Preso no Irã, diretor já contrabandeou filme em pen-drive escondido em bolo
Como fazer um filme com zero orçamento, com um diretor proibido de filmar por um governo autoritário? O iraniano Jafar Panahi dá mais um grande exemplo a cineastas do mundo todo com “Cortinas Fechadas”, que estreia nesta quinta (11).
Como o Cinema Novo na época da ditadura no Brasil, Panahi é a prova viva de que o talento de um artista pode se mostrar ainda mais forte em momentos de adversidade política.
Panahi é um cineasta premiado em festivais do mundo todo desde os anos 1990, com filmes como “O Balão Branco”, melhor primeiro filme em Cannes, e “O Círculo”, Leão de Ouro em Veneza. “Cortinas Fechadas” é o segundo filme que ele dirige desde que, em 2010, o governo iraniano o proibiu de filmar pelos 20 anos seguintes e decretou sua prisão domiciliar.
O primeiro, “Isto Não É um Filme” (2011), o diretor filmou dentro de seu próprio apartamento e enviou a Cannes num pen-drive escondido dentro de um bolo. Quando “Cortinas” foi apresentado no festival de Karlovy Vary, na República Tcheca, ele não teve medo e apresentou o filme à plateia via Skype.
Além de grande artista, Panahi demonstra inteligência política: se por um lado seus filmes podem aumentar a repressão do governo iraniano sobre ele, por outro a sua projeção internacional faz com que o mundo inteiro fique de olho nele, e qualquer ação mais violenta do Irã sobre o diretor pode queimar de vez o (já queimado) filme do Irã perante o mundo.
Em “Cortinas”, ele filmou na sua casa de praia com apenas dois atores. Um deles é o próprio roteirista do filme, já que qualquer ator contratado despertaria a atenção e a fúria do governo. Além deles, um cachorro.
No longa de 2011, Panahi colocava em cena a própria necessidade de fazer um filme, o desejo incontornável de criar alguma coisa nova mesmo que o poder estabelecido seja contra.
Em “Cortinas Fechadas”, ele leva ainda mais longe essa ideia. O ator-roteirista do filme, Kambuzia Partovi, vive um homem que chega a essa casa isolada fugindo de algo que não sabemos. Um carro estaciona e dois homens descem, um deles ajudando a carregar a mala do outro – mas, na sequência, esse segundo homem não entra na casa. O primeiro homem entra com seu cachorro e insiste em vedar as janelas com panos pretos para que ninguém o veja ali – mas nós, espectadores, estamos vendo tudo.
A própria inserção de um cachorro no filme já é uma subversão: no Irã, os cães são considerados sujos e as pessoas não podem criá-los como bichos de estimação. Ou seja, o cão é um pária tão grande naquela sociedade quanto o homem fugitivo.
Logo, uma mulher também fugitiva chega à casa, estabelecendo uma situação nervosa, mas pouco definida. Com mais da metade do filme, o próprio Panahi aparece na casa como uma presença misteriosa e muda que não entra em contato direto com o personagem principal, um autor flutuando em volta dos seus personagens, tão em crise quanto eles.
Toda a situação lembra muito o universo do dramaturgo irlandês Samuel Beckett, de “Esperando Godot”, com os personagens confinados num lugar fechado à procura de alguma coisa – uma vontade de fazer arte, ou de sobreviver num país governado por um poder burro e arbitrário.
Um filme imperdível pra quem ainda acha que um bom filme é feito de boas ideias, e não de milhões de dólares e centenas de efeitos especiais.
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