Eduardo Coutinho trabalhava em filme que resgataria entrevistados
O cineasta Eduardo Coutinho, morto aos 80 anos neste domingo (2), trabalhava em um novo filme e no relançamento de sua obra-prima, “Cabra Marcado para Morrer”, de 1984.
O novo trabalho, chamado de "Sobreviventes da Galiléia", tinha como objetivo reencontrar antigos entrevistados do filme. No entanto, não se sabe se Coutinho já havia contatado muitas pessoas. O filme estava sendo gestado em parceria com a Videofilmes, do cineasta João Moreira Salles, amigo de Coutinho, e parceiro nos últimos filmes do diretor.
Sabe-se apenas que Coutinho voltou a conversar e gravar com a protagonista de “Cabra...”, Elisabeth Teixeira. Líder camponesa e viúva de João Pedro Teixeira, fundador da Liga Camponesa de Sapé, na Paraíba, Elisabeth gravou novo depoimento para o lançamento do filme em DVD, programado para abril. A entrevista gravada em 2013 integrará os extras.
O filme começou a ser rodado em 1964, quando Coutinho esteve na Paraíba e conheceu a história de João Pedro, assassinado por fazendeiros dois anos antes. Sua ideia era recontar a trajetória do líder camponês de maneira semidocumental, usando Elisabeth para fazer o papel de si mesma.
Em razão do golpe militar, as filmagens foram interrompidas e parte dos negativos confiscados pela polícia sob a alegação de “comunismo”. O trabalho foi retomado 17 anos depois, quando Coutinho resolver ir atrás da família da camponesa, que vivera escondida na clandestinidade.
De acordo com depoimento do jornalista e crítico Carlos Alberto Mattos, que trabalhava com Coutinho no versão do filme para DVD, o cineasta estava animado com o lançamento, mas sobretudo obcecado em falar de uma tragédia. "Um dos filhos dela [Elizabeth] havia assassinado um irmão e depois tinha sido eliminado, talvez como queima de arquivo", escreveu em seu blog. Em contato com o UOL, Mattos confirmou a informação.
Crianças
Coutinho ainda deixou mais um documentário em pós-produção, "Palavras", com crianças e adolescentes. O diretor fez as entrevistas com alunos de escolas no final do ano passado.
Eduardo Coutinho, considerado o documentarista mais importante do país, foi assassinado neste domingo, em seu apartamento, na Lagoa, zona sul do Rio, pelo filho, Daniel, que segundo vizinhos teria esquizofrenia. A mulher de Coutinho também foi ferida e está internada no Hospital Miguel Couto em estado grave.
Trajetória
Nascido em 11 de maio de 1933, em São Paulo, Eduardo Coutinho abandonou o curso de direito por uma carreira no entretenimento. Depois de estudar direção e montagem na França e voltar ao Brasil em 1960, Coutinho entrou em contato com o Cinema Novo e o Centro Popular de Cultura (CPC), da UNE.
No CPC, o cineasta começou a trabalhar no que seria considerado seu projeto mais importante: uma ficção baseada no assassinato do líder das Ligas Camponesas, João Pedro Teixeira, com elenco formado pelos próprios camponeses do Engenho Cananeia, no interior de Pernambuco. A produção de “Cabra Marcado para Morrer” teve que ser interrompida depois de duas semanas de filmagens, quando ocorreu o Golpe Militar de 1964 e parte da equipe foi presa sob acusações de comunismo.
O filme só seria completado em 1984, depois de Coutinho reencontrar negativos que haviam sido escondidos por um membro da equipe, e resolveu retomar o projeto como um documentário sobre o filme que não foi realizado e sobre os personagens reais que seriam os atores do primeiro projeto.
Entre 1966 e 1975, atuou principalmente como roteirista de produções como “A Falecida” (1965), “Garota de Ipanema” (1967) e “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976). Em 1975, Coutinho passou a integrar a equipe do “Globo Repórter”, onde permaneceu até 1984.
Depois de “Cabra”, Coutinho se firmou como o principal documentarista do país, com filmes que privilegiavam pessoas comuns e as histórias que elas têm para contar, como “Santo Forte” (1999), “Edifício Master” (2002), “Peões” (2004) e “Jogo de Cena” (2007). Seu último longa foi “As Canções”, de 2011.
Em 2013, ao completar 80 anos, Coutinho ganhou homenagem na Festa Literária Internacional de Parati e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que organizou uma retrospectiva completa de seus filmes e um livro reunindo textos de e sobre o cineasta.
Na ocasião, Coutinho afirmou ao UOL que o público foge de documentários. "Isso é trágico. Tem uma diferença entre ficção e documentário, e é apenas para a Ancine [Agência Nacional do Cinema]. Documentário é uma palavra maldita. Se o público cheirar documentário, ele foge. Só não foge quem não pode", afirmou.
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