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Com resultado irregular, Clooney tentou fazer filme leve sobre "tema sério"

Eduardo Graça

Do UOL, em Los Angeles (EUA)*

12/02/2014 05h00

Em "Caçadores de Obras-Primas", sua nova jornada dupla no cinema, como diretor e ator, George Clooney escalou Matt Damon, John Goodman, Bill Murray, Cate Blanchett e Jean Dujardin para contar a história – baseada em fatos históricos – de um grupo de especialistas capitaneados por Washington para recuperar obras de arte e artefatos de valor inestimável, pilhados pelos nazistas em sua ocupação da Europa Continental, entre 1939 e 1945. O plano de Adolf Hitler era o de erguer, em sua cidade natal, um museu com a mais completa coleção da arte ocidental do planeta. Obras surrupiadas de colecionadores particulares, especialmente de judeus, e de museus da França, Bélgica, Polônia, Holanda e outros países subjugados pelas forças armadas germânicas.

Infelizmente, nem todo o talento escalado por Clooney resulta no êxito de um filme que lembra mais o diretor de “O Amor Não Tem Regras” do que o de “Boa Noite e Boa Sorte”, ou mesmo o de “Tudo Pelo Poder”. Uma boa história no papel, “Caçadores”, que teve pré-estreia no Festival de Berlim e chega ao Brasil nesta sexta (14), é confuso e jamais diz a que veio.

Inspirado em filmes de guerra dos anos 1960 e 1970, em uma tentativa, de acordo com Clooney, de mesclar humor a um tema quiçá sisudo demais para atrair o grande público, o filme foi recebido de forma extremamente negativa pela imprensa em língua inglesa dos dois lados do Atlântico, com torcidas de nariz no “New York Times”, “Guardian”, “Wall Street Journal”, “Variety”, “Hollywood Reporter” e “Entertainment Weekly”, entre outros. No “Los Angeles Times”, Kenneth Turan resumiu o consenso de que Clooney jamais conseguiu encontrar o tom da, vá lá, obra de arte que pretendia fazer: “Bem-intencionado, mas inerte, ‘Caçadores’ é um trabalho cuja premissa é melhor do que o resultado final”.

A reportagem do UOL conversou com o elenco do filme em entrevista coletiva na manhã em que Cate Blanchett foi indicada ao Oscar de melhor atriz por “Blue Jasmine”  -- e no que agora parecem ser séculos antes da morte de Philip Seymour Hoffman, com quem Cate e Matt Damon trabalharam em “O Talentoso Ripley”, e das renovadas acusações de abuso sexual contra Woody Allen. Os principais trechos da conversa com a imprensa internacional, dominada por Clooney, Blanchett e Damon, seguem abaixo:

Tema pesado, tratamento leve
George Clooney - A história é boa e tem algo de muito singular: apesar de se passar na Segunda Guerra Mundial, não a conhecemos de cor e salteado. A gente queria que ela fosse acessível, me inspirei nos filmes do John Sturges [1910-1992, cineasta americano notório, também, por títulos de guerra como “Fugindo do Inferno” e ‘A Águia Pousou”]. Ou seja, queria fazer um filme que fosse, essencialmente, diversão. Também pensei em algo como uma mistura de “Os Guerreiros Pilantras”, de Brian G. Hutton (com Clint Eastwood, uma produção de 1970), e “O Trem”, de John Frankenheimer (com Burt Lancaster, lançado em 1964). Sabia desde o início que queria tratar de um tema sério, ainda relevante, mas com um tratamento leve. Este foi meu objetivo.

Tema ainda relevante: olhem para a Síria
Clooney - Há pelo menos 600 peças de arte ainda desaparecidas ou em mãos de museus e colecionadores particulares, peças que estão em meio a um processo complicado de retorno a seus donos e países de origem. Não é um processo fácil, é complicado mesmo se simpatizar com alguém cujo sobrenome é Rothschild, que é dono da maior coleção privada de arte do planeta. As pessoas pensam: “ah, ele é rico às pampas, não se trata de um problema real”. Mas o certo é as obras voltarem para seus donos. Para ser bem honesto, é hora de se prestar bastante atenção para o que está acontecendo na Síria neste momento, na perda de peças de arte por conta da guerra civil.

O diretor George
Clooney - Ih, vou ter de falar no ‘diretor George’, na terceira pessoa? Olha, hoje posso dizer que dirigir é meu ofício favorito. Dirigir e escrever roteiro são processos infinitamente mais criativos. Acho que mudei como diretor, na medida em que aprendi com os irmãos Coen, com Steven Soderbergh, com Alexander Payne. E Alfonso Cuarón, com quem fiz ‘Gravidade”, embora ache que o filme tenha dado uma desandada depois dos primeiros trinta minutos [risos, já que, como se sabe, depois da primeira meia-hora o filme só conta com uma atriz, Sandra Bullock], e que é um dos grandes gênios do cinema hoje. Trabalhei, como ator, com grandes diretores nos últimos anos e fiquei tentando entender o processo de cada um deles, roubando descaradamente algumas coisinhas. Algumas vezes funciona, outras não, mas eu sempre me divirto. Obviamente, é complicado pacas dirigir você mesmo, mas é igualmente divertido.
Matt Damon - Muito mais fácil agora, que você aprendeu a falar de você na terceira pessoa, George!
Clooney - Sim, porque agora eu falo para mim mesmo, no set: “Isso, George! Muito bom, George!” [todos riem].

