Longo e por vezes confuso, "Trapaça" brilha pelas atuações convincentes
“Comédia” dramática de tom nada cômico, “Trapaça” chega aos cinemas nesta sexta-feira (7) com a grande resposabilidade de fazer jus ao rótulo de um dos melhores filmes do ano. O longa de David O. Russell, que lidera a corrida pelo Oscar ao lado de “Gravidade”, é uma intricada trama de amor e charlatanismo, que se sobressai por aquela que talvez seja a principal virtude do cineasta: lapidar atuações convincentes de seu elenco.
Os quatro atores principais --Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper e Jennifer Lawrence-- foram nomeados este ano pela Academia, repetindo “O Lado Bom da Vida”, filme anterior do agora queridinho de Hollywood. Em 2010, seu “O Vencedor” já havia recebido indicações de melhor ator e melhor atriz coadjuvantes, faturados por Bale e Melissa Leo.
Em "Trapaça", Irving Rosenfeld (Bale) é um falsário profissional dos ramos das artes e finanças. Casado com a manipuladora Rosalyn (Jennifer Lawrence), aplica seus golpes ao lado da amante, a insinuante Sydney Prosser (Amy Adams). A dupla é desmascarada pelo agente do FBI Richie DiMaso (Bradley Cooper), que os força a colaborar em uma operação para desbaratinar uma complexa rede de máfia e corrupção política.
Repleta de rodeios e flashbacks, a longa trama capricha nos diálogos arrastados, de sacadas irônicas, sem se preocupar em responder de saída a todas as perguntas. A escolha pela falta de didatismo pode afastar (e muito) o espectador comum, mas é a isca para os mais esforçados investigarem por si os acontecimentos. E eles não são poucos.
Baseado em um caso real dos anos 1970, Russell entrega uma teia narrativa complexa, costurada pelas aparências. Irving, o protagonista, é o retrato da “America fake”. Homem despido de ética, que mantém duas mulheres e cujo ritual matinal é tapar meticulosamente a própria calvície, com um tufo de cabelo falso, em frente ao espelho.
Sua parceira, Sidney, é dúbia. Ama e odeia Irving, e engana Richie quando decide se envolver com ele, um policial sem escrúpulos agindo apenas por vaidade. A mesma escancarada em Rosalyn, dona de lábia e atributos físicos que sempre lhe permite conseguir todos os seus caprichos.
Em meio a esse redemoinho de plástico, Russell --também roteirista do filme-- põe os limites éticos à prova em cada um dos personagens, que vivem e se relacionam de forma turbulenta, às raias da explosão emocional. No universo por vezes confuso e transbordado de informações do diretor, não há espaço para a redenção.
Fora as boas atuações (mesmo a de Cooper, ator mediano), o longa vale pela reprodução fiel da aura setentista, potencializada pela excelente trilha sonora de clássicos do rock e jazz. A pequena e contundente participação de Robert De Niro, como um mafioso cheio de perspicácia, também é digna de lembrança.
Embora não exatamente original, o recorte histórico de uma América em cacos, pós-crise do petróleo, tentando apenas manter-se de pé torna a trama um pouco mais interessante que a média do diretor. Interesse que também pode ser despertado pela apropriação involuntária de uma ética (lei) bem brasileira, imortalizada pelo craque Gérson em um comercial de cigarros também dos anos 1970. A daquele sujeito despudorado, biscateiro na essência, e que “gosta de levar vantagem em tudo, certo?".
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