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Filme sobre protestos no Brasil ainda não rendeu nem "20 centavos"

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

28/03/2014 13h59

Basta dizer "Brasil, junho de 2013" para que qualquer cabeça brasileira seja invadida por imagens de faixas com os dizeres "O Gigante Acordou", "Vem Pra Rua", "Não é só por 20 centavos", ou de bombas de gás lacrimogêneo, vinagre e black blocks. Período histórico para o país, deixou marcas (físicas e psicológicas), embora ainda seja difícil pontuar as mudanças concretas que os protestos proporcionaram. O cineasta paulistano Tiago Tambelli não tem a resposta, mas, nove meses depois do primeiro passo do gigante, ele lança o documentário "20 Centavos", selecionado para o festival É Tudo Verdade, que se realiza entre os dias 03 e 13 de abril nas cidades de São Paulo, Rio, Campinas, Brasília e Belo Horizonte.

"20 Centavos"

Direção: Tiago Tambelli
Diárias: 12 Horas
Horas gravadas: cerca de 70
Duração: 53 minutos
Orçamento: R$ 50 mil 

No início de junho do ano passado, quando milhares de pessoas tomaram as ruas para protestar contra o aumento da tarifa de ônibus, o cineasta paulistano, que trabalha com documentários há mais de 20 anos, convocou cerca de 50 amigos para uma empreitada: ir às rua de São Paulo, Rio e Brasília filmar as manifestações, e 30 deles atenderam ao chamado.

"A gente decidiu que ia virar um documentário no meio do processo. De início, a ideia era fazer um vídeo-manifesto, mas começaram a pipocar vídeos das manifestações por todos os lados. Pensei que poderíamos segurar e dar um tratamento cinematográfico", disse Tambelli ao UOL, depois de uma exibição do filme para a imprensa no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasi), em São Paulo.

Drone "caseiro"

Tambelli só aceitou falar com a reportagem ao lado dos integrantes da equipe Marcelo Krowczuk, Rafael Veríssimo, Le Maga, Roberto Rocha e Leo Rudá. Essa é uma parte da turma, mas Tambelli disse que é impossível falar do filme sozinho, já que o projeto foi totalmente colaborativo. Produtor, diretor, roteirista e responsável pelo som direto se revezaram na câmera durante as manifestações. "Ao final de cada saída, nos reuníamos na produtora ou no bar para discutir o que podia ser melhorado". 

O método sofria uma evolução a cada dia. Numa dessas gravações, o câmera Maurício Tibiriçá teve a ideia de amarrar o equipamento em um cabo de vassoura. Quando viram o resultado da "gambiarra", decidiram que aquele seria o principal ângulo em todas as manifestações. "Era o nosso drone", brincou o roteirista Le Maga.

As 12 diárias encaradas pelo grupo no mês de junho geraram 70 horas de material, que já era pré-editado assim que chegava à produtora. "Quando voltávamos das manifestações, o material já era separado e ia direto para a ilha de edição. Também acabamos criando um método para lidar com o material".

Cinema urgente

O método de filmagem e edição foi essencial para que a equipe conseguisse produzir um documentário em apenas seis meses, muito mais rápido do que a maioria das produções cinematográficas, que podem demorar até três anos para sair do forno. "A gente percebeu que as coisas não iam parar ali. Vemos os desdobramentos de junho até agora. Queríamos lançar isso dentro do processo".

O documentário é lançado antes mesmo que alguém possa entender o que foram os protestos, mas o diretor não enxerga isso como um problema. "O filme não explica nada, apenas ajuda a pensar. Não quisemos ser pretensiosos de explicar o que não sabemos. Nem os especialistas sabem. Ainda vai demorar um tempo para entender o que foi aquilo", disse. O mais importante para a equipe é criar no Brasil uma tradição de documentar grandes eventos sociais.

Retorno financeiro zero

Segundo o diretor, a pressa não trouxe qualquer problema ao resultado do projeto ou a harmonia da equipe. "Criou-se uma parceria e uma camaradagem que você não vê em produções tradicionais". Tambelli também atribui a união à falta de dinheiro. Feito com R$ 50 mil, que saiu do bolso da produtora Lente Viva, da qual Tambelli é sócio, o documentário não rendeu nem 20 centavos à equipe. "Como não tem dinheiro envolvido, as pessoas ficam mais livres. A gente tem o maior orgulho desse filme porque juntamos 30 pessoas e não tivemos um problema". Incentivo do governo? Nem pensar, dizem eles quase em coro. "Quem vai querer incentivar um filme desse? Mas a gente incentivou muito uns aos outros", disse Tambelli.

O diretor se diz de esquerda, mas garante que o filme é apartidário e dá vozes tanto à esquerda como à direita. "Não quisemos negar as contradições porque o documentário se faz delas. O maior valor dele foi mostrar o embate da direita e da esquerda no espaço publico". Para captar vozes tão dissonantes, a equipe deveria estar apenas com o olhos, ouvidos e corações bem abertos.

Eles não pretendem agradar ninguém com o resultado, mas têm esperanças de que discussões apareçam disso. "Brincamos que o filme não tem 50 minutos, mas duas horas. Uma hora de filme e outra de debate". E eles garantem estar abertos para conversa e com quem estiver disposto a isso. Para o projeto, uma produtora foi criada, a Aparelho Filmes, que pretende continuar documentando os maiores eventos sociais pelo país. Eles ainda não sabem qual será o próximo, mas têm certeza de que não conseguirão parar nunca mais.