Trailer de "Caçadores de Obras-Primas"

Elenco
Clooney - Foi bem simples. Eu queria o Brad (Pitt), mas não foi possível. Aí fui de Matt [Damon] mesmo. [risos].
Damon - Tudo bem, eu tive o privilégio de trabalhar com a Cate [Blanchett].
Cate Blanchett - De fato, a maioria das minhas cenas eu as dividi com o Matt [Damon, interesse romântico de seu personagem]. Nós dois, creio, envelhecemos bem, não é, Matt? A última vez em que trabalhamos juntos foi em “O Talentoso Ripley”, em 1999, lá se vão 15 anos, quando filmamos na Itália. Agora, depois disso, ele fez coisas como “Minha Vida com Liberace” [no ano passado, em que vive o amante do famoso músico popular americano, fazendo par romântico com Michael Douglas]. E, felizmente, eu não vi este filme antes de começarmos a filmar o nosso [mais risos].
Clooney - Eu me senti mal, de verdade, foi pelos atores que tiveram de fazer os soldados nazistas. São, claro, todos, alemães. Você os chama para o teste de elenco e diz: “Olha, vocês me desculpem, mas eu preciso que você de fato seja terrível”. E aí, inevitavelmente, eles dizem “Bem, mas talvez meu personagem se juntou aos nazistas porque...” E eu tinha de retrucar, sempre: “Não, querido, ele é um nazista, do mal, mesmo. Você só vai ser do mal, o tempo todo, não tem jeito”.

Contador de anedotas
Blanchett - O George, como todos sabemos, é um incrível contador de histórias e de anedotas, e esta característica da personalidade dele se traduz nos filmes que ele dirige. De certa maneira, este filme é uma síntese do próprio George. A maneira como ele vendeu a ideia de “Caçadores de Obras-Primas” para todo o elenco é muito similar ao modo como o personagem dele no filme vai escalando, um a um, aqueles que acabarão formando o grupo de ‘caçadores’.

Filmar na Alemanha
Blanchett - Foi importante ter filmado na Alemanha, especialmente com a premissa do filme sendo a questão da importância da cultura e se esta é um valor que justifica você perder a vida por sua preservação. Ora, a Alemanha teve, desde a Segunda Guerra Mundial, de se questionar moralmente de uma forma intensa, e acabou, enquanto nação, reforçando sua identidade a partir da cultura. Hoje em dia, a quantidade de artistas vivendo e trabalhando em Berlim não encontra paralelo mundo afora. Eu creio que o fato de a Alemanha ser uma das economias mais fortes do planeta vem, também, do entendimento que os alemães têm da relevância de sua cultura. Foi fantástico trabalhar lá.

As pegadinhas de Clooney
Clooney - Estava muito ocupado o tempo todo, então desta vez reduzi as gaiatices.
Blanchett - Sei... Bem, eu não posso contar nada, de qualquer forma, pois assinei um contrato em que não revelaria nenhuma das atrocidades que ele nos fez passar no set de filmagem. [risos]
Damon - Parece que ele mandava alguém reduzir, a cada dois ou três dias, em alguns centímetros, as peças de meu guarda-roupa. Todas. Isso porque ele sabia que eu estava tentando emagrecer para o personagem. Minha família ficou em Nova York e eu filmava por duas semanas, passava duas semanas nos EUA, voltava para a Alemanha, e assim por diante. E toda vez que eu voltava, tudo ficava mais apertado. E eu pensava: “gente, mas não é possível, eu estou malhando sem parar”.
Clooney - Ele comia só alfaces e ficava repetindo “gente, não estou entendendo nada”.
Damon - É ótimo ter amigos como você, George.

Hollywood e a natureza do negócio
Clooney - O elenco ajudou, mas ainda assim foi dificílimo conseguir convencer Hollywood a bancar este filme. Também foi difícil com “Argo”, que produzi, e com “Boa Noite e Boa Sorte”. Para tirar este último do papel, tive de hipotecar minha casa. Minha ideia é fazer filmes pouco óbvios, que as pessoas já não pensem imediatamente em fazer. Às vezes eles são sucessos, outras não, mas são o que quero fazer.

Dois diretores: Woody Allen e George Clooney
Blanchett - Trabalhar com Woody foi como estar num clube de strip-tease emocional, mas sem o dinheiro [risos]. [Imediatamente, Clooney começa a passar notas de dólar para Damon, que, perseguindo a imagem criada por Blanchett, começa a falar bem do amigo]
Damon - O George é talentoso ao ponto da obscenidade [mais dinheiro é passado do diretor para o ator]. Juro por Deus [outra nota vai para o bolso de Damon], foi uma das melhores experiências que tive na vida. Trabalhei com alguns dos melhores diretores do planeta, e ele está no mesmo nível [outra nota é passada], ou melhor, acima deles.

* O jornalista viajou a convite da Fox