximo prazer. Já fiz alguns, inclusive. O próprio "Alemão", também produzido pelo Rodrigo Teixeira, que vai ser lançado agora [filme de José Eduardo Belmonte com Fagundes, Cauã Reymond e Caio Blat, com previsão de estreia para 14 de março] é um filme policial.

O Rodrigo Teixeira afirmou que muitos diretores não te convidam para filmes porque o sr. é um ator muito caro. Isso é um mito? Depende mais da agenda?
Não, eu sou caro, sim. Mas isso não é impeditivo. Até porque às vezes eu posso até entrar na produção também.

O sr. já passou por alguma experiência sobrenatural na sua vida que tenha lembrado enquanto fazia o filme?
Eu confesso que sou completamente, não digo ateu, sou agnóstico. Acho que deve ter uma coisa aí, mas é muito grande para eu entender o que é. Mas tive uma história engraçada, sim. Uma vez fui visitar a Mãe Menininha do Gantois [mãe-de-santo baiana morta em 1986], na Bahia, e quando eu cheguei lá a filha dela me recebeu e disse que ela estava atendendo um casal. Eu disse que só queria vê-la de longe, aí a filha dela bateu na porta e disse: "Mãe, olha só quem está aqui". Ela estava um pouco longe, mas nem levantou a cabeça e disse: "Ah, sei, Xangô". Ela nem sabia que era eu nem nada e sempre me disseram que meu santo era Xangô. Então essa é uma história que eu falei: "Opa, que las hay, las hay" [em referência ao ditado "No creo en brujas, pero que las hay, las hay" (não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem, em tradução livre)].

Veja teaser de "Quando Eu Era Vivo"