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Filme de Jorge Furtado expõe erros da imprensa e arranca risos no Cine PE

O cineasta Jorge Furtado fala sobre seu documentário "O Mercado de Notícias" no Cine PE - Carlos Minuano/UOL
O cineasta Jorge Furtado fala sobre seu documentário "O Mercado de Notícias" no Cine PE Imagem: Carlos Minuano/UOL

Carlos Minuano

Do UOL, em Olinda

29/04/2014 12h36

Os tropeços da imprensa, as dúvidas sobre a qualidade da informação, os interesses por trás do jornalismo, e o quanto tudo isso pode influenciar a formação da opinião pública são as principais questões que norteiam o documentário “O Mercado de Notícias”, quinto longa do diretor gaúcho Jorge Furtado (“Meu Tio Matou um Cara”).

Algumas declarações dos jornalistas entrevistados carregam o filme com um clima de obituário, sobretudo do jornalismo impresso. “Chegou-se mesmo a pensar que a função do jornalista ia desaparecer”, sublinha Furtado em entrevista ao UOL, realizada um dia depois de seu filme ter arrancado aplausos e risadas do público na sessão de abertura da mostra de longas do 18º Cine PE, no domingo (27), no teatro Guararapes, em Olinda (PE).

“Todo mundo tinha um Facebook, Twitter, então pra quê a imprensa?”, prossegue o diretor, que esteve pela primeira vez no festival pernambucano.

Com viés assumidamente de esquerda, as opiniões, com algumas exceções, seguem na mesma direção. Apontam para a tecnologia e a internet como os fenômenos catalizadores das mudanças, mas o documentário peca em não ouvir profissionais do segmento digital. “Convidei jornalistas de todos os veículos e de várias tendências”, defende-se Furtado.

Erramos
Pra embasar, ou temperar, a tese de que as coisas não andam lá muito bem no curioso mundo do jornalismo, Furtado lançou mão de pequenos casos de erros da imprensa, que vão da criação de factoides à má apuração.

Um deles é o de uma bolinha de papel que, em 2010, acertou a cabeça do então candidato à presidência José Serra (PSDB), que chegou a se submeter a uma tomografia na ocasião. O caso foi tratado por parte da imprensa como uma suposta agressão por militantes petistas.

“Virou um assunto nacional, mas ficou-se discutindo o arremesso de outro objeto que teria atingido ele, que ninguém viu, enquanto a bolinha que todos viram ficou esquecida”, sublinha.

Faltou procurar quem teria jogado a bolinha de papel, e Furtado, no melhor estilo Michael Moore, foi atrás da história. “Pesquisei imagens e acabei encontrando o rosto de alguém que, possivelmente, arremessou a tal bola de papel, e era um dos seguranças do candidato tucano e de seu vice, o Índio da Costa (DEM)”. O que o motivou a jogar a bolinha e porque ninguém foi apurar isso, são dois questionamentos que aparecem no filme.

Outro caso curioso e engraçado usado em “O Mercado de Notícias” é o da falsa obra de Pablo Picasso, encontrada apodrecendo e às traças na sede do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) em Brasília. A notícia, que circulou em 2004, gerou manchetes sensacionalistas em jornais de todo o país e chamou a atenção de Furtado, que estudou artes plásticas e, por coincidência, fez uma monografia sobre o pintor espanhol, precursor do cubismo. “Fiz fotos, comparei os tamanhos, e constatei que era um pôster”, afirma.

Dois anos depois dessa reportagem, após um incêndio no prédio, o ‘Picasso do INSS’ virou notícia mais uma vez. “A manchete dessa vez foi o resgate do ‘valioso quadro’, que na verdade é um pôster”, comenta o diretor. “É um caso exemplar de falta de atenção”, diz. Segundo ele, até hoje a história segue mal apurada.

Transformação radical
Íntimo do mundo das notícias, o diretor, que já estudou jornalismo e também é blogueiro, conta que a ideia de fazer “O Mercado de Notícias” surgiu em 2006, quando percebeu que a área de comunicação vivia uma transformação radical.

A inspiração maior ele encontrou na comedia teatral britânica “The Staple of News”, escrita em 1625 pelo contemporâneo de Shakespeare, o dramaturgo da Renascença inglesa Ben Jonson (1572 -1637). Junto com a tradutora Liziane Kugland, Furtado levou três anos para verter o texto para o português.

Trailer de documentário "O Mercado de Notícias"

“Fiquei impressionado com a atualidade da peça, escrita três anos após o surgimento dos primeiros jornais na Inglaterra, em 1622”, diz. Tanto é que as entrevistas, com 13 jornalistas brasileiros da área de política, de diferentes veículos, são pautadas pelas questões do texto do escritor inglês.

“Financiamento do jornal, relação com fonte, pessoas que querem aparecer na mídia, credibilidade da notícia, jornalismo virando entretenimento, pessoas querendo notícia nova todo dia, tudo isso que discutimos hoje em dia já estava lá”, observa.

A sátira inglesa também ganhou uma montagem com atores, especialmente para o filme. E vale destacar que, de acordo com o diretor, trata-se da segunda montagem desde a original no século 17. Trechos da peça são utilizados para pontuar as indagações e as reflexões propostas aos entrevistados.

Todo o processo, desde a primeira leitura foi documentado. “Os atores no início nem sabiam direito do que se tratava”, comenta o diretor. Depois de gravados os ensaios e a encenação, foi só misturar tudo com as entrevistas que tinha feito e, claro, adicionar a seleção de equívocos jornalísticos que, segundo Furtado, ilustram bem a temática do documentário.

Contra a ditadura
Apesar das críticas em “O Mercado de Notícias”, Furtado garante fazer uma defesa do jornalismo. O objetivo, segundo ele, foi promover uma discussão ampla sobre os rumos da mídia. “Entrevistados discordam em vários pontos”, ressalta. Ele próprio não concorda com visões apocalípticas que anunciam o fim de jornais.

“Está se provando que cada vez mais o profissional do jornalismo é necessário, gente treinada, habilitada e paga para selecionar informação, porque é impossível para o leitor comum distinguir em todos os sites o que é importante, verdadeiro, falso”, observa.

Um dos entrevistados, Mino Carta (fundador da revista "Carta Capital"), concorda que as funções do jornalista e do repórter não estão em extinção. Ao contrário, são cada vez mais imprescindíveis. “É uma questão de sobrevivência da espécie humana”, diz ele no filme.

Antes da exibição no Cine PE, o diretor falou sobre a importância da imprensa no enfrentamento das ditaduras, e destacou em especial o colunista da Folha de S. Paulo, Jânio de Freitas, que também participa do documentário. “A ditadura não gosta de bons jornalistas, porque eles trazem dúvidas, e elas gostam de certezas”.

Entre os entrevistados estão também Fernando Rodrigues, Bob Fernandes, Cristiana Lobo e Geneton Moraes Neto, entre outros.

Resultado de oito anos de trabalho, e ainda sem previsão de estreia nos cinemas, o projeto estende-se para a internet, onde é possível acessar a íntegra de entrevistas, a peça inteira e outras informações, disponíveis no site www.omercadodenoticias.com.br.

Desde 1989 na TV Globo, Jorge Furtado, que atualmente escreve e dirige a série global “Doce de Mãe”, também se dedica a mais uma ficção, “Beleza”. Em fase de montagem, o drama romântico, filmado no interior do Rio Grande do Sul, tem no elenco Adriana Esteves, Vladimir Brichta e Francisco Cuoco. O longa deve circular por festivais ainda este ano e estrear nos cinemas no início de 2015